"Abandonamos o corpo em nome de racionalidade e linguagem, símbolos e signos. O cérebro organizou uma realidade de imagem e pensamento, ao venerar a vida invisível da consciência. Nós existimos numa Terra Devastada, onde as imagens vampirizam a vitalidade do soma, onde o pensamento está enamorado pelo próprio reflexo. Estamos vagando no deserto, sedentos e ressecados, porque as águas profundas do soma não estão mais ao nosso alcance. Vivemos na Terra Devastada, onde os nossos corpos existem apenas para os propósitos da mente. [...] Nosso corpo é um processo. Sua estrutura tem um modo de pensar, de sentir, de perceber e de organizar suas experiências, um modo inato de formas as suas respostas. Sendo criaturas corporificadas, poderíamos dizer que o nosso corpo é o nosso destino. Você pode se revoltar contra o seu destino ou tentar compreendê-lo e vivê-lo de forma significativa. E pode, inclusive, influir sobre ele. "
O trecho acima é parte do "Mito e Corpo: Uma conversa com Joseph Campbell" do Stanley Keleman, uma leitura que me interessou bastante (apesar de certa preguiça que tenho com a abordagem excessivamente eurocentrada e masculina do Campbell sobre função mítica e jornada do herói). Lembrei dele ao olhar o mapa do Ingresso Solar em Capricórnio, que traz uma Lua em Câncer na em oposição à Vênus retrógrada em Capricórnio: a existência corporificada, isto é, ocupar o próprio corpo com presença e consciência provavelmente é um desafio maior e mais comum do que imaginamos. Nos acostumamos ao mundo das imagens, à performance das palavras, à inquietação da mente como forma de lidar com as restrições e limitações de movimento imposta por um ano e meio de pandemia. A alienação do próprio corpo pode se dar por uma série de razões, inclusive por privação e sofrimento — na realidade de um país em que 55% das famílias estão em insegurança alimentar* e que pouco ainda se sabe sobre o impacto de uma pandemia global e um governo genocida sobre a saúde mental da população, talvez seja até um mecanismo de sobrevivência.
O Ingresso Solar em Capricórnio do próximo dia 21 marca o solstício de verão aqui no hemisfério sul. Chegamos ao último trimestre do ano astrológico de 2021, que vai até 19 de março. No momento exato em que o Sol ingressar no signo de Capricórnio, a Lua estará cheia de luz, domiciliada em Câncer, dentro da casa 4: o convite é para a reocupação do corpo, nosso lar primordial. Retorne à sua casa, reivindique território ocupado por tanta virtualidade intrusa. Em caso de dúvida, consulte-o sobre o que fazer, pois além de memória, o corpo tem inteligência própria; às vezes, ele próprio é nosso oráculo mais preciso.
ingresso solar em capricórnio
E nos aproximamos, enfim, do último ingresso solar do ano astrológico de 2021 (o ano do calendário vira em 1 de janeiro, mas o astrológico só no dia 20 de março). Quem quiser lembrar a análise do Ingresso Solar em Libra que ocorreu em setembro e delineou os acontecimentos dos últimos 3 meses, é só clicar aqui — inclusive recomendo, já que é sempre interessante reler as previsões depois que elas ocorreram.
A entrada do Sol em Capricórnio ocorre na décima casa do mapa, iluminando os assuntos do poder; o governante é novamente representado por um Saturno em Aquário estável na casa 11: como escrevi aqui outras vezes, os meses do inverno e primavera seriam, respectivamente, os de maior pressão popular e crise interna no governo. A posição de Saturno livre de aspectos tensos nesse mapa repete a do mapa anual principal (do Ingresso Solar em Áries), indicando estabilidade e segurança para o governo. Não vejo possibilidades de reviravoltas ou grandes ameaças nesse âmbito — com esse ingresso, a saída democrática parece mesmo ser um assunto para o ano que vem. Apesar de tudo, não deixa de ser revoltante ter assistido ao caos político ao longo desse ano e encerrarmos assim, com uma posição tão confortável para o Poder Executivo, retomando a relativa segurança.
O estado geral do país é simbolizado pelo ascendente em Áries; temos pressa e vontade de quê? De justiça, já que Marte em Sagitário está na casa 9. Vamos ver alguma justiça efetiva até março? Acho muito difícil, já que esse é um planeta cadente, sem grande força de ação e com aspectos fracos. Dada a ênfase de mapas nas casas dos 3 poderes, ainda prestaremos muita atenção nas esferas e dinâmicas de poder, embora eu não veja aqui tanto alvoroço ou rupturas significativas.
Em termos de pandemia, a situação me parece relativamente estável aqui no Brasil, apesar da nova variante. A retrogradação de Vênus me parece coincidir com o endurecimento de restrições relativas à deslocamentos e viagens nos países estrangeiros; já a retrogradação de Mercúrio, em meados de janeiro, pode trazer atrasos ou faltas no processo de vacinação; embora não enxergue nesse mapa um agravamento do cenário geral, não há indicativo também de melhora súbita ou rápida. Já vivemos tempos piores, mas há uma certa estabilidade de como estamos agora. Em termos de mortes, por outro lado, felizmente tende à diminuição.
O povo é representado pela Lua em Câncer em oposição à Vênus em Capricórnio, ressaltando as faltas que endurecem o corpo. Escassear a sobrevivência do povo não é destino, é projeto político. Quando o corpo não recebe o mínimo para se sustentar, o que se faz? Barulho, presença, lembrança de que se está vivo, apesar de tanta precariedade? A oposição da Lua com Vênus deve trazer atenção internacional sobre a precariedade dos direitos e acessos dos povos nativos, além dos assuntos de pobreza e alimentação do país como um todo.
Essa também é uma Lua conjunta à estrela Procyon, da constelação do Cão Menor: alguma dúvida de que o brasileiro durante o verão não vai parar quieto? Procyon é uma estrela de energia e entusiasmo que podem ser até excessivos, ocasionando em ações impulsivas e meio afobadas. Pressa de vida, de satisfazer os desejos. Além das recomendações óbvias de uma situação de pandemia que ainda não se resolveu, o perigo é de almejar o que está longe demais, fora de alcance, ou querer além do que se dá conta. Se é tempo de deixar a virtualidade para retomar o corpo-casa, estaremos preenchidos de nostalgia, desejo de conexão e sensibilidade. Façam bom uso, com moderação.
céu da semana – 12 a 18 de dezembro
Semana de Lua crescendo no céu, desenrolando a narrativa da lunação. Poucos aspectos desafiadores entre planetas. Mercúrio deixa seu exílio e se junta à Vênus no signo de Capricórnio e Marte enfim deixa Escorpião para entrar em Sagitário, aliviando as duras quadraturas com Saturno e Júpiter das últimas seis semanas. Vênus estaciona e se prepara para retrogradar. Ouvi esses dias que o mês de dezembro é uma grande sexta-feira — a gente cumprindo agenda e pensando no momento de se livrar de algumas obrigações —, e acho que resume bem o pique dessa primeira parte da lunação.
Domingo, 12 de dezembro | dia do Sol
Hoje é domingo, Lua está em Áries completa o sêxtil com Saturno em Aquário no início da tarde. Esse é um aspecto recorrente e com pouca relevância mas que "refreia" um pouco o ânimo dessa Lua, embora persista na impulsividade e na impaciência. Descanso, casa, família.
Segunda-feira, 13 de dezembro | dia da Lua
A semana útil começa com o ingresso de Marte em Sagitário logo no início da manhã: a chegada de Marte nesse signo forma conjunção com o Nodo Sul, que é um ponto de natureza restritiva indicando um prejuízo, algum tipo de diminuição ou corte em assuntos de finanças e alimentação. O Sol em Sagitário completa trígono à Lua em Áries no início da tarde, Mercúrio em Capricórnio pouco depois. Lua finaliza quadratura Vênus à noite e também sêxtil com Júpiter. É o dia mais agitado da semana e traz um pouco de rispidez, pressa e pragmatismo, além de indicar impaciência e atritos no âmbito das relações.
Terça-feira, 14 de dezembro | dia de Marte
A terça traz o ingresso da Lua em Touro no fim da madrugada seguido pouco depois por um trígono entre ela e Mercúrio no início da manhã. É um dia favorável para trâmites burocráticos, lidar com documentos, fazer planejamentos, estudar, escrever, reuniões e conversas produtivas (embora o tom aqui não seja tão emocional, e sim objetivo). Materialização dos assuntos: o que estava muito abstrato tende a ficar mais palpável, concreto, perceptível. À noite, Marte alcança o mesmo grau do Nodo Sul: atente-se aos gastos e à possíveis perdas ou danos financeiros e materiais.
Quarta-feira, 15 de dezembro | dia de Mercúrio
A Lua em Touro encontra quadratura com Saturno no início da madrugada; uma madrugada de sono meio tenso, pesado. O dia é inflexível, de teimosia e resistência. Ruim para questões domésticas e familiares e também para os diálogos, possivelmente com alguns obstáculos, mas nada muito prejudicial.
Quinta-feira, 16 de dezembro | dia de Júpiter
A Lua ainda em Touro completa trígono com Vênus Capricórnio no meio da manhã e quadratura com Júpiter no início da tarde; embora a cordialidade prevaleça, sem conflitos diretos, há o risco de expectativas frustradas por algum imprevisto, alguma reviravolta, o que gera uma certa pressão e dificuldade na tomada de decisões. No fim da tarde a Lua entra em Gêmeos, dando um pouco mais de agilidade, mas também tensão, pois já se aproxima da oposição com Marte em Sagitário, pedindo atenção à agressividade e à vulnerabilidade física (risco maior de cortes, queimaduras, etc).
Sexta-feira, 17 de dezembro | dia de Vênus
A Lua em Gêmeos se afasta da oposição com Marte e encontra trígono com Saturno em Aquário no meio da tarde, favorecendo estudos, trocas, comunicações e resolução de assuntos. A Vênus em Capricórnio estaciona no céu, perdendo velocidade aparente e preparando-se para sua retrogradação que chega na segunda-feira, o que parece trazer uma sexta mais vagarosa, de baixas expectativas e talvez até um quê de decepção nos assuntos de relacionamentos, embora não chegue a causar entraves sérios.
Sábado, 18 de dezembro | dia de Saturno
Nenhum aspecto se completa no sábado. A Lua em Gêmeos enche no céu e se prepara para a oposição com o Sol e o trígono com Júpiter, o que garante um sábado expansivo, otimista, bem-humorado.
notas astrológicas
sobre o ciclo Júpiter-Saturno em Aquário
[Nota: o texto abaixo foi o primeiro de uma série escrita por mim em dezembro do ano passado sobre a conjunção Júpiter-Saturno em Aquário. Decidi adaptar e retomar esses escritos aqui como uma forma de refletir sobre esse ano que se passou desde então, dadas as inúmeras relações simbólicas entre esse marco e o que andamos vivendo.]
Poder: a era da vigilância
Em dezembro de 2020, Júpiter e Saturno se encontraram numa conjunção exata no signo de Aquário. Esse não é um encontro corriqueiro: Júpiter e Saturno são planetas considerados marcadores do ciclos, e o encontro dos dois sinalizam mudanças políticas, econômicas e sociais de grande importância, a nível global. A conjunção que iremos vivenciar no fim deste ano é especialmente relevante porque marca também a entrada definitiva no ciclo do ar: estamos deixando para trás um ciclo de terra, iniciado no início do século 19, período que (não por acaso) corresponde ao princípio do capitalismo industrial. O que o ciclo de ar nos traz? Um novo paradigma mundial, com certeza. Mudança alguma desse porte cai do céu do dia para a noite, naturalmente, e os pontos que levanto aqui são fruto tanto da observação astrológica quanto de uma análise objetiva dos eventos que vem se desdobrando mundialmente nas últimas décadas.
O encontro de Júpiter e Saturno acontecerá no grau 0 de Aquário, onde está alinhada uma estrela chamada Altair, da constelação de Aquila (“águia”). A águia é um animal mitológico tradicionalmente associado ao planeta Júpiter, um símbolo de vitória e autoridade; como ave de grande porte que sobrevoa a grandes alturas, sua capacidade de visão alcança enormes distâncias – o que também tem a ver com vigilância. Altair é uma estrela que expressa domínio, capacidade de influência e visão apurada.
Nesse novo ciclo que adentramos, a ideia de poder terá cada vez mais a ver com a capacidade de observação e controle indireto. O poder disseminado tem relação direta com o signo de Aquário, regido por Saturno, o planeta que depõe o poder centralizado (simbolizado pelo Sol): as hierarquias clássicas decaem, a figura de um único líder que reúne o poder sobre muitos se enfraquece.
Aquário também é signo fixo do ar, esse elemento que é uma constante invisível que, ao mesmo passo que oxigena o sangue do nosso corpo, também o oxida e o envelhece, pouco a pouco. O poder disseminado vem através de ideologias e causas sociais, que tendem a se definir e organizar cada vez mais de forma coletiva e distribuída, não simbolizadas por um único rosto ou nome. A capacidade de harmonia, coerência, coesão e estruturação coletiva torna-se indispensável; o poder sustentado por um líder excepcionalmente carismático está fadado à decadência.
A era da vigilância será naturalmente marcada pela observação exacerbada – entre corporações e indivíduos, governos e grupos sociais, e até entre pessoas comuns. Não há um vigia de cima para baixo: todos os elementos se ocupam dessa função, embora, é claro, não compartilhem dos mesmos recursos e objetivos. O poder disseminado é munido de um arsenal de dados e informações sobre tudo e todos, e a linha tênue entre a segurança e a vigilância de fato é evidenciada. Nesse cenário, as ideias de disciplina e ordem naturalmente se fortalecem, o que traz consequências positivas em muitos âmbitos, preocupantes em outros – embora eu, pessoalmente, considere a ascensão do ultraconservadorismo e neofascismo fenômenos da decadência do fim de ciclo atual, e não indicadores de tendências desse novo período. Se a vigilância coletiva cresce, aumenta também a busca e o exercício das liberdades coletivas (como manda a lei hermética da polaridade). Podemos sim esperar melhoria e garantia dos direitos humanos básicos, num cenário geral – e forte repreensão externa quando notada a falta ou violação destes.
Resgatar o direito à privacidade se torna um interesse comum, a longo prazo. Naturalmente a resposta comportamental à um novo paradigma de controle e vigilância indiretos correspondem à um movimento protetivo da vida íntima – as fronteiras entre a vida pública e a pessoal tendem a se definir cada vez mais; assegurar a própria privacidade deve se tornar regra, não exceção. Mas falaremos mais sobre outros aspectos culturais na continuação dessa série sobre a Grande Conjunção.
Um abraço e até semana que vem,