O governo Bolsonaro completou 1000 dias no fim de setembro. Não é que a vida do brasileiro fosse fácil ou livre de problemas antes disso, porém, há mais de mil dias, o que a gente tem vivido tem outro nome, pede outro tipo de definição — talvez "trauma coletivo" se aproxime do que eu quero dizer. O fato é que não conseguimos, ainda imersos nessa realidade, ter dimensão do tamanho do prejuízo que o governo Bolsonaro já deixou e ainda vai deixar para quem vive no Brasil. Alguns danos são óbvios, e vêm à tona com mais força, a cada semana que passa: o retorno da fome ao país e as carcaças de carne e peixe sendo vendidas em supermercados; o veto à distribuição gratuita de absorventes que, nas palavras do presidente, "contraria o interesse público"; "óbito também é alta" — talvez a frase mais marcante do ano e que se refere ao escândalo dos experimentos médicos da Prevent Senior.
Esse governo é uma máquina de moer gente. Não há saúde física, emocional ou mental que sobreviva impassível no Brasil nos últimos 2 anos e meio, especialmente com a chegada da pandemia. Mas há também um tipo de dano que essa gestão já nos deixou que é tão perigoso quanto difícil de admitir: a paralisação frente ao horror. Ninguém aguenta mais tanta coisa ruim... mas elas seguem acontecendo. Às vezes, até, piorando. O depoimento na CPI de um sobrevivente aos experimentos mengelianos da Prevent Sevenior foi um dos fatos que marcou a semana e comoveu muitos de nós, mas que também levantou uma questão: por que o Brasil não parou, diante de tamanho absurdo? O que é possível fazer, quando sobreviver e cuidar de si e dos seus já vem sendo uma tarefa bastante difícil?
Nise da Silveira dizia que "é necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade". Tenho certeza de que ela está certa, mas o que parece que predomina é uma sensação de impotência. Esse é um dos aspectos do mapa da Lua Nova que interpretei na última edição, mas que retorno aqui para mais algumas pontuações. O povo é uma Lua em Libra na casa 12, cravada à Marte exilado no mesmo signo: a desesperança é um estado que nos aliena, isola e nos impede de enxergar outras possibilidades. A casa 12 é esse local de penumbra, onde é preciso tatear rotas de fuga, confiar que há uma fresta para onde é possível sair — e não escapar, porque não tratamos de fugitivos.
O que é capaz de romper a letargia do desespero, o escapismo da bruta realidade? A força de ação, claro: na astrologia, chamamos de Marte. O ingresso de Marte em Escorpião no fim desse mês, que antecipa a próxima lunação, é um dos trânsitos astrológicos que espero com a ânsia de quem, também, não aguenta mais. Até lá, no entanto, temos mais umas boas semanas de um Marte exilado que negocia, dialoga e expõe as coisas em ritmo de diplomacia, em meio ao massacre.
Apesar de muita falação e pouca ação de fato, eu escrevi na interpretação da semana passada sobre a forte possibilidade de ordens ou decisões judiciais dirigidas à aliados ou funcionários do governo tomando forma ainda dentro dessa lunação, ainda que esse ciclo não trate de muita ação ostensiva, e reafirmo aqui essa previsão: a chegada da Lua Cheia em Áries no dia 20 reacende um tanto o ânimo geral — ainda mais considerando que ela vai fazer trígono à recém-chegada e muito bem-vinda Vênus em Sagitário — e promete um fortalecimento de protestos, manifestações e pressão popular.
No mais, o que dizer dos Pandora papers, o vazamento de mais de 11,9 milhões de documentos confidenciais que jogou luz sobre as fortunas secretas de algumas das pessoas mais influentes e conhecidas do mundo? A cara do Ingresso Solar em Libra e também dessa lunação de casa 12, que trata de sigilo, ocultação e segredos — o que estamos falando aqui é de uma investigação que literalmente revelou os ativos secretos, negócios e fortunas ocultas de um grande elenco de ricos e poderosos. Não é fato corriqueiro.
E por último, indico a leitura desse texto do Leonardo Rossatto que, em contraponto à mentalidade pessimista que ainda assola muita gente, reúne razões sólidas para afirmar o fato de que a CPI já venceu.
céu da semana
10 a 16 de outubro de 2021
Vem aí uma semana relativamente produtiva, especialmente a partir de quarta-feira, já que o comecinho vem meio entravado. A Lua cresce no céu e vai de Sagitário à Peixes e Saturno deixa, enfim, sua retrogradação.
Hoje, domingo, a Lua em Sagitário faz sêxtis com Mercúrio, Marte e Sol em Libra. Aspectos tímidos, sem muita força pra nada, favorecendo as atividades mais práticas, mão na massa: faxina, organização, cozinha, etcs. Saturno em Aquário deixa sua retrogradação no fim da noite, um indicador de fortalecimento do Congresso e da oposição no contexto geral do trimestre.
A segunda-feira começa com uma Lua alcançando um último sêxtil, com Júpiter, no início da madrugada. Ela fica se despedindo do signo de Sagitário ao longo da manhã, até ingressar em Capricórnio no início da tarde. Dia que mobiliza a comunicação, dá ênfase aos assuntos domésticos ou familiares. Bom ainda para tarefas práticas e solitárias, nada que envolva demais outras pessoas, que a paciência vai estar curta.
Na terça o humor segue com a Lua em Capricórnio (lua em patada, kkk). Brincadeiras à parte, aqui a Lua encontra quadratura com Mercúrio e Marte em Libra, o que realmente dá uma gastada nos nervos e reforça a impaciência e a irritação, especialmente no que se refere à comunicação, diálogos, etc. Priorize pra esse início de semana as atividades mais práticas ou físicas, coisa pra gastar a onda da cabeça, nada que exija demais do mental ou dos outros.
Quarta-feira traz a Lua chegando ao Quarto Crescente pouco depois da meia-noite e seguindo meio amarga, meio sarcástica ao longo do dia. Vênus em Sagitário completa sêxtil com Saturno em Aquário no fim da tarde e nos lembra que é bom sonhar e idealizar junto de quem a gente gosta, receber um ou outro amigo que a gente gosta em casa, na flexibilização cuidadosa que cabe ao momento. Lua ingressa em Aquário pouco antes do pôr-do-sol, conferindo alguma leveza pro fim do dia, afastando um pouco a tensão trava-mandíbula do trânsito da Lua em Capricórnio em tantas quadraturas.
Na quinta, a Lua em Aquário abraça Saturno no fim da manhã e alcança o sêxtil com Vênus em Sagitário pouco depois. O dia começa assim, mais propositivo, com pés no chão e cabeça cheia de ideias. No início da tarde, Lua completa trígono com Mercúrio, favorecendo o trabalho mental, leitura, escrita e planejamento. A ênfase ainda é interna, valendo mais aqui se ocupar de assuntos íntimos, familiares ou da própria casa e entorno, não tanto de trabalho e assuntos de fora. É possível que role aqui alguma notícia favorável sobre meio ambiente ou questões territoriais.
Sexta-feira promete ser um dia agitado com a Lua fazendo trígonos à Marte e ao Sol em Libra entre a madrugada e o meio da manhã, o Sol em trígono à Júpiter e a Lua em conjunção à Júpiter também. Tanto trígono e movimentação indica acordos e movimentações nas esferas do poder, mas parece coisa de bastidores, que não se revela de cara. Dia pra ficar de olho, especialmente no âmbito financeiro — teoricamente seria positivo, mas cês sabem como andam as coisas. Atenção redobrada ao que é dito e não-dito, tem uma coisa meio leva-e-traz estranha nessa dança aí. No fim da noite, a Lua ingressa em Peixes.
O sábado encerra a semana com Lua em Peixes fazendo quadratura com a Vênus em Sagitário e Mercúrio se aproximando do sêxtil com a Vênus também: bonito, gostoso, prazeroso, relaxante e divertido, como o descanso deve ser. Encontre um amigo, busque uma atividade que entretenha você e uma companhia próxima ou familiar. Criatividade e prazer são mesmo um dos poucos amparos em tempos como esses.
notas astrológicas
sobre a experiência oracular, parte 2: autoconhecimento
Inauguramos essa série na última edição falando sobre o aspecto de revelação que faz parte da experiência oracular. Hoje, ainda dentro desse grande tema, vamos falar um pouco sobre a ideia de autoconhecimento, já que essa é uma das principais motivações iniciais de grande parte das pessoas que se interessa por astrologia. E de cara, aqui, vou jogar uma areia em cima dessa ideia de autoconhecimento, mas prometo que isso não é para desmotivar o interesse, pelo contrário — é justamente para que as pessoas se aproximem desse oráculo com uma noção mais realista em relação ao que ele se propõe. O fato é o seguinte: a astrologia não existe para te dizer como você É, nem para descrever a sua identidade.
Com isso, não quero dizer que é um equívoco você ou qualquer pessoa buscarem um oráculo com fins de autoconhecimento, mas que é importante situar melhor qual autoconhecimento é esse que estamos falando, e a finalidade dessa busca. Vamos por partes, então.
A astrologia nasceu da observação do céu por povos antigos (os primeiros registros que temos são da Mesopotâmia), 2 mil anos antes da Era Comum (EC = a.C.). Essa observação constante do céu trouxe o entendimento da correlação entre movimentos do céu e eventos da Terra. Astrologia se trata, portanto, de um espelhamento simbólico percebido entre o céu e a Terra, retratando a natureza das coisas que acontecem no mundo. Como que, disso aí, chegamos hoje à matérias sobre Como cada signo se comporta no Tinder?
Bom, de forma resumida, a astrologia que a maior parte das pessoas conhece hoje está relacionada com a astrologia dos horóscopos do signo solar, popularizada entre o fim do século 19 e início do 20 por meio de almanaques e autores que identificaram nesse formato uma saída para simplificar o conhecimento astrológico, tornando-o mais compreensível para um grande público. (Ah, a grande diferença entre tornar um conhecimento acessível e simplificar até esvaziá-lo totalmente de fundamento!) Bem, a absorção popular da ideia do signo solar como um identificador pessoal principal rendeu tanto que chegou até os dias de hoje, de vento em popa.
Há muitas diferenças entre a astrologia moderna e a tradicional e não pretendo discuti-las aqui, mas a meu ver, cabe sublinhar aqui o que considero a grande diferença de abordagem entre as duas: sobre o que o mapa natal fala. Para a astrologia moderna, o mapa natal é a sua "identidade celeste"; cada planeta descreve uma parte do seu Eu e do seu comportamento; Vênus é como você se relaciona, Marte é como você age, Mercúrio como você se expressa, etc. Cada coisinha que está desenhada ali diz respeito a você, a características suas de nascimento. Já para a astrologia tradicional, o mapa natal é o mapa da sua vida: está retratado ali o seu percurso de vida, o seu destino; ele é pessoal, mas não totalmente individual, porque você é parte de uma coletividade, e as principais circunstâncias da sua vida estão representadas ali, o que significa que — pasmem — nem tudo que está no seu mapa diz respeito à características pessoais suas, mas sim como tais assuntos ou contextos se manifestam na sua experiência de vida. O "seu" mapa é, na verdade, o mapa da sua vida: você está ali, mas acompanhado de muito mais do que apenas seu comportamento e identidade.
Acontece que o contexto em que nós (pelo menos o que eu e vocês que me lêem) vivemos é o de uma sociedade de consumo, capitalista, ocidental, focada no indivíduo. Nós crescemos nessa sociedade, e somos moldados por ela. Nossos sonhos, ambições e motivações também são, em grande parte, de caráter consumista e individual: essa é a matriz de onde nós saímos. Faz sentido pensar que a busca desenfreada por identificação é sintoma de uma sociedade em que o indivíduo é alienado do coletivo, ou em que a ideia de individualidade é muito mais importante que a de comunidade. Construir uma identidade pode ter a ver com criar laços com uma comunidade, mas o que a astrologia moderna é mais do que isso — tem a ver com definir, segmentar e pré-conceber aspectos de identidade e personalidade para todas as pessoas, a partir dos 12 signos do zodíaco. Qual o propósito disso? Hum... talvez tenha algo a ver com uma massificação de consumo e comportamento dentro desse sistema, não? Se acha que eu tô exagerando, pensa aí na quantidade de linhas de produtos que vêm aparecendo sob a temática de signos. Signo vende, porque signo = potencial de identificação para consumidores.
Identidade é algo fundamental para os seres humanos, e não estou aqui pra defender forma alguma de auto-anulação, muito pelo contrário: identidades e rótulos são formas de organização social, criam laços afetivos e são importantes para afirmação de existência e luta por direitos. Mas a camada menos óbvia e mais problemática da fissura pela identificação e o autoconhecimento fast-food é que, em termos simplórios, definição também é limitação. Um problema menos debatido sobre a difusão da astrologia moderna comercial, focada em estereótipos sobre signos solares e descrição de personalidade, é exatamente este: circunscrever pessoas diversas dentro de um grupo de características pré-determinadas pelo nascimento. Para os mais jovens e influenciáveis, a atribuição de certas características pode ser algo capaz de provocar uma percepção bastante equivocada ou limitada sobre si mesmo.
Nós também somos seres que, enquanto vivenciamos as coisas, gostamos de buscar significados e apontar razões. Não é errado observar uma criança do seu convívio que é especialmente agitada, cheia de iniciativa e energia e associar essas características à ter nascido com ascendente ou Lua em signos de fogo, por exemplo. Existem, sim, várias técnicas na astrologia tradicional para apontar o temperamento da pessoa, suas disposições mentais e emocionais, etc, porque características pessoais são parte da astrologia tradicional. Mas penso que o mais importante a se ter em mente, quando falamos de identidade, é que ela também é fluida e adaptável, pois vivemos muitas fases na mesma vida e mudamos ao longo delas; identidade é referente às escolhas e circunstâncias pessoais que vivemos ao longo do nosso caminho. Identidade, enfim, não é algo inato à nós, nem estável, definitivo, determinado pelo mapa natal ou por qualquer outra coisa.
Autoconhecimento pleno, portanto, só pode ser possível quando buscado numa via de mão dupla: me percebo como indivíduo porque me enxergo como parte de uma coletividade; me percebo parte de uma coletividade, porque me enxergo enquanto indivíduo.
Uma última coisa!
A edição extra para apoiadores, que sai sempre no fim do mês, costuma ter um tema surpresa, mas nesse mês de outubro, resolvi adiantar. Vamos observar os mapas dos eventos de um dos um dos mais famosos assassinatos do século XX: a morte do designer de moda Gianni Versace, baleado aos 50 anos de idade por um spree killer chamado Andrew Cunanan. Eventos tão drásticos como esse, dada a sua gravidade, costumam ser casos de estudos bastante didáticos para quem se interessa por astrologia, já que os significadores dos eventos ficam evidentes e mais fáceis de identificar. Estou reunindo agora o material de pesquisa para apresentar os mapas dessa história e contá-la a vocês com a informação e seriedade necessárias nesse tipo de caso. Para quem se interessou, vale assistir a série disponível na Netflix inspirada nos fatos dessa narrativa.
um abraço e até semana que vem,