Para que falar também dos braços de mar ou das agitações marinhas? Seus fluxos e refluxos são governados pelo movimento da Lua. Seiscentos exemplos dessa mesma natureza podem ser citados para que se veja a relação natural de coisas distantes.
— Cícero, De divinatione II
Em algumas das dezenas de edições já publicadas dessa newsletter, escrevi sobre os vários significados da Lua na astrologia: mais do que simplesmente as “nossas emoções”, a Lua é significadora do corpo, da matéria e da nossa inteligência anímica, instintiva ou não-racional (mais sobre isso lá na edição #4). Do ponto de vista mundano, a associação do movimento da Lua com as marés e os corpos d'água vem de longa data, como descrito por Cícero no trecho acima, ainda no século I AEC.
O noticiário dessa semana foi tomado de horrores, vários deles antecipados pelos simbolismos do eclipse lunar do dia 16. Em termos sociais e políticos, a Lua é significadora do povo, das pessoas comuns — em contraste ao Sol, que representa líderes e figuras de autoridade. É por isso que eclipses lunares costumam indicar problemas danosos mais diretamente à população. Naquela edição da véspera do eclipse, escrevi sobre violência envolvendo especialmente mulheres e/ou crianças (notícias correlatas: 1 / 2 / 3 / 4), e subsequente reivindicação por justiça; a respeito do simbolismo de Algol, ativada pelo Sol na casa 3 no mapa do eclipse, mencionei inclusive um “estrangulamento” ou “compressão” ligados às vias urbanas e à polícia rodoviária (essa notícia). Haja estômago para tanta brutalidade.
Hoje volto a falar sobre a Lua, só que pela perspectiva da memória e do deslocamento — fazendo uma necessária pausa para uma introdução mais leve, já que vivemos tempos de barbárie. Começo então resgatando um texto escrito há 1 ano atrás, ainda numa pandemia muito de reclusa, anterior à ampla vacinação:
Nesse último domingo, durante um fim de semana em que a Lua transitava por Câncer, andei uns 10 quilômetros. Fazia semanas que não via a cidade – por trabalhar sozinha e dentro de casa desde 2019, não tive grandes razões para sair de casa desde o início da pandemia. São em alguns lapsos assim, pontuais, que me lembro que ir pegar sol e ver alguma paisagem é importante. Ver pessoas à distância já é bastante, mas sinto uma ânsia ainda maior pelo olhar que projeta longe, que procura um horizonte. Vivendo meses dentro de casa, as paredes são como anteparos da visão, delimitando os espaços; as janelas são recortes do mundo lá fora em que o olhar alcança alguns ângulos, pedaços de céu, muitas folhas das árvores que ficam em frente à minha fachada e pessoas que transitam. Mas a perspectiva é limitada. Então saí pra caminhar pelas ruas pouco movimentadas e fazer os trajetos que ninguém dá muita importância, só pelo interesse de ver o mundo em perspectiva.
No fim do dia em casa, fui dormir pensando que a memória deve se criar a partir de alguma perspectiva. E a perspectiva pressupõe algum tipo de distância: geográfica, temporal, emocional, talvez. É preciso um certo deslocamento para produzir a memória. Circunscritos nessas poucas dezenas de metros quadrados entre as paredes, isso não existe. Não é à toa que a memória anda tão bagunçada desde que a pandemia aconteceu nas nossas vidas. Existem as memórias pré-isolamento, ricas em descrição e sensações; tudo o que veio depois, no passado mais recente, parece um emaranhado pouco definido de sensações difusas. Uma geleia amorfa e pouco substancial. Penso na complexidade do que vivi em janeiro de 2020, quando passei 45 dias na Bahia e andei uns 200 quilômetros subindo montanha, pulando pedra, entrando em caverna e atolando os pés no mangue – um tanto de memória condensada que já parece ser coisa de anos atrás. Mas não escrevo para lamentar a dificuldade do isolamento; não estou bem, mas estou longe de estar mal. Escrevo para situar esse espaço-tempo em que me acostumei a viver, e sinto que preciso de registros para a posteridade. Estive aqui, permaneci aqui, fiz muitas coisas e pensei outras tantas, mas lembro de quase nada.
É preciso um certo deslocamento para produzir a memória — desde que elaborei esse pensamento, me pego lembrando dele de vez em quando. Como nada na astrologia é por acaso, vale levantar aqui um pouco de teoria astrológica e as correlações simbólicas com essa minha constatação.
A Lua tem por maior afinidade a casa 3, local que trata das ruas, deslocamentos, rotinas e pequenas viagens. É uma casa de circulação, de movimento, de expressão e articulação. Então, se a memória — tema de natureza lunar — é produzida pelo deslocamento e pelo ganho de perspectiva, e se a própria Lua se “jubila” nessa casa que fala de movimento, isso significa que a Lua se fortalece quando em movimento.
Nas análises técnicas astrológicas, isso é evidente: nada no céu (ou no universo!) está parado, tudo se move o tempo todo. Os planetas, contudo, são considerados em debilidade, simbolicamente enfraquecidos, quando estão numa velocidade abaixo da sua média. A própria Lua também têm suas variações ao longo da eclíptica, mas percorre uma média de 13º por dia. E não por acaso, o Sol também jubila na casa 9, casa oposta à 3 (o júbilo da Lua) e de natureza relativamente próxima, porém mais grandiosa ou “elevada”: se a 3 trata de fluxo de informações, a 9 trata de sabedoria e conhecimentos profundos; enquanto a 3 trata de viagens e deslocamentos corriqueiros, a 9 trata de grandes jornadas e aventuras.
Nomeei essa edição de “contra toda paralisia” e, exatamente por isso, estou falando tanto de movimento: na astrologia, Sol e Lua são os luminares, astros indicadores de vitalidade; e se eles têm afinidade com casas cujos temas envolvem movimento e deslocamentos, isso reflete o fato de que, para manter ou ganhar vitalidade, é preciso se mexer. Não paralisar. Romper com o enrijecimento e a estagnação. Tudo o que é feito pra se mover e fica parado tempo demais dá algum problema: da bicicleta largada no canto de garagem ao nosso próprio corpo, inerte e traumatizado nos tempos de bolsonarismo.
Por isso, penso que é importante sublinhar esse sentido: o medo e a perturbação constantes podem nos fazer buscar refúgio, isolar-nos do mundo ou minar a vontade de se mover. Sem o devido cuidado, a estagnação pode se impôr como uma ordem ou um falso conforto ou necessidade. Vitalidade se cultiva em movimento: o Sol está em Gêmeos, e o contato com as multiplicidades que coexistem no mundo é uma forma de se conectar ao todo, e se perceber pertencente.
Por fim, aproveito esse enredo para uma recomendação literária: Meu ano de descanso e relaxamento foi uma das únicas ficções que consegui ler esse ano, por conta do mestrado. O livro conta a história de uma (irritante) protagonista que está deprimida e decide passar um ano inteiro dormindo a maior parte possível do tempo. Está longe de uma leitura leve, é claro, mas é bem-humorado e, ironicamente, ao terminá-lo, consegui deixar uma boa dose de torpor e apatia de lado.
(Ei, Todavia, qualquer coisa tô aqui, e saibam que eu amo livros, tá?)
lunação de gêmeos
30 de maio a 27 de junho de 2022
No início da manhã da segunda-feira, 30 de maio, a Lua em Gêmeos encontrará o Sol numa conjunção perfeita, marcando a Fase Nova: começa, aí, a Lunação de Gêmeos. Retomando, para quem tá chegando agora: uma “lunação” é mais ou menos o mês astrológico; é a duração de um ciclo completo da Lua atravessando o zodíaco, a partir de sua última conjunção ao Sol. Cada lunação dura aproximadamente 28 dias.
A Lunação de Gêmeos se inicia com o encontro entre os luminares (Sol e Lua) se dando próximo à uma estrela fixa chamada Aldebaran, da constelação de Touro. Curiosamente, escrevi sobre essa estrela na edição exclusiva para apoiadores de abril, sobre o Will Smith, pois ela está bem presente no mapa natal dele. Copio abaixo o trecho mais relevante:
[Aldebaran] é uma estrela bastante observada e relevante para várias culturas antigas, considerada uma das 4 estrelas reais da Pérsia. Seus significados não são óbvios: por ser uma estrela de natureza marcial, ela confere coragem, iniciativa, honra e ferocidade, mas também uma tendência à revolta, risco de violência e de uma certa inveja alheia. Ela está associada à eloquência, popularidade, ganho de poder e honras públicas — entretanto, tais benefícios também carregam uma grande responsabilidade e compromisso com a própria integridade, isto é, a firmeza de caráter e princípios deve ser uma constante. Não é raro que nativos com Aldebaran no ascendente encarem “dilemas morais” fundamentais nas suas trajetórias, e a manutenção da própria integridade, agindo de acordo com o que se acredita, é vital; daí venha, talvez, a fama de que Aldebaran também poder indicar perdas: quando a integridade é ferida, muito do que se conquistou pode ser facilmente perdido.
Em termos gerais, essa Lunação de Gêmeos revela um ciclo bastante inflamado e crítico, por uma série de testemunhos: além dos luminares unidos à Aldebaran, estrela bélica de natureza marcial, o mapa da Lua Nova traz Júpiter e Marte em Áries ocupando a casa do Poder Executivo. Essa é uma combinação planetária explosiva: Júpiter está ocupando um signo de Marte, conjunto à ele próprio; todo o potencial ofensivo marcial ganha amplitude e alcance, quando aliado à Júpiter. Por Marte tratar de revoltas e conflitos, sua união à Júpiter pode levar esses temas às instituições jupiterais: embates de natureza ética, religiosa ou legal, por exemplo. Ações decisivas (e decisórias) sobre questões que envolvem ideais, justiça ou a própria constituição ganham protagonismo. Como escrevi na penúltima edição, não vejo risco “astrológico” de um golpe efetivo no mapa anual para o Brasil — contudo, as ameaças vêm sendo sentidas, com faísca e cheiro de pólvora no ar. A Lunação de Gêmeos, mais do que qualquer outra, carrega essas marcas e receios.
Na mesma toada, o ímpeto de ação (Marte) fortemente motivado por ideais (Júpiter) pode concretizar-se tanto em atitudes de “justiça pelas próprias mãos”, quanto por clamor por justiça, ecoando a previsão feita sobre os efeitos do último eclipse. De toda forma, como estamos falando de Áries, tais embates e manifestações de justiça não se dão no campo teórico e intelectual, mas em ações bem práticas.
Não é “só” pela conjunção de Marte-Júpiter que essa lunação acende como um período de crise, porém; a Lua, regente da casa 1 desse mapa, deflagra a situação do país durante esse mês, e as notícias não são boas: ela se afasta de um sêxtil com Marte em Áries e se aproxima de um trígono com Saturno. Sitiada entre aspectos com os maléficos, e considerando o simbolismo de Aldebaran descrito acima, penso que esse será um período crítico acerca das escolhas que temos à mão; um período que poderá dimensionar, de forma mais evidente, uma chamada à responsabilidade e às tomada de decisões com integridade.
Mercúrio, que dispõe os luminares em Gêmeos, não está bem melhor: ele aparece conjuntíssimo à estrela Algol, formando quadratura com Saturno em Aquário, tensionando negociações internacionais, trâmites comerciais, importações e acordos com outros países; como está retrógrado, é bem provável que certas deliberações recentemente feitas sejam revistas ou reconsideradas. Numa segunda instância, somando esse testemunho aos luminares na 12, pode-se esperar também algum escasseamento ou privação no âmbito financeiro, ou de abastecimento de produtos e alimentos.
Para além dos endossos golpistas do governo, esse também é um período de atenção a novos movimentos que devem despontar na esfera do poder, já que Marte e Júpiter em Áries alavancam o pioneirismo e iniciativa. Penso que o cenário em que essa mudança de clima deve ser bem perceptível é o do Poder Legislativo; a conjunção Marte-Júpiter ocorre na casa 11 do mapa anual para o Brasil, podendo “inflamar as disputas entre figuras de poder e também dar início a votações importantes no Congresso Nacional” (trecho escrito na edição de previsões anuais). Como Marte não vem indicando boas novas no contexto brasileiro atual, tais votações podem vir acompanhadas de cortes e rompimentos. Revoltas e mobilizações envolvendo setores das polícias ou de outros servidores públicos também podem ocorrer, reiterando outras previsões do eclipse.
O que mais dizer sobre um mapa tão alvoroçado desses? Minhas esperanças permanecem na confiança astrológica de que não teremos golpe algum, e de que alguma medida de justiça poderá ser posta em prática durante esse ciclo. De resto, é nos prepararmos para mais um período bastante agitado, embora talvez menos denso e catatônico como a Lunação de Touro foi — lembremos, afinal, que Gêmeos é ar mutável, o ar que circula para refrescar e trazer novidade. Reiterando o título da edição, contra toda a paralisia: que o Sol em Gêmeos em diálogo com Júpiter em Áries nesse mapa também possa providenciar a abertura de caminhos para o fortalecimento do diálogo e da defesa por dignidade. Estamos precisando, e não podemos admitir mais retrocesso.
Quem me acompanha lá no Instagram deve saber que comecei a propor oficinas mensais de prática de astrologia mundana: sob a luz dos mapas e previsões de cada lunação, estudamos e discutimos sobre os pontos de interesse, aplicando e aprendendo técnicas de análise e interpretação. A próxima oficina será no sábado que vem, 4 de junho, e esmiuçará o mapa da Lua Nova acima, junto ao mapa da Lua Cheia em Sagitário. As inscrições são pelo alfaserpente@gmail.com. Outros detalhes informações você encontra no post abaixo:
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