Escrevi de forma tão calorosa sobre o Carnaval na última edição que a sua essência realmente se fez presente para mim nos últimos, da forma que foi possível. A suspensão da realidade e a inversão da ordem que essa festa provoca são temas muito pertinentes à Lunação de Peixes que adentramos no último dia 2. No meio de uma realidade marcada por guerra, bolsonarismo e desigualdade por toda parte, pode ser difícil observar a sutileza desses significados, mas eles estão aí: com quatro planetas ocupando signos de Saturno, vivemos finalmente num ciclo lunar regido por um Júpiter em Peixes; talvez não se trate de tecer ilusões para mascarar a realidade, mas sim exercer a perspectiva da amplitude frente à uma realidade ainda tão estreita e comprimida.
"[Sobre o período pós-Primeira Guerra Mundial:] Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência ética pelos governantes. Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo humano."
— Walter Benjamin em “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov” (grifos meus)
Numa esfera subjetiva, é sabido que o efeito da imposição de controle e ordem que vivemos durante todo o tempo pandêmico só será compreendido nos próximos anos. Todos nós, imersos nessa realidade de preocupação e restrição, enrijecemos um pouco também. E quando falo sobre o que há de potente nessa Lunação de Peixes, me refiro exatamente à possibilidade de reconexão com o mundo e seu entorno de uma forma mais ampla, sensível e desprendida de amarras firmes da racionalidade. Essa não é uma tarefa simples, já que vivemos numa sociedade em que a técnica e a razão são tão hegemônicos que qualquer vivência que vá de encontro à essa lógica é descredibilizada ou questionada em sua utilidade.
No primeiro dia dessa lunação, vivi um debate interno que exprime bem o que quero dizer com isso; se tratava de um dilema ético: seguir racionalmente um planejamento já feito, cumprindo o compromisso de manter a ordem e cronograma previstos, ou seguir sensivelmente um desejo manifesto, concreto, pulsante e exposto bem na minha frente. A escolha racional costuma ser o porto seguro de muitas pessoas, inclusive o meu; por algum milagre (jupiteriano, decerto), consegui atender à vontade afetiva, no sentido de ser afetada mesmo: seguir com o que sensivelmente me chamava, e que também era a escolha mais acertada aos meus valores pessoais. Com isso, não estou defendendo que se jogue pro alto suas responsabilidades e compromissos, mas que se abra espaço para a flexibilidade e negociação em seus dias. Para alguns, isso é mais natural do que para outros, mas o fato é que, no terceiro ano de uma pandemia sem data pra acabar, estamos muito, muito enrijecidos numa realidade murcha e estagnada.
Tenho pensado sobre esse ciclo de Peixes sob a perspectiva da necessidade coletiva de descompressão, dentro do cabível nessa realidade de absurdos. Hoje, domingo, Vênus e Marte finalmente deixaram o signo de Capricórnio para adentrar o território de Aquário, um signo também saturnino, mas do elemento ar e qualidade fixa, fortemente associado às ideologias — mais um indicativo do esforço que deve ser empregado para não cedermos à estreiteza ou extremismo de pensamento.
Ao mesmo tempo, nos próximos dias Mercúrio já ingressa em Peixes, juntando-se à Júpiter; apesar de astrologicamente qualificarmos Peixes como um signo de pouquíssima afinidade com Mercúrio, talvez esteja aí o bálsamo que precisamos para navegar numa realidade que impõe a lógica dos extremos: o Mercúrio em Peixes compreende o mundo lendo pelas entrelinhas, não pelas palavras; compreendendo o sentido maior, não os detalhes; se conectando com o que lhe afeta, não com o que já está consolidado. É um aprender-sendo, aprender pela vivência compartilhada, aprender pelo que afeta. Com isso, talvez seja possível resgatar uma dimensão da experiência que reanime a vida pelo que ela também é, para além da banalidade racional, violenta e rotineira.
"O sucesso de grande parte de nossas ações cotidianas, que exigem respostas rápidas a estímulos contínuos, depende de que não nos deixemos tomar pelos devaneios, pela fantasias, por reminiscências espontâneas. Essas formas 'dilatadas' da atividade psíquica distraem os sujeitos das exigências impostas pelo presente absoluto."
— Maria Rita Kehl, O tempo e o cão (grifos meus)
Em termos mais práticos e propositivos, considere pensar: quais experiências, hábitos e práticas que você já viveu e ampliaram seu horizonte pessoal? Te ensinaram não intelectualmente, mas corporalmente, coletivamente, espiritualmente? Quais alargaram sua compreensão e conexão com o mundo, fazendo você um pouco mais empático, experiente e admirado pela própria vida? Quais você carrega junto do coração por lhe proporcionarem sensações que o dinheiro não compra? São esses tipos de experiências que se relacionam à casa 9, o local onde ocorre essa lunação. Pode parecer que me refiro à coisas muito distantes ou grandiosas, mas até as atos mais simples e corriqueiros carregam esse potencial; a experiência de cada do que é sublime é subjetiva e individual. Portanto, se me cabe algum conselho, deixo esse: ao longo desse ciclo (e especialmente até a Lua Cheia), tente se reconectar com essas experiências, hábitos e práticas que evocam o sagrado para você — sejam preces, danças, rituais, encontros, peregrinações ou blocos de carnaval.
céu da semana
6 a 12 de março de 2022
Vem aí uma semana cheia de eventos no céu: temos três planetas mudando de signo, muitos aspectos se completando, a Lua crescendo no céu e o Sol se afastando de Júpiter. Hoje, aliás, 6 de março, o Sol finalmente ultrapassa Júpiter, afastando-se da conjunção (concluída ontem, sábado) e aos poucos criando distância com o grande benéfico. Júpiter está combusto desde o dia 22 de fevereiro e só se afastará suficientemente dos raios solares em 16 de março, portanto, ainda vivemos uma semana com o grande benéfico invisibilizado pelo Sol — com a diferença que, agora, esse dano começa a se desfazer aos poucos; nos próximos dias, portanto, começamos lentamente também a retomar alguma calma, sorte e confiança.
Vênus e Marte chegam em Aquário praticamente ao mesmo tempo, e pouco depois já se encontram em mais uma conjunção, que deve movimentar e dar direcionamentos mais incisivos sobre as questões de controle e segurança nas eleições gerais (incluindo as questões das fake news e o gabinete do ódio). Durante esse trânsito, que segue até abril, devem haver novas intervenções e discursos falaciosos do governo em relação à esse assunto.
Já a entrada de Mercúrio em Peixes se dá nas últimas horas da quarta-feira, 9 de março, o dia da semana regido por ele próprio; o Mercúrio em Peixes é quem irá nos conduzir para atravessar o ano novo astrológico, já que ele fica nesse signo até o dia 27 de março. Por enquanto, podemos esperar dele reconfigurações e novos burburinhos no âmbito da justiça envolvendo mídia e comunicação — um bloqueio temporário ou uma ordem judicial direcionada ao aplicativo Telegram por exemplo, caberiam bem nesse cenário. Com Mercúrio em Peixes, o telefone sem fio nas relações externas piora — o que já não é novidade, já que as falas de Bolsonaro não condizem com o posicionamento do Brasil junto à ONU. Por fim, esse breve trânsito de Mercúrio por Peixes infelizmente também pode indicar acidentes com embarcações e tráfego marítimo e fluvial, afundamentos e etc, especialmente no âmbito internacional.
Como de costume, recomendo reler a edição com a intepretação geral sobre essa primeira metade da lunação, já que é na semana da Lua Crescente que os principais tema desse ciclo começam a despontar.
Domingo, 6 de março | dia do Sol
Hoje é domingo e Vênus e Marte ingressaram em Aquário no meio da madrugada, se encontrando em mais uma conjunção pouco depois. No comecinho da manhã a Lua entrou em Touro e já completou também a quadratura com Marte e Vênus em sequência. Alguém acordou mais cedo com algum incômodo ou angústia? Bem possível. Hoje o dia flui com dificuldade para o relaxamento, carregando algumas preocupações ou a cabeça cheia, com pensamentos repetidos, que paralisam a ação. Evite grandes decisões. Apesar de um estranhamento ou frieza inicial, relações familiares e de amizade se favorecem.
Segunda-feira, 7 de março | dia da Lua
Lua em Touro alcança o sêxtil com Júpiter em Peixes e com o Sol no início da tarde. No fim da tarde, completa também uma quadratura com Saturno em Aquário. Apesar de algum mau humor, é uma segunda que começa com certa disposição e otimismo para dar conta de tarefas. Bom para estudos aprofundados, planejamento, atividades práticas e boa avaliação das coisas, apesar não tão objetivo e racional assim. Atritos ou pouca paciência nas relações.
Terça-feira, 8 de março | dia de Marte
A Lua ainda em Touro quadra Mercúrio em Aquário no fim da manhã. No meio da tarde ela ingressa no signo de Gêmeos, alcançando os trígonos com Marte e Vênus à noite. A manhã é confusa e inflexível, mas do meio da tarde até à noite, as atividades fluem bem e é possível dar cabo de tarefas mais práticas e objetivas. Dia agitado de ideias, pensamentos e informações
Quarta-feira, 9 de março | dia de Mercúrio
A quarta não traz nenhum fechamento de aspecto, embora a Lua em Gêmeos se aproxime da quadratura com Júpiter em Peixes por todo o dia: entre sentir e saber, há um mundo de possibilidades; deixe espaço para flexibilidade e mudança de planos. Atenção ao próprio corpo, evitando exageros. O mau aspecto entre Lua e Júpiter sempre traz o risco de erro de avaliação. Busque saídas menos óbvias aos problemas do dia, evitando decidir as coisas de forma muito permanente. Mercúrio ingressa em Peixes no fim da noite e não encontra a Lua: de quarta para quinta, os sonhos podem trazer imagens inusitadas e inesperadas.
Quinta-feira, 10 de março | dia de Júpiter
Pouco depois da meia-noite a Lua já completa a quadratura com Júpiter; no início da manhã, ela alcança a quadratura com o Sol, formando o Quarto Crescente, e imediatamente depois, também o trígono com Saturno em Aquário. Manhã agitada, decerto. Os assuntos do dia se voltam à justiça e aos países estrangeiros, podendo tocar também em questões econômicas e alimentares. Dia pragmático, objetivo e intelectual, bom para conversas e relações dessa natureza.
Sexta-feira, 11 de março | dia de Vênus
No fim da madrugada a Lua ingressa em Câncer, encontrando um trígono com Mercúrio em Peixes no meio da manhã: sinto, logo sei (e sonho). Dia muito sensível, perceptivo, com alta capacidade de analisar a subjetividade e os meandros das coisas. Favorável para assuntos religiosos, espirituais, de ética ou justiça, temas que inclusive devem ser pauta do dia e do sábado também.
Sábado, 12 de março | dia de Saturno
O sábado segue num clima bem parecido com a sexta, só que com a Lua encontrando o trígono com Júpiter no começo da tarde. Questões turvas ou pouco definidas do dia anterior são solucionadas ou apaziguadas aqui. Dia de fé, de confiança, de certa esperança e companheirisimo.
notas astrológicas
uma introdução sobre a metáfora náutica
Hoje vou introduzir aqui um assunto que é um dos meus favoritos dentro da astrologia natal: a metáfora náutica como apontadora do destino e propósito pessoal da vida de uma pessoa. Como é um tema complexo, vou começar a conversa nessa edição, e complementar na próxima.
A metáfora náutica é um paradigma antigo, dos tempos da astrologia helenística. As referências originais à ele foram resgatadas, traduzidas e trabalhadas principalmente pelos autores contemporâneos Robert Schmidt e Dorian Greenbaum, que escreveram ótimos materiais a respeito. Ao mesmo tempo em que é uma metáfora utilizada por vários autores daquela época, seu funcionamento e técnicas exatas ainda é uma espécie de quebra-cabeças com muitas divergências e contradições entre fontes, sendo necessário ao astrólogo optar por uma abordagem que lhe pareça mais coerente dentro desse tema.
Essa é uma metáfora que faz o paralelo da vida de uma pessoa com uma embarcação em alto mar. Se entendemos que a astrologia tradicional parte do princípio de que cada ser vivo carrega um destino — expresso por meio do mapa astrológico de nascimento —, é fácil compreender a lógica: assim como um barco que navega em alto mar tem um destino ao qual se direciona, nossas vidas também têm uma direção e um propósito a ser cumprido.
Ainda dentro da metáfora, há uma descrição complexa de todos os fatores que envolvem a navegação: a embarcação em si seria a própria vida da pessoa, que pode estar melhor ou pior equipada em termos de recursos e tripulação; os ventos, as correntes marítimas podem ajudar ou auxiliar nessa jornada em diferentes níveis e, de forma geral, inúmeras forças externas à própria embarcação podem impactar na forma com o que ela consegue navegar rumo ao seu destino.
Há alguns métodos para investigação desse tema em mapas natais, o que nos proporciona a compreensão a natureza da embarcação, do destino e das condições que ela se encontra — isto é, nos possibilita vislumbrar e interpretar sentidos do destino e do propósito da vida da pessoa (que, pasmem, na maioria das vezes não tem exatamente a ver com nossos gostos, facilidades ou aspirações profissionais).
Ao mesmo tempo em que esse é um assunto fascinante, também pode ser um pouco abstrato (e delicado, claro) determinar qual o propósito de uma vida, no momento em que o observamos no mapa de alguém; afinal de contas, o que é uma viagem bem sucedida? O que é uma vida vivida honrada em seu propósito? Diferentemente das previsões de eventos concretos, não existem parâmetros objetivos para essa avaliação, o que não é um problema; mesmo que não caiba ao astrólogo ordenar o sentido da vida de alguém, uma leitura que considere esse paradigma no mapa natal pode auxiliar e muito uma pessoa a compreender sua existência no mundo — especialmente porque, sendo representado simbolicamente, o propósito é algo que pode se desdobrar e se concretizar de inúmeras formas. Nós temos escolha e decisão para conduzir essa viagem de forma compromissada ou caótica, retilínea ou desordenada, aceitando ou resistindo contra a maré, bem como de compreender o sentido menos tortuoso que se apresenta nessa jornada. Conhecer esse destino, mais do que uma limitação, nos oferece uma direção a ser cumprida para fruição da própria vida.
Na próxima edição, seguiremos esmiuçando um pouco mais esse tema para chegar à embarcação em si: falaremos do signo do Ascendente, que dentro da metáfora náutica, é o timão ou a roda do leme da embarcação.
Um abraço e até semana que vem,