Se na semana passada escrevi sobre o lodo remexido nessa lunação, trazendo a tona memórias de tempos muito distantes, essa semana venho falar sobre os fios emaranhados do tempo. Que a astrologia nos ensina que o tempo é cíclico, e não linear, é evidente — essa é uma das primeiras lições que o estudo astrológico me trouxe. Na forma como nos organizamos como sociedade hoje, no entanto, o tempo é uma grandeza retilínea, objetiva, mensurável em números precisos e utilizada para atribuir valor às coisas. Esse é um tempo que não cabe bem ao tempo da natureza, esse tempo cíclico com o qual lidamos na astrologia.
Essa semana, pensei numa imagem do tempo como um rolo de fios emaranhados, o qual observamos pequenos trechos e julgamos compreender uma parte significativa de sua totalidade, quando na realidade só enxergamos algumas seções de seus fios. Essa alegoria me veio à cabeça ao perceber as coincidências dos atendimentos da minha semana: dois mapas com Marte na casa 10, dois atendimentos em que narrei o mito da deusa Astreia e sua relação com o signo de Virgem; o mapa de uma pessoa que nasceu na noite de um eclipse lunar... bem na véspera de um eclipse lunar (o que rolou na sexta-feira). Esses são exemplos banais, mas esse tipo de coincidência é a coisa mais comum na vida de oraculista: na mesma semana, estudar vários mapas com a mesma Lua ou ascendente, ou relações muito parecidas entre planetas e casas, etc. A imagem do tempo como fios emaranhados que se unem e se enrolam de formas incompreensíveis me passou pela cabeça, já que coincidências são fenômenos que podem ser vivenciados até pelos céticos mais fervorosos. Por mais que a astrologia seja um conhecimento que estude a natureza do tempo, há muito além da nossa compreensão.
Também quis dividir essa reflexão por uma razão mais simples: lidando com os fios emaranhados do tempo, qualquer pressa para desembolar só gera mais nó. Grande parte das coisas mais importantes que se vive, acredito eu, só se compreende verdadeiramente muito tempo depois; um tempo que, inclusive, às vezes parece meio aleatório. Se percebe nos temas que ressurgem ciclicamente na nossa experiência — caramba, mas eu já não tinha resolvido essa questão? —, assuntos que retornam sob uma nova luz, pessoas que retornam ao nosso convívio... é esse novelo de fios se desenrolando aos poucos, sendo visto de novas perspectivas.
No mais, o que dizer de uma edição sendo escrita bem no pós-eclipse? Tamo cansado, né? Com a cabeça em zero condições de pensar em previsões agora, sigo observando as movimentações a partir do que escrevi sobre o mapa da Lua Cheia. O clima coletivo é de peças do tabuleiro se mexendo, muita notícia e especulação sobre filiações partidárias, alianças políticas, etc. O ano de 2022 se aproxima (embora o astrológico só se encerre em março), mas a sensação é de que ainda estamos no escuro, tateando o caminho que começa a se abrir à frente.
notas astrológicas
Zumbi, Medusa e confluências simbólicas
Escrevo essa análise no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, uma data de reflexão e conscientização sobre a negritude no Brasil — tanto em termos históricos, dando visibilidade ao impacto da escravização no processo de constituição do nosso país, tanto em termos atuais, no reconhecimento das profundas desigualdades sociais que persistem até hoje. Não é possível falar de misoginia, LGBTfobia, violência e pobreza no Brasil sem tratar, sobretudo, de racismo. Somos um país fruto de um projeto de nação profundamente racista, desde sua concepção.
Nos meus estudos sobre a história do Brasil na perspectiva da astrologia mundana, volta e meio me deparo com alguns eventos e fatos simbólicos dignos de nota. Como forma de contribuir para as reflexões sociais do ponto de vista astrológico, decidi compartilhar uma breve análise o dia 20 de novembro de 1695, quando o líder quilombola Zumbi foi executado — data que, 300 anos depois, seria oficialmente instituída como Dia da Consciência Negra, em âmbito nacional.
A Guerra dos Palmares foi um conjunto de campanhas militares que culminou na destruição do quilombo. Com a queda da capital palmarina em 1694, Zumbi conseguiu fugir e vive durante cerca de um ano e meio embrenhado no mato. Em 1695, seu esconderijo é descoberto por causa da denúncia de um de seus companheiros, capturado e torturado pelos militares portugueses. Numa emboscada, Zumbi é morto pelas tropas com requintes de brutalidade, tendo sua cabeça decepada e, posteriormente, exposta em praça pública no Recife.
Embora não seja possível saber a cronologia exata dos fatos dessa data, uma coisa é certa: no dia 20 de novembro de 1695, a data da execução de Zumbi, a Lua já quase Cheia percorria os últimos graus do signo de Touro. Exatamente no dia da morte de Zumbi, a Lua fazia uma conjunção à estrela Algol, da constelação de Perseu. A estrela da Medusa — que, talvez numa adaptação simbólica localizada, poderíamos rebatizá-la como a estrela do Zumbi?
Os mais rígidos em relação ao conhecimento astrológico talvez vejam essa sugestão como uma aberração. Por outro lado, como já escrevi em diversas ocasiões, a astrologia não é grega. Astrologia é uma forma de conhecimento que se desenvolveu em diferentes regiões do mundo; a astrologia ocidental tem origens mesopotâmicas (atual Iraque), com grande parte de seus primeiros fundamentos vindos do Egito. O período helenístico na Grécia e o medieval no Oriente Médio refinaram o sistema astrológico e desenvolveram inúmeras técnicas. A astrologia está longe de ser um monopólio branco, embora hoje seja uma prática bastante embranquecida e elitizada. E quando vamos falar de símbolos, bem... Vênus é um planeta que carrega uma série de simbolismos e significados. Para os sumérios na Mesopotâmia, Vênus era Inana; para os gregos, Afrodite. Diferentes povos atribuem nomes e qualidades mais específicas aos símbolos que leem no céu. Para além das especificidades culturais, há algo que se mantém: o significado simbólico daquele trânsito. Em diferentes astrologias pelo mundo, os trânsitos do planeta Marte, com seu brilho intenso e avermelhado, sempre estiveram associados à eventos bélicos e explosivos, nunca a assuntos de paz e calmaria.
O fato de Zumbi ter sido executado num dia em que a Lua cruzava a estrela da cabeça da Medusa já é bastante significativo, mas as confluências simbólicas entre eles não param por aí. Há inúmeros mitos e versões de relatos literários sobre Medusa; na versão que ficou mais conhecida, a de Ovídio, ela foi violentada por Posêidon no templo de Atena, mas essa é apenas uma de suas histórias; nos relatos de Pausânias, por exemplo, Medusa é uma "selvagem" que, após uma grande guerra, refugia-se às margens do lago Tritonis, uma terra distante. Em várias versões, Medusa é uma personagem que vai morar em locais afastados do centro do poder e da sociedade pela qual é perseguida.
"Cada quilombo tem sua história, mas Palmares — a maior comunidade de escravos fugidos e possivelmente a que sobreviveu por mais tempo na América portuguesa — ainda hoje parece resumir, para a imaginação brasileira, a notável tradição de resistência e rebeldia do quilombo guerreiro. [...] Boa parte dos primeiros habitantes de Palmares veio da África, mais precisamente dos atuais Estados de Angola e do Congo, e, embora durante seu período de maior crescimento a confederação quilombola tenha formado uma sociedade multiétnica, foi essa população originária que chamou o refúgio de Angola Janga — a "pequena Angola". Angola Janga como que reinventava uma nação da África no Brasil, revelava que seus habitantes se reconheciam estrangeiros aqui e confirmava que Palmares, tal como um pequeno Estado africano, abrigou uma vida comunitária politicamente organizada: administração pública, leis próprias, forma de governo, estrutura militar, e princípios religiosos e culturais que fundamentavam e fortaleciam a identidade coletiva. [...] A confederação quilombola manteve intensa relação de comércio com vilas e arraiais vizinhos; ao mesmo tempo, estimulou fugas em massa de escravos, promoveu um sem-número de assaltos aos engenhos, fazendas e povoações, e resistiu por um século às incursões militares enviadas para destruí-la." — trechos de "Brasil: uma biografia", de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, 2015. (grifos meus em negrito)
Algol é uma estrela difícil, que muitas vezes descreve situações e contextos permeados por perseguição, punição e injustiça, tal como a execução de Zumbi. Curiosamente, é uma estrela de natureza tanto de Saturno quanto de Júpiter — ou seja, para além do isolamento como forma de resistência aos perigos do mundo, é uma estrela que também trata da ideia de proteção. Assim como Medusa, cuja imagem tornou-se um amuleto de proteção para afugentar os mal-intencionados e, em sua mitologia, libertou e salvou outros personagens de destinos cruéis, Zumbi tornou-se símbolo de luta negra no Brasil, sendo sua morte recontada e rememorada todos os anos. Como também escrevem Schwarcz e Starling,
"Palmares serviria de exemplo para os dois lados. Na época, as autoridades coloniais o tomaram como um modelo para a repressão sem dó nem piedade; era isso que acontecia com aqueles que negavam a lei. Mas Palmares também se converteu em símbolo de uma luta negra por inclusão social e em referência para uma interpretação do Brasil que não legava aos escravos apenas o papel de vítimas passivas. Eram vítimas porque não tinham escolhido viajar para cá e trabalhar na cana. Mas foram agentes, uma vez que não se acomodaram ao regime de privações a eles imposto." (grifos meus)
Algol também é uma estrela que trata dos perigos da omissão, do grito não dado, do nó na garganta. É uma estrela que marca a história da resistência negra no nosso país, e que sinaliza a ameaça do silenciamento dessas vozes — pela falta de escuta, pelo apagamento de suas memórias ancestrais, pelo esquecimento de suas histórias e saberes, pela violência que atinge esses corpos. O que desejo para nós, coletivamente, é que encontremos nossos deveres e responsabilidades nesse processo, já que o Dia da Consciência Negra é um só, mas o antirracismo é luta para todos os dias. E que seja possível, cada vez mais, ouvir pessoas negras narrando suas experiências, e que sejam relatos plurais e diversos também em suas temáticas, particularidades e interesses, e não só as histórias das dores e torturas causadas pela branquitude colonizadora e escravocrata.
céu da semana – 21 a 27 de novembro
Vem aí uma semana pós-Lua Cheia que nos dá algum respiro em relação às últimas que tivemos, embora não pareça indicar calmaria. É uma semana que dá uma certa levantada com o ingresso do Sol em Sagitário e trígonos de fogo entre ele, a Lua em Leão e o Mercúrio em Sagitário, o que garante um tanto de energia e movimentações relevantes ainda antes do Quarto Minguante.
No domingo a Lua em Gêmeos completa o trígono com Júpiter em Aquário início da tarde, dando ênfase às comunicações, ideias e pensamentos. Um dia leve esperançoso, pra espairecer. Favorece as trocas e diálogos nas relações até para os assuntos mais difíceis, conversas mais densas, resoluções de questões. O Sol ingressa em Sagitário antes da meia-noite e a gente resgata um certo brilho no olhar.
Segunda-feira traz a Lua ingressando em Câncer no início de madrugada, e só. Lua de volta ao conforto de seu lar. Uma segunda meio reativa, mais silenciosa, digerindo as experiências. A aplicação da oposição com Vênus tem sempre um quê de corpo mole, da vontade de um afago material, o que dê um conforto imediato. Atenção às compras e gastos excessivos, característicos desse trânsito.
Na terça de manhã a Lua em Câncer conclui oposição à Vênus em Capricórnio e trígono à Marte em Escorpião. Muita movimentação silenciosa, coisas por baixo dos panos, fora da vista. Atenção redobrada à transações comerciais e às finanças, golpes, etc. Um clima meio caótico e ainda de reatividade, mas de atividade e circulação, sem marasmo.
Quarta tem Mercúrio ingressando em Sagitário início da tarde, seguido da Lua entrando em Leão, ambos fazendo um trígono pouco depois. Sol faz trígono à Lua em Leão no fim da tarde. Uma quarta-feira que reaquece os ânimos, recobra o entusiasmo, dá o gás. Questões de justiça reaparecendo, dia importante no ambiente político.
Na quinta-feira a Lua completa oposição à Saturno em Aquário no início da manhã, um aspecto que se repete toda lunação, mas que nesse contexto parece acender questões jurídicas, de justiça, ética, regulação, palavras de ordem. Conflitos de poder, polarização. Dia de pressão, que ninguém quer ceder território, o que traz um certo desgaste e mau humor.
Sexta temos a Lua em Leão encontrando a quadratura com Marte no começo da madrugada e uma oposição com Júpiter no início da tarde, trazendo mais pressão, cisões e desavenças nas esferas de poder e autoridades. O clima é de teimosia, disputa e com uma certa agressividade. Dificuldade de negociação. Vale considerar aqui a possibilidade de imprevistos e problemas inesperados atrapalhando o desenrolar do dia. Pouco antes da meia-noite, a Lua ingressa em Virgem.
Sábado, enfim, temos a quadratura de Lua em Virgem com Mercúrio em Sagitário no início da manhã e o Quarto Minguante (quadratura Lua-Sol) pouco depois. Um encerramento de semana meio afobado e desafiador em termos de intelecto, como se tivesse uma ânsia de entender as coisas e pouca capacidade de concentração e interpretação precisa dos fatos. Os valores e ideais são postos em pauta. Apesar da confusão, tem também um quê de bom humor, de alívio cômico.
pra desopilar se informar
Renomeei brevemente essa editoria porque hoje trago indicações de conteúdos de informação e não só de desopilar a cabeça, mas garanto a vocês que é só coisa finíssima e maravilhosa de se conhecer:
Ouçam o episódio dessa semana do Angu de Grilo, tratando do Dia da Consciência Negra e outros assuntos de interesse público dos últimos dias. O Angu de Grilo é um dos meus podcasts preferidos, feito pela Flávia Oliveira e Isabela Reis, mãe e filha, jornalistas e cariocas. Quem ainda não conhece, tá perdendo tempo!
Outra escuta que eu preciso recomendar é da Taís Araújo e Lázaro Ramos no Mano a Mano, um dos melhores do impecável podcast comandado pelo Mano Brown, que além de ícone do rap nacional, tem se mostrado um tremendo entrevistador.
O livro "Não basta não ser racista: Sejamos antirracistas", de Robin Diangelo, uma leitura imperdível para pessoas brancas interessadas na luta antirracista. A autora é uma mulher branca estadunidense que situa bem o seu próprio local de fala e convoca a branquitude à uma reflexão honesta sobre seus privilégios, trazendo conceitos fundamentais de serem absorvidos por nós, como a ideia de "fragilidade branca" (que inclusive nomeia a versão original do livro em inglês). Leitura acessível, generosa, didática e fundamental. (obs: esse livro tá numa super promoção na Amazon)
E por último, diquinha rápida de internet: o conteúdo especial que o Nexo Jornal produziu sobre o Dia da Consciência Negra tá super bonito e variado, pra todos os interesses, sempre atravessados pela temática racial, e com acesso disponível também aos não-assinantes. Aproveitem!
O boletim "Meio do Céu" é gratuito, mas você pode assinar a mensalidade de R$7 em apoio ao meu trabalho.
Apoiadores recebem uma edição mensal extra da newsletter ao fim do mês com conteúdos exclusivos – análises de mapas e eventos, textos sobre teoria astrológica, estudos experimentais... nesse conteúdo especial, recebo diretamente as sugestões de vocês e vale tudo o que a gente quiser observar e descobrir em termos de astrologia.
Use os botões abaixo para fazer o apoio via PayPal ou PicPay.
Posso assinar a mensalidade fazendo um pix mensal de R$7?
Sim! Para manter a assinatura de apoiador, basta fazer um pix mensal usando a chave isisdaou@gmail.com. No campo de mensagem do pix, informe o e-mail cadastrado aqui, assim consigo manter o controle dos apoiadores ativos a cada mês.
Lembrando também que neste mês de novembro apoiadores da newsletter têm 25% de desconto na compra do Lunário 2022, pagando apenas R$45 na unidade (frete incluso pra todo o Brasil). Tá valendo ainda mais se tornar apoiador esse mês! Para se tornar apoiador basta pagar o valor mensal do apoio que é R$7 (o apoio pode ser pontual, por pix, ou de renovação automática, via PicPay). Para obter o desconto no momento da compra basta usar o cupom APOIADOR25.
Um abraço e até semana que vem,