Pé no freio, que a Lua Minguante e o Mercúrio retrógrado vêm aí: depois de mais uma semana daquelas em que o noticiário parece mais o trabalho de um roteirista de drama político apelativo e de mau gosto, trago uma edição mais suave na nave, sem fortes emoções, que a realidade vem nos afetando até demais.
Antes de qualquer coisa, no entanto, uma retificação: dados os acontecimentos levantados pela CPI nos últimos dias, queria fazer retomar algo que escrevi a respeito do Ingresso Solar em Libra, tema da penúltima edição. Sobre o mapa abaixo, observei a posição de Vênus em Escorpião na casa 9 como um indício favorável para avanços científicos relacionados à pandemia, pesquisas e estudos.
Com os fatos que vieram à tona essa semana sobre o caso da Prevent Senior, o que me parece é que essa Vênus testemunha algo que agora parece óbvio: o grande problema que estaremos lidando nesse trimestre são os escândalos de corrupção envolvendo membros do governo e seus afiliados; e ao mesmo tempo que é o grande problema desse período, também pode ser a última pá de cal no governo Bolsonaro. Astrologia é contexto, claro: em outras circunstâncias, essa Vênus poderia sim representar avanço ou conquistas a nível de pesquisa em uma conjuntura em que esse tema estivesse mais presente, mas o mais provável aqui é que ela trate do esforço por justiça frente às descobertas recentes. Vênus se coloca na casa do Poder Judiciário, em quadratura superior à Júpiter e Saturno em Aquário; como escrevi no texto sobre esse mapa, é muito improvável que não haja prisões ou punições relevantes de membros ou associados ao governo bolsonarista. A coisa já começa a ficar séria na Lunação de Libra, que logo mais chega com o decisivo relatório final de investigações da CPI. Por enquanto, vamos tentando digerir os últimos ocorridos.
notas astrológicas
retrogradação enquanto manutenção
Quem se envolve no estudo ou no interesse astrológico logo percebe que boa parte dos termos técnicos e nomenclaturas estranhas são apenas nomes para características, expressões e fenômenos observáveis na natureza. Astrologia é esse oráculo que surge da observação do céu e correlação de seus movimentos com o mundo aqui embaixo: se hoje, nas cidades, parece uma ideia estapafúrdia notar relações entre esses ritmos, basta estar em maior contato com um ambiente vivo para que as correspondências fiquem óbvias.
O que chamamos de movimento retógrado é um desses termos que ganham ares de importância e inquietação coletiva, mas que se trata de um movimento frequente e periódico nos ritmos da natureza. Todos os planetas visíveis — Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno — traçam um caminho, um percurso ao longo do céu, que pode ser acompanhado dia a dia por nós, a olho nu. Esse percurso é contínuo e relativamente regular, e o que chamamos de movimento direto.
Já o movimento retrógrado é o que acontece quando o percurso aparente do planeta no céu muda de direção, quando um planeta aparenta estar "andando para trás" no céu, exatamente como a fotografia abaixo ilustra. Essa é uma imagem que sobrepõe a posição de um planeta ao longo de vários dias: ele vem, pouco a pouco, fazendo um caminho retilíneo; em dado momento, sua velocidade aparente desacelera e ele começa a fazer uma trajetória no sentido contrário, e segue assim por mais algum tempo; daí, ele volta a ganhar velocidade aparente e retoma a direção "normal" de deslocamento no céu.
A retrogradação é uma ilusão de ótica. Esses planetas não estão de fato "andando para trás", porém, da nossa perspectiva terrestre, temos a impressão de que eles estão na direção contrária do que a de costume. A astrologia, sendo um conhecimento oracular estruturado a partir do ponto de vista da Terra, inclui o movimento retrógrado como mais uma informação relevante para ser considerada na análise de mapas. Apesar disso, a retrogradação não é um evento especial e nem um bicho de sete cabeças: Mercúrio fica retrógrado 3 vezes ao ano; Júpiter e Saturno, os mais lentos, passam cerca de um terço do trânsito em movimento retrógrado, dois terços no movimento direto. Além de frequente, é um fenômeno bastante regular.
O período de retrogradação tem sido associado na astrologia como um indicador de revisão, desaceleração e retornos de assuntos variados. Esses significados podem fazer sentido em muitos casos, mas gostaria também de trazer a ideia da retrogradação enquanto manutenção. Como a antropóloga Shannon Mattern escreve,
"Valores como 'inovação' e 'novidade' têm apelo de massa — ou pelo menos tinham até que a ideia de 'ruptura' se tornasse uma plataforma de campanha vitoriosa e uma estratégia de governança normalizada. Agora, o colapso é nossa realidade epistêmica e experiencial. [...]
O que realmente precisamos estudar é como o mundo é reconstruído. Não estou falando sobre a eleição de novos funcionários ou o lançamento de novas tecnologias, mas sim sobre o trabalho diário de manutenção, cuidado e reparo."
Ainda dentro da temática "viver dá trabalho", tão característica dessa Lunação de Virgem, fica aí o questionamento: vocês já se deram conta no tanto de trabalho que envolve manter a sua própria vida, a sua casa, as estruturas nas quais a sua vida se apóia? O trabalho de manutenção das coisas anda muito próximo ao trabalho servil, historicamente atribuído a grupos sociais subjugados ou marginalizados. O trabalho doméstico é um exemplo cotidiano muito próximo da nossa realidade: na sociedade patriarcal, a manutenção de uma casa é é um trabalho não-remunerado exercido por mulheres há muito tempo; quando mulheres brancas alcançam um patamar de sucesso profissional e poder econômico, o mais comum é decidirem por pagar (insuficientemente) outras mulheres para assumir tal tarefa.
Em suma, a manutenção, a preservação e a conservação são o tipo de empreendimento que não recebe nem de longe o mesmo reconhecimento de outros feitos heróicos do trabalho humano. Na mentalidade moderna-capitalista-ocidental mais comum, manutenção é trabalho inferior ou, na melhor das hipóteses, um tempo mal gasto — afinal, temos mais é que produzir, seguir em frente com as coisas, seguir rumo ao progresso. Mas e se nós tratássemos a manutenção como o que de fato ela é — uma necessidade natural, tão valorosa quanto a iniciativa e a busca pelo novo? Talvez a má reputação da retrogradação também seja reflexo de uma visão do mundo como um território a ser constantemente descoberto e explorado, raramente protegido e conservado como deveria.
Mercúrio fica retrógrado em Libra a partir das 02h11 da madrugada dessa segunda-feira, 27 de setembro, e segue assim até o dia 18 de outubro. É tempo de manter e consertar bases de sustento e apoio, assumir teus BOs, tomar a devida responsabilidade sobre o que se tem. Às vezes, "avanço" significa só melhorar as condições que já existem para estar melhor nelas. Não precisa ir longe pra isso.
céu da semana
26 de setembro a 2 de outubro de 2021
Essa semana a Lua vai de Gêmeos a Leão, alcançando o quarto minguante na terça-feira. Chegamos à decaída da Lunação de Virgem, que vai até 6 de outubro, se estendendo ainda até o comecinho da próxima semana.
Hoje, domingo, a Lua em Gêmeos alcança três trígonos: o primeiro foi com o Sol em Libra, no fim da madrugada; perto do meio-dia ela encontra Saturno em Aquário e, pouco depois, Marte em Libra. Dia que favorece bastante o fluxo de pensamentos, diálogos e comunicação, trazendo leveza e até superficialidade nessas trocas, com um ar de diplomacia meio dissimulada.
A segunda traz a retrogradação de Mercúrio no início da madrugada. A Lua segue inquieta percorrendo o signo de Gêmeos ao longo do dia até encontrar Júpiter em Aquário, no início da noite. A semana começa com algum otimismo e perspectiva frente às situações difíceis, favorecendo planos e tarefas mentais, embora a retrogradação nesses primeiros dias dificulte a assertividade e agilidade nos processos. Não apresse o que não precisa e se organize com atenção, que dá pé.
Terça-feira tem a Lua ainda em Gêmeos completando o trígono com Mercúrio em Libra no início da madrugada. No meio da manhã ela ingressa no signo de Câncer e se aproxima da quadratura com o Sol em Libra, o que acontece no fim da noite. Dia de expressividade, bom de fala e de colocações certeiras nas relações, notícias a todo vapor correndo. Dia agitado, mas que deve passar voando.
Na quarta a Lua completa quadratura com Marte no fim da madrugada, o que parece trazer imprevistos ou mais notícias surpreendentes. Agitação, dificuldade de concentração, cansaço e alguma impaciência, especialmente no trato com os outros. Prefira as tarefas mais "mecânicas" e/ou que não envolva outras pessoas. À noite, o Sol em Libra completa trígono com Saturno em Aquário, um aspecto significativo em termos sutis de poder — algum funcionário do governo saindo mal na fita? Possível.
Quinta traz Lua em Câncer em trígono com Vênus em Escorpião e quadratura com Mercúrio em Libra no período da manhã; Vênus, por sua vez, alcança quadratura com Júpiter à noite. Pouco depois, a Lua ingressa em Leão. Emoções carregadas e uma tendência a superdimensionar as coisas, ter uma percepção equivocada das situações ou preocupar demais. Coisas que já achava haver resolvido podem voltar aqui, mas há pressa e pessão que vem de fora para tomar decisões e dar direcionamentos adiante. Apesar das tensões, mais favorável para a negociação e diálogo do que para resoluções individuais.
Sexta tem Lua em Leão em oposição à Saturno em Aquário pela manhã e dois sêxtis da Lua à tarde, com Sol e Marte em Libra. Mais holofotes sobre o governo e atenção à oposição, que articula forças importantes aqui, possivelmente envolvendo funcionários públicos ou da área da saúde. Dia de tensionamento com figuras de autoridade, atenção ao que corre nos bastidores, já que a fofoca corre em muitas vias, inclusive as que a gente não enxerga. Bom pra ficar em casa e se preservar, risos.
Encerrando a semana, no sábado a Lua em Leão encontra a oposição com Júpiter em Aquário no fim da tarde, sêxtil com Mercúrio em Libra pouco depois e quadratura com a Vênus em Escorpião pela noite. Desentendimentos e uma falta de sintonia entre amizades ou pessoas do convívio, uma coisa meio esquisita, um quê de egoísmo, imposição da própria vontade, uma certa intolerância com os outros. Meio orgulho fingido, meio falsa humildade. Fique na sua e evite o estresse, que logo passa.
nas frestas
"Escrevi uma coisinha, na verdade para os roteiristas. Escreva a história que te dá medo, que te dá incertezas, que não é confortável. Eu te desafio. Em um mundo que nos seduz a navegar pela vida de outras pessoas para que possamos determinar melhor como nos sentimos sobre nós mesmos, e a sentir a necessidade de estarmos constantemente visíveis, pois hoje em dia visibilidade parece ser sinônimo de sucesso, não tenha medo de desaparecer — do mundo e de nós, por um tempo, e ver o que vem até você no silêncio."
Esse foi o discurso de Michaela Coel ao ser premiada com o Emmy no último domingo. Michaela foi a mulher negra a ganhar o prêmio de melhor roteiro, que ela conquistou pela genial I may destroy you, uma minissérie escrita, dirigida, produzida e protagonizada por ela mesma (e uma das melhores e mais difíceis que assisti na vida).
Essa fala me trouxe uma relação com algo que escrevi há algumas edições atrás, no começo da Lunação de Virgem, essa que agora se aproxima do fim; lá no início desse ciclo, escrevi sobre como tanto ruído nos distrai de prestar atenção no que é importante, e até prejudica observar as situações que ocorrem de forma lúcida e confiável. Escrevi sobre o ruído, Michaela falou sobre o silêncio. Há algo de poderoso por trás das palavras dela, que servem tanto como um convite quanto uma provocação para pensarmos que, volta e meia, é preciso alguma pausa e respiro para nos lembrarmos de quem somos. Muito se fala sobre o excesso de informação e de comparação que a internet e as redes sociais nos causam, o que é bem significativo — o que talvez seja menos notado, no entanto, é justamente a capacidade de alienação de si mesme que tanta exposição pode causar.
Vem chegando aí uma semana em que a Lua alcança o quarto minguante, e aos poucos ela irá diminuir sua luz no céu, até desaparecer por completo. O recolhimento é parte constituinte dos ritmos da natureza: na Lua se vê pela fase minguante, no Sol pela estação inverno. Nós humanos, é claro, tampouco estamos alheios à ciclicidade do tempo.
um abraço e até semana que vem,