"Alguns povos têm um entendimento de que nossos corpos estão relacionados com tudo o que é vida, que os ciclos da Terra são também os ciclos dos nossos corpos. Observamos a terra, o céu e sentimos que não estamos dissociados dos outros seres. O meu povo, assim como outros parentes, tem essa tradição de suspender o céu. Quando ele fica muito perto da terra, há um tipo de humanidade que, por suas experiências culturais, sente essa pressão. Ela é sazonal, aqui nos trópicos essa proximidade se dá na entrada da primavera*. Então é preciso dançar e cantar para suspendê-lo, para que as mudanças referentes à saúde da Terra e de todos os seres aconteçam nessa passagem. Quando fazemos o taru andé, esse ritual, é a comunhão com a teia da vida que nos dá potência.
Suspender o céu é ampliar os horizontes de todos, não só dos humanos. Trata-se de uma memória, uma herança cultural do tempo em que nossos ancestrais estavam tão harmonizados com o ritmo da natureza que só precisavam trabalhar algumas horas do dia para proverem tudo que era preciso para viver. Em todo o resto do tempo você podia cantar, dançar, sonhar: o cotidiano era uma extensão do sonho. E as relações, os contratos tecidos no mundo dos sonhos, continuavam tendo sentido depois de acordar. Quando pensamos na possibilidade de um tempo além deste, estamos sonhando com um mundo onde nós, humanos, teremos que estar reconfigurados para podermos circular."
— Ailton Krenak, trecho de "A vida não é útil"
*curiosamente, a "queda do céu" a qual Krenak se refere coincide com o ingresso do Sol em Libra, que em astrologia chamamos de um Sol "em queda".
Abri a última edição sobre como alguns dos aspectos favorecidos para essa lunação poderiam ter a ver com mudar hábitos, repensar rotina e melhorar cuidados com o corpo. Nos últimos dias cheguei a esse livro do Krenak citado aí acima, uma leitura que foi uma feliz e pertinente "coincidência", considerando que estamos numa lunação em que os temas de casa 6 (desgaste do corpo e trabalho servil) são protagonistas. Vim pensando muito sobre o (não-)lugar do ócio no nosso dia a dia e na sensação de culpa que acompanha todo momento de desocupação nas vidas de quem mora nas cidades. Pode-se dizer que o ócio ganhou a reputação de algo imoral, condenável e até pecaminoso ("fulane não faz nada, tem a vida ganha"). Em A vida não é útil, o Krenak deixa bem visível que a repreensão ao ócio é um problema criado pela sociedade moderna, cada vez mais agravado pelo sistema neoliberal e hiperconsumista, que nos estimula à produtividade constante. Inventou-se uma estrutura de vida elaboradíssima, que exige mais e mais das pessoas para ser sustentada e manter as engrenagens da máquina funcionando (e expandido, sabe-se lá até onde). A pressão nem precisa mais vir de fora, ela já se forma intrinsecamente dentro de cada um: “hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”, diz o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, que escreve muito sobre o conceito da autoexploração. Acredito que você também se identifique em alguma medida com essa frase, pois ela ilustra o que está longe de ser um sintoma de falha ou de má conduta individual, e sim um sinal dos tempos em que vivemos: a negação do descanso e do tempo livre enquanto direito de todo ser vivo. Quando Krenak escreve que a vida é fruição, que a vida não é útil e não precisa ser, pode soar como um choque a muitos ouvidos. Mas é um pensamento dentro de uma cosmovisão outra, de uma outra perspectiva sobre como podemos viver. É preciso lembrar que podemos sonhar com e buscar outras formas de existir, mesmo restritos às nossas pequenas realidades cheias de responsabilidades e prazos. O direito ao descanso é um tema de muito mais relevância e urgência do que imaginamos, especialmente significativo para esse ciclo atual. Vale refletir sobre ele com o sossego e tempo necessários. E no fim das contas, como o próprio Krenak escreve, "toda teoria é um esforço de explicar para cabeças-duras a realidade que eles não enxergam" – o corpo é uma coisa viva e perceptiva, capaz de expressar e demandar o que a mente sofre para assimilar. Nessas condições, o ócio se torna, sobretudo, um estado de presença e compreensão.
lunação de virgem – lua cheia
Sol em Virgem, Lua em Peixes: amanhã à noite chega a Lua Cheia. Virgem, domínio de Mercúrio, é um signo que exprime a capacidade analítica – que, na etimologia, significa literalmente "decompor", dividir em partes menores, a fim de organizar e melhor compreender o todo. Mercúrio busca o entendimento das coisas através de suas minúcias e diferenças. Já Peixes é domínio de Júpiter, e manifesta uma qualidade sensível, aglutinadora, pacificadora, que agrega e multiplica. É o avesso da lógica racional, do que se explica pelas palavras – porque há muito que não se explica no mundo, por mais aperfeiçoada seja a técnica – mas se acessa por outras vias de percepção. Em A condição humana, Hannah Arendt escreve que "nada pode permanecer imenso se pode ser medido". Me lembra muito essa oposição de Virgem e Peixes: em alguma medida, a ordenação por meio da separação também esvazia a união, o pertencimento comum. São princípios opostos.
O mapa da Lua Cheia se assemelha muito ao da última Lua Nova, reafirmando os assuntos da primeira metade da Lunação de Virgem. Como escrevi na edição passada, pouco depois da Cheia teremos também o Ingresso Solar em Libra, que traz previsões para os próximos 3 meses. Recomendo reler esse conteúdo para uma melhor perspectiva sobre o cenário atual e a chegada dessa Lua Cheia, que envolverá os eventos da próxima quinzena.
O curioso do encontro entre Sol e Lua nesse mapa é que seus dispositores estão em harmonia: Júpiter em Aquário na casa 10 recebe o trígono exato de Mercúrio em Libra, na casa 6. Há muita ação a ser protagonizada pelo Congresso nas próximas duas semanas, com muito diálogo e acordos acontecendo (fora de nossas vistas e da mídia, inclusive), coisas que só tomaremos conhecimento mais à frente. As sessões da CPI têm levantado novas informações relevantes (e terríveis) e com Mercúrio em aspecto exato à Júpiter, me parece favorável às investigações e colheita dos resultados desse trabalho, principalmente nas denúncias de corrupção. O STF parece sem maior destaque nesse período, ainda que participe de algumas etapas desse processo. Com o julgamento do marco temporal novamente adiado, me parece improvável vermos qualquer conclusão ainda dentro dessa lunação, ainda mais com a retrogradação de Mercúrio que já se aproxima (começa no dia 27, mas já começa a ser percebida nessa semana).
Há um tensionamento entre Vênus em Escorpião e Saturno em Aquário – o presidente sofrendo pressão diplomática vindo de fora. A assembléia-geral da ONU é um dos assuntos da semana e o cenário não é dos mais bonitos, pra dizer o mínimo. Os temas das más condições da população brasileira e da vacinação devem ser o foco, o que desenha uma conjuntura que promete ser amplamente desfavorável ao presidente em outubro, quando entrarmos na Lunação de Libra.
O aspecto entre Marte em Libra e Saturno em Aquário será concluído no próximo sábado e seu significado ainda me intriga e levanta dúvidas. Penso que ele pode estar relacionado a alianças e transações às escondidas, só que aí envolvendo o presidente e forças militares/policiais, talvez até um braço internacional (sabe Deus com quem mais ele vai conversar nessa visita aos Estados Unidos). Esquisito que só, mas nada que parece intervir seriamente nas circunstâncias atuais das próximas duas semanas. No mais, não vejo grandes novidades. A nível subjetivo, minha melhor interpretação sobre esse mapa está na introdução dessa edição.
céu da semana – 19 a 25 de setembro
Vem semana agitada aí e com dias bem variados, mas no geral, ruim para o trato com os outros, pouca paciência e alguma reatividade. Respirem fundo e lá vamos nós.
Hoje, domingo, a Lua em Peixes encontra trígono com Vênus em Escorpião, delicinha, boas trocas e companhias.
A segunda começa formando o trígono entre Mercúrio em Libra e Júpiter e Aquário, que se completa à noite, logo antes da chegada da Lua Cheia (às 20:55 no horário de Brasília, estará bem visível no céu!); dia bom para cumprimento de tarefas, questões administrativas e trabalho mental.
Na terça-feira a Lua ingressa em Áries pouco depois a meia-noite e caminha rumo à oposição com Marte em Libra durante a madrugada, completando o aspecto no começo da manhã. A cara da dor de cabeça. Deve ser uma madrugada bem agitada, de insônia e pesadelos. Um dia bem irritadiço, sem saco pro diálogo. No início da tarde a Lua também completa um sêxtil com Saturno em Aquário, com indisposição pro trabalho. Dia bom pra pegar leve e até folga, pra quem pode.
Na quarta a Lua segue caminhando impaciente por Áries. O Sol ingressa em Libra às 16:21 (opa), dando início à primavera para nós do hemisfério sul. A agressividade dá uma abrandada (leve). À noite, Lua encontra o sêxtil com Júpiter e a oposição com Mercúrio. Dia de concentração dificultada, um desbaratino geral.
Quinta-feira traz a chegada da Lua ao signo de Touro no meio da manhã. Ela passa o dia procurando o aspecto de quadratura com Saturno, uma gastura, vontade de fazer nada, trabalho e estudo que nada. Vagarosidade e teimosia.
A sexta traz a oposição entre Lua em Touro e Vênus em Escorpião, um encontro bem peculiar entre relaxamento e tensão, entre controle e fruição, entre alimento e veneno. Negociações carregadas de uma certa tensão e um morde-assopra nos relacionamentos, mas que dá um jeito de se entender, nem que se dê o braço a torcer pra se poupar de desgastes maiores.
O sábado encerra a semana com a Lua em Touro encontrando Júpiter numa quadratura pela manhã e o trígono entre Marte em Libra e Saturno em Aquário se consolidando no fim da tarde. À noite, a Lua ingressa em Gêmeos. Expectativas irreais, uma certa falta de noção das coisas e resistência de escutar. Segredos ou imprevistos vindo à tona.
notas astrológicas: marte em libra
Um homem está em cima de um muro – muro este que divide o céu e o inferno. Este homem, parado em cima do muro, ainda não se decidiu pra que lado ele quer ir. Do lado do céu, Deus, Jesus, os arcanjos e toda a Legião do Bem clama à ele:
— Vem pra cá, venha pro céu, aqui todos são bons! Fica com a gente!
Do outro lado, parado, está um Diabo velho, calado, assistindo a cena. Ele observa toda a súplica do lado de lá, mas não tece comentário algum. O homem em cima do muro, intrigado ao perceber tal postura do Diabo, o questiona:
—Toda a legião do Bem está tentando me convencer de qualquer maneira a ir para o lado de lá. E você, não vai tentar fazer nada? Nem vai tentar me fazer ir para o seu lado?
O Diabo, com um sorriso maroto, olha para o homem e eis que responde:
— Eu não preciso. O muro é meu.
edição e animação de uma colagem que criei em 2019
Há alguns anos, ouvi essa pequena fábula (bem cristã e maniqueísta, claro) a respeito do que significa, muitas vezes, estar em cima do muro. É uma imagem que me volta à cabeça quando penso em Marte em Libra. Libra são vestes de Vênus, planeta de união e harmonia, mas Marte é planeta de confronto e separação. Essa é a razão pela qual, nos fundamentos astrológicos, Marte em Libra se encontra debilitado e desconfortável, num território estranho. O risco é de fazer vista grossa sobre o que não se deve ou agir de forma perigosamente permissiva. Além de tudo, Marte em Libra é um isentão: não está pronto para embate algum, pelo contrário, se pudesse fingiria que ele não existe. Tentando equilibrar os pratos sobre a balança, obcecado com um ideal de equilíbrio, esquece que a passividade facilmente se torna injustiça. O mundo lá fora se acabando, ele preocupado em não desagradar ninguém. Como um dos planetas regentes do ano astrológico de 2021, essa passagem indica relutância no direcionamento de ações diretas para o enfrentamento de problemas. O tempo agora é de um certo cinismo e de uma diplomacia bem dissimulada, com o olhar do julgamento escondido por trás de uma aparência plácida – o tipo de encenação que se monta quando não há condições de tomar uma posição definida. Marte em Libra movimenta alianças e escorrega entre todos os lados, mas não dá cabo a nada. O bote virá lá na frente, a partir de 30 de outubro, quando Marte entrar em Escorpião e algumas expectativas em relação ao cenário político poderão, enfim, ser atendidas.
pra desopilar
Fiz uma playlist para ouvir enquanto se faz nada de útil. Simples assim. O nome vem do tupi mbe'mbuya que significa algo "que é leve" e também "o que boia ou flutua". Lá no Amazonas, de onde minha família materna vem, se fala "ficar de bubuia" como sinônimo de descanso mesmo. Amo essa palavrinha maravilhosa.
Um abraço e até semana que vem,