Depois de sustentar o acúmulo, remexer o lodo e lidar com o emaranhado de fios da memória, escrevo a última parte deste nosso percurso simbólico pela Lunação de Escorpião, que trata de eliminar o veneno. Como escrevi lá atrás, Escorpião é um signo muito associado à ideia de regeneração, o que me parece um contrassenso por se tratar de um signo do elemento água e de qualidade fixa, incorporando muito mais a ideia de sustentação e manutenção do que de mudança. Seguindo a ordem zodiacal, porém, após Escorpião vem Sagitário, e a meu ver esse sim é o signo de transformação — Sagitário é o signo do fogo mutável, aquele fogo "velho" do fim de uma fogueira que atravessou acesa uma noite inteira e, já no seu fim, ainda ardendo, revela a maior parte da lenha transformada em cinzas. A transição de Escorpião para Sagitário é como os primeiros raios de sol cortando o fim de uma madrugada insone em alerta: uma chama de esperança e de renovação, porque não dá pra ficar em vigília e tensão pra sempre. Mas até lá, vamos com calma, porque o Sol já entrou em Sagitário, mas a lunação ainda é do Escorpião.
Ontem entramos no Quarto Minguante, e nos próximos dias a Lua irá lentamente diminuir no céu, até ficar totalmente apagada, trazendo a Lua Nova no próximo sábado. Como já escrevi num post há muito tempo atrás, minguar parece o que há de mais inconveniente dentro de um ciclo: a renovação de uma Lua Nova é sempre um lampejo de esperança e novas possibilidades; a Lua Crescente é a roda em movimento, a confiança que vem com a promessa de resultados; o transbordamento da Lua Cheia é a vontade de saborear com o corpo cada sensação que existe lá fora, olhar tudo que está escancarado no mundo. Sobra pra Lua Minguante o murchar dessa narrativa: a ressaca depois da farra, o silêncio depois da briga, as percepções após um encontro, a reflexão que sucede uma longa caminhada. Minguar é assimilar. Que espaço há no mundo hoje pra isso sem sentir culpa, ansiedade ou pressão?
Não sugiro que assimilar significa entender as coisas. Já pensamos e racionalizamos bastante. Como essa colagem sugere, a assimilação das experiências pode se dar numa dança ou num choro que correm livres, na abertura de espaços para se despejar. Nesse contexto da lunação, talvez valha refletir sobre os venenos entranhados na nossa vida — vícios, alimentação, hábitos, práticas, posturas e até pessoas — e como eles a afetam. Refletir também sobre os venenos que vêm nos servindo de armadura e até a possível necessidade de sua manutenção, já que algum nível de defesa é sempre necessário no mundo em que a gente vive. Espero que essa lunação, enfim, tenha trazido alguma experiência válida a respeito dos embates — tanto os que temos com as outras pessoas, quanto os que moram dentro da gente.
No mais, vamos num giro dos fatos públicos dessa semana?
Notícias imediatas de um pós-eclipse lunar em Touro em que danos ao gado foram sinalizados: o "Touro de Ouro" da B3 foi retirado, a canção "Admirável Gado Novo" caiu como questão no Enem e infelizmente tivemos um caso de 600 búfalos abandonados à morte no interior de São Paulo, considerado por ONGs como a mais grave situação de maus-tratos animais já ocorrida no Brasil.
Também citei em relação ao eclipse os temas de comércio e Algol representando a propagação de uma situação problemática que precisa ser enfrentada, o que me remete à situação alarmante do garimpo ilegal no Rio Madeira e, claro, à mais uma chacina cometida pela Polícia Militar do Rio de Janeiro no Salgueiro, justamente no fim de semana do dia da Consciência Negra.
E em relação às questões políticas e de justiça, bem... os efeitos visíveis desse eclipse ainda vão longe por vários meses, e essa semana tivemos a notícia de que a procuradoria do Tribunal Penal Internacional em Haia confirmou que irá receber os líderes da CPI para apresentar o relatório com os resultados das investigações. Coisa pra sonhar lá na frente.
Por fim, a notícia da nova variante ômicron também inundou o noticiário, mas esses assuntos de saúde e pandemia ficam pra próxima edição.
céu da semana
29 de novembro a 5 de dezembro
Semana de fase minguante, mas com muitos movimentos no céu, alguns deles até bem relevantes. Os próximos dias são os últimos respiros da Lunação de Escorpião, que prometeu muito, mas definitivamente (ainda) não trouxe o abalo que eu esperava, a julgar pela análise de vários mapas. Vamos ver se essa semana algo de mais relevante sai.
Hoje é domingo e temos a Lua em Virgem completando trígono à Vênus em Capricórnio, um aspecto bem chateado entre elas, já que ambas estão em signos desconfortáveis à outra. Sociável? Pode até ser, mas numa pegada de sarcasmo e baixas expectativas, algo como um prazer conformado. Lua também faz sêxtil à Marte em Escorpião, novamente podendo trazer imprevistos indesejáveis ao dia.
Segunda traz a conjunção exata de Mercúrio com Sol em Sagitário, com um Mercúrio combustíssimo (porém não considero cazimi, veja o porquê na editoria abaixo), invisibilizado pelos raios solares. A Lua ingressa em Libra no começo da manhã e percorre o sêxtil com o Sol o dia todo, completando o aspecto no começo da noite. Lua faz sêxtil também com Mercúrio e trígono à Saturno em Aquário. Ou seja, uma segundona começando agitada, corres mil. Mercúrio tá muito mal das pernas e me parece indicar dificuldades e contratempos nas esferas de poder e de autoridades. Para nós, vale atenção redobrada nas questões de trabalho — cheque os equipamentos, salve os arquivos mais vezes e evite qualquer lançamento ou negócio profissional importante aqui, especialmente no que envolve transporte e comunicações; a verdade é que a semana como um todo pra ganho de visibilidade pública e impacto é fraca, mas a gente lida como dá, dentro da nossa realidade.
Terça-feira temos Mercúrio alcançando o sêxtil com Saturno em Aquário no fim da madrugada e a Lua em Libra buscando o dia todo a quadratura com Vênus em Capricórnio, o que acontece no fim da tarde. À noite ainda tem o sêxtil de Sol com Saturno. Me parece um dia de estresse no ambiente político, movimentações por baixo dos panos, mídia atenta. Justiça e autoridade em foco. Pressão para tomada de decisões, o que gera bastante desconforto. No mais, um dia que pega no tranco, viabiliza a condução dos assuntos, ainda que com dificuldades.
Na quarta a Lua em Libra completa trígono com Júpiter em Aquário no começo da madrugada e, pela manhã, ingressa em Escorpião, fazendo quadratura com Saturno ainda no fim da noite. Dia mau humorado que só, arrastado, tenso, esquisito, com um ar de autossabotagem e paranóias. Paciência pra nós.
Quinta-feira traz o sêxtil Lua-Vênus, que se completa à noite, e a conjunção da Lua com Marte em Escorpião — esse dia deve rolar algum rolo sério a nível público sobre investigações, questões sobre prisões, etc. O lado preocupante da conjunção Lua-Marte é que ela também parece falar de danos menos visíveis, destruição e perdas, sabe? Então vale manter alguma atenção até em termos de cuidados com o corpo, sem paranoia, mas atenção. O sêxtil com a Vênus ajuda em termos coletivos, planejamento, trato com as pessoas, etc.
Sexta temos quadratura Lua-Júpiter pela madrugada, Lua entrando em Sagitário pela manhã e completando sêxtil com Saturno à noite. A entrada dessa Lua em Sagitário traz um certo alívio de tensões e preocupações, um tom mais esperançoso — ainda que a Lua esteja minguantíssima, a gente só no fiapo de vitalidade desse fim de ciclo.
No sábado, enfim, temos única e exclusivamente a chegada da Lua Nova, pela madrugada, e a união de Lua e Mercúrio em Sagitário. Essa é uma Lua Nova que também é um eclipse solar total anular, porém visível em maior parte apenas da Antártida, mas também do extremo sul da América do Sul e sul da África e da Austrália. Um novo ciclo se abre. Previsões para o período vêm na edição do domingo que vem!
notas astrológicas
combustão e cazimi: interações solares
Hoje eu trago uma explicação mais técnica e definitiva para quem se interessa em aprender sobre as posições planetárias em relação ao Sol. Se você acompanha conteúdo sobre astrologia tradicional há algum tempo, já deve ter se deparado com o termo combustão: chamamos um planeta de combusto quando ele está próximo demais do Sol. A analogia aqui é fácil: a maior parte dos animais e plantas precisa da luminosidade solar para viver, mas todo mundo sabe o que acontece quando a gente fica debaixo de um sol de verão a pino, totalmente desprotegido: insolação, queimaduras na pele, etc. Na astrologia, analisando o posicionamento dos planetas no céu, a lógica é parecida: aspectar o Sol é bom, mas estar coladinho nele, nem tanto. Um planeta combusto fica debilitado, tendo sua capacidade de conduzir os assuntos bastante prejudicada.
Nesse esquema que eu desenhei acima, fica mais fácil de visualizar a amplitude dos raios solares nesse tipo de avaliação astrológica. No desenho, Mercúrio está combusto por estar situado próximo demais do Sol, a menos de 8 graus de distância dele. Já Vênus, mais à direita, está mais distante, fora da zona de combustão, mas ainda sob os raios solares — que é quando o planeta está a mais de 8 graus de distância do Sol, mas menos de 15.
Maravilha, e o tal do cazimi, o que seria? Antes de explicar isso, vou falar sobre latitude e longitude, que é importante para entendermos como e porquê o cazimi ocorre (ou não).
Na astrologia, a longitude trata da posição zodiacal de um planeta na eclíptica. Eclíptica, pra quem não sabe, é essa faixa imaginária em torno da Terra dividida em 12 partes iguais, chamadas de signos do Zodíaco. A eclíptica corresponde ao movimento aparente do Sol, do ponto de vista terrestre.
A longitude então seria a posição em graus de um planeta em torno da eclíptica. Quando vemos, por exemplo, uma posição planetária dessa forma, com o Mercúrio a 3 e o Sol a 4 de de Sagitário, o que estamos vendo é a posição longitudinal, ao longo da faixa da eclíptica:
No geral, na prática astrológica, a posição latitudinal não é tão importante — quando falamos de ingressos de planetas nos signos, é sempre da posição longitudinal que estamos falando. A questão é que, para a condição específica de um planeta em cazimi, a posição latitudinal faz toda a diferença. Percebam no esquema abaixo:
Cazimi é quando um planeta está no coração do Sol: ele está conjunto exatamente no mesmo grau e minuto de grau, até 15' de distância. Esses números não são corriqueiros: a distância máxima permitida para o cazimi é de 15' porque o disco solar tem tamanho aparente de 32' visto aqui da Terra; para um planeta estar "no coração" do Sol, ele não pode estar além dessa distância, ou ele já estará fora do disco solar. Quando o cazimi ocorre com Mercúrio ou Vênus, inclusive, é possível ver um ponto escuro contra o disco solar (com auxílio de aparelho ou proteção à vista, claro, ninguém olha pro Sol à toa):
O astrólogo Ibn Ezra (século 12) definia que um planeta em cazimi seria como alguém que senta no trono do próprio rei, uma condição de excelente poder para o planeta; seria até uma espécie de "oásis" no meio de tanta combustão solar, já que sair dos raios do sol é um movimento que pode levar vários dias.
O recorte abaixo mostra o momento exato em que Mercúrio e Sol estarão conjuntos por grau e minuto de grau, na madrugada do dia 29:
Por que, então, eu não considero que Mercúrio estará combustíssimo nessa semana, e não cazimi? Por causa da posição latitudinal em que Mercúrio vai estar. Voltando ao nosso esquema, veja que a longitude é a reta horizontal e a latitude a reta vertical que cruza o Sol: vocês concordam que, para um planeta estar dentro do disco solar, é necessário que ele esteja alinhado tanto horizontalmente quanto verticalmente?
Na ilustração acima, o "planeta combusto" que está fora do disco solar, está alinhado ao Sol em longitude — ou seja, em termos de posição por signo, ele estaria no mesmo grau que o Sol e a menos de 15' de grau de distância do centro do Sol. Porém, em termos de latitude, ele está a mais de 15' de distância "acima" do Sol, numa latitude mais alta. Isso faz com que ele não esteja, de fato, em cazimi. É isso que acontecerá na madrugada de segunda-feira: Mercúrio estará alinhadinho com o Sol em grau e minuto de grau, mas estará numa latitude mais abaixo, desencontrado com ele nessa direção. Na prática, é apenas um Mercúrio combusto.
Seguindo esses critérios, o cazimi acaba sendo uma condição planetária extremamente rara, que ocorre a cada alguns anos. Vale dizer, no entanto, que essa é uma das grands polêmicas da astrologia tradicional — há autores, astrólogos e escolas inteiras que seguem apenas o critério da longitude para que ocorra o cazimi, enquanto há quem considere as duas direções espaciais para que ele ocorra. Agora vocês sabem que eu sigo a segunda abordagem, e essa foi a explicação do porquê. Enfim, é um assunto ligeiramente complexo, mas espero que tenham entendido :)
Apoiadores maravilhosos da newsletter, um recado:
A edição extra exclusiva desse mês sai entre segunda e terça-feira e vai trazer o caso de uma pessoa que sobreviveu à queda de um avião. O caso é inacreditável e os mapas são impressionantes. Fiquem ligades na caixa de entrada!
Um abraço e até semana que vem,