“Sabemos onde está o futuro. Está na nossa frente. Certo? Está diante de nós — um grande futuro está diante de nós — avançamos confiantes para ele, a cada início, a cada ano eleitoral. E sabemos onde está o passado. Atrás de nós, certo? Então, temos que nos virar para ver, e isso interrompe nosso progresso no futuro, então não gostamos muito de fazer isso.
Pelo que parece, os povos de língua quéchua dos Andes vêem tudo isso de maneira bastante diferente. Eles imaginam que, porque o passado é o que você conhece, você pode vê-lo — está na sua frente, debaixo do seu nariz. Este é um modo de percepção ao invés de ação, de consciência ao invés de progresso. E como eles são tão lógicos quanto nós, eles dizem que o futuro está atrás — atrás de suas costas, por cima do seu ombro. O futuro é o que você não pode ver, a menos que você se vire e dê uma olhada. E então, às vezes, você deseja não ter feito isso, porque vislumbrou o que está se aproximando de você por trás…. assim, à medida que arrastamos os povos andinos para nosso mundo de progresso, poluição, novelas e satélites, eles estão retrocedendo – olhando por cima dos ombros para descobrir para onde estão indo.
Acho isso uma atitude inteligente e apropriada. Pelo menos nos lembra que nossa conversa sobre “avançar para o futuro” é uma metáfora, um pedaço de pensamento mítico tomado literalmente, talvez até um blefe, baseado em nosso medo machista de ser inativos, receptivos, abertos, tranquilos, quietos. Nossos relógios inquietos nos fazem pensar que fazemos o tempo, que o controlamos. Ligamos o timer e fazemos o tempo acontecer. Mas, na verdade, o futuro vem, ou existe, quer nos apressemos para encontrá-lo em jatos supersônicos com ogivas nucleares, quer nos sentemos em um pico e observemos as lhamas pastarem. A manhã virá, você definindo o alarme ou não.”
— Ursula K. Le Guin, Science fiction and the future [tradução e grifos meus]
O trecho acima é parte da imperdível coleção de ensaios, palestras e resenhas chamada Dancing at the edge of the world. Thoughts on words, women, places, publicada em 1989. Por ocasião de um ciclo de leituras, comecei a última semana lendo esse fragmento e, não por acaso, associei à presente Lunação de Gêmeos, iniciada no último dia 30 (previsões aqui). Vivemos uma lunação marcada pela casa 12, um local associado à restrições, isolamentos, encarceramento e falta de controle; como minha professora Letícia bem explicou certa vez, é a casa que fica logo antes do ascendente, logo atrás, como se o que ocorresse ali estivesse fora da nossa vista — daí, não por acaso, também é uma casa de movimentos esquivos, perigos e inimigos ocultos. Uma casa cujos eventos nos pegam de surpresa, onde é preciso tatear com cuidado para compreender o que se passa.
Escorregando entre os dedos foi a imagem que me veio à cabeça: um ciclo em que se inicia com a Lua em Gêmeos como regente do mapa na casa 12, num signo de ar, se afastando de Marte em Áries e se aplicando à Saturno em Aquário na casa 8. Algo que se busca, tateando, mas não se acha. Fica o vazio sentido. Também pode ser a frustração sob alguma perda, e a sensação de estar à deriva que se precede a partir daí. “O desânimo de não ver saída. A desconfiança incessante. O sentimento de estar em meio a uma conspiração. […] O sentimento de vulnerabilidade: estar acamada, internada, entregue, invisível para o mundo que segue existindo lá fora.”
Bom, pensar em vazio, em falta e em perda não é bem novidade no contexto coletivo brasileiro: a considerar os últimos 3 anos e meio, a nossa realidade tem mesmo sido de desmonte, desmantelamento, destruição, escasseamento. Um Saturno de casa 8 (que já está retrógrado agora, mas iniciou a lunação estacionário) enxerga a Lua em Gêmeos como para relembrar dessas carências e privações: o que perdemos até aqui? Tanta coisa. O quanto, coletivamente, ganhamos consciência a respeito? A sensação que fica é a de que foi bem pouco. Como escrevi na última edição, carrego a convicção de que este não deve ser um ciclo de paralisia e esmorecimento, e que inclusive a característica mais prolífica do signo de Gêmeos — a capacidade de diálogo, articulação e conectividade — é fundamental para não que a sensação de insulamento e desilusão não prevaleça.
Cabe ainda o complemento de que Mercúrio não está mais retrógrado, mas que caminhará próximo à estrela fixa Algol por mais alguns dias, ativando depois outra estrela fixa, Alcyone. Escrevi sobre a palavra como libertação na penúltima edição, e acho que vale reler o texto pensando em formas de arrematar essa retrogradação horrorosa — até o fim do mês, enfim, Mercúrio estará ágil e sagaz em Gêmeos, signo com o qual possui plena afinidade.
Como costuma ocorrer depois das oficinas que faço sobre as lunações, tenho alguns complementos sobre as previsões coletivas desse ciclo, mas vou deixá-las para a edição da próxima semana, que será sobre a Lua Cheia. Por ora, fiquemos com a reflexão sobre a frustração, a solitude e valor da fala e do pensamento. E para encerrar, mais um trecho do mesmo texto da Ursula K. Le Guin, citado acima:
“Quando olhamos para o que não podemos ver, o que vemos são as coisas dentro de nossas cabeças. Nossos pensamentos e nossos sonhos, os bons e os ruins. E me parece que, quando a ficção científica está realmente fazendo seu trabalho, é exatamente com isso que está lidando. Não com “o futuro”. É quando confundimos nossos sonhos e ideias com o mundo do não-sonho que estamos em apuros, quando pensamos que o futuro é um lugar que possuímos. Então sucumbimos ao pensamento ilusório e ao escapismo, e nossa ficção científica fica megalomaníaca e pensa que em vez de ser ficção, é previsão […].
Como escritora de ficção científica, eu pessoalmente prefiro ficar parada por longos períodos, como os quéchua, e olhar para o que está, de fato, diante de mim: a terra; meus semelhantes nela; e as estrelas.”
Uns dois dias depois de ler esse trecho, escrevi espontaneamente a mensagem abaixo numa conversa pessoal:
Ainda não vou falar sobre sonhos e ideais, que isso é tema pra próxima lunação, mas enquanto habitamos esse território vago e impeditivo de uma lunação de casa 12, basta reconhecer que o tempo é de reconhecer fracassos e desacertos, se preservar, observar de longe as movimentações, trocar ideia com quem se confia, se distrair com uma boa ficção — sem pressa, que Mercúrio ainda anda devagar, e a lunação é dele. No mais, é vacina, cuidados e paciência pra nós.
céu da semana
5 a 11 de junho de 2022
Essa é uma semana sem aspectos muito “grandiosos”, e muitas oposições da Lua com outros planetas, o que reforça o clima geral de frustração descrito ali em cima, já que em todos esses aspectos, os outros planetas estarão com mais poder sob a Lua. Vida que segue, nada muito grave, mas fica melhor segurar expectativas e antever uma ou outra decepção. De resto, nada de novo sob o céu (literalmente).
Hoje é domingo e a Lua em Leão procura o dia todo a oposição com Saturno em Aquário e quadratura com Mercúrio em Touro: sorte que é domingo, porque os aspectos dificultam bastante as questões de compras, vendas, burocracias e finanças no geral. Atenção aos golpes e fraudes. Gaste com cautela. Um certo mau humor, e cansaço.
Segunda tem o ingresso da Lua em Virgem no meio da madrugada buscando o trígono com a Vênus em Touro, mas que se completa só na madrugada seguinte. Uma segunda relativamente assertivo, favorável para organizações, planejamento, escrita, etc. Nada que exija demais do social ou de imaginação, aqui o clima é bem pragmático, ainda que não tão ágil quanto se esperaria.
No início da madrugada de terça-feira temos o trígono Lua-Vênus se completando. No fim da manhã a Lua alcança quadratura com o Sol em Gêmeos, marcando o Quarto Crescente. A Lua em Virgem passa o dia em antíscia (conjunção oculta) com Marte em Áries, regente das terças-feiras, o que dá um certo gás de ação e disposição, encaminhamentos, etc. Foque no micro, sem delírios de grandeza ou exageros.
A quarta-feira traz o trígono entre Lua em Virgem e Mercúrio em Touro no início da manhã, um aspecto sólido, harmonioso e de benefício mútuo: Lua está num signo mercurial, Mercúrio estará num signo de exaltação lunar. Traduzindo: de alguma forma inesperada ou inusitada, algum assunto envolvendo organização, mobilização de planos ou lida com recursos dá certo, é bem sucedido ou encaminhado favoravelmente. Provavelmente é o melhor aspecto da semana: ainda que não seja maravilhoso, pode indicar um bom seguimento; lembrando que o mais provável é que trate de algum assunto ou questão em aberto que ficou em suspenso e sob risco por um longo período, não uma situação totalmente nova. Ainda na quarta a Lua ingressa em Libra, formando oposição com Júpiter em Áries durante a tarde, a qual se completa na mesma noite.
Quinta temos oposição Lua em Libra-Marte em Áries se completando pela manhã, o que significa uma noite anterior (de quarta pra quinta) meio agitada ou de mal-estar físico, desgaste, cansaço, etc. A oposição Lua-Marte frequentemente indica dores de cabeça, o que parece também o caso aqui. Um dia difícil para trabalho e de certa “bateção de cabeça” na parede, dificuldade de agir ou se movimentar, então podendo evitar grandes deslocamentos ou demandas aqui, recomendo. Lua também passa o dia perseguindo trígono com o Sol em Gêmeos, que se completa à noite, mas não ajuda muito pela má recepção de signos: novamente, atenção às fraudes, golpes e transações financeiras, porque há risco aumentado de imprevistos sobre questões materiais ou de sustento.
Sexta temos Lua em Libra completando trígono com Saturno em Aquário logo pela manhã. Uma madrugada de pesadelo, talvez? Há uma um quê de angústia e melancolia braba que se arrastam por essa sexta. No fim da tarde a Lua já ingressa em Escorpião e o clima melancólico “aéreo” fica mais denso, reativo, com as emoções e afetos à flor da pele. Pode indicar um certo escapismo ou busca mais intensa por prazer e diversão, o que se expressa mais fortemente no sábado, cujo único aspecto é a oposição Lua em Escorpião-Vênus em Touro. Tem um clima meio tenso, preocupado ou reativo no ar — difícil de dissipar, e que parece mais paranóia do que risco real. Pode indicar também uma certa divisão ou divergência afetiva, mas a meu ver, prevalece o convite ao relaxamento, a jogar as armas ao chão e espairecer.
Ei, gostaram da edição extra?
Tenho resgatado alguns textos mais antiguinhos que publiquei lá no início da newsletter ou do Instagram, e pretendo republicar alguns deles por aqui repaginados. Essa primeira edição extra foi um desses casos, e trata do assunto da experiência oracular, essa atividade tão corriqueira na vida de astrólogos e cartomantes e tão fora da realidade comum da maioria das pessoas. Se gostou, deixa seu like e/ou comentário lá, meu bem.
Por último, um recado aos apoiadores:
Peguei mais alguma gripe/resfriado/virose/COVID-19 essa semana e, com isso, meus planos de publicar a edição exclusiva de apoiadores na última sexta-feira foram por água abaixo. Estou preparando uma edição bem especial e recheada de referências e exemplos sobre linguagem astrológica, e devo publicá-la no início da próxima semana (terça ou quarta, no mais tardar) — em compensação, como ela está ficando meio longa, decidi dividir o conteúdo em duas partes e vocês terão uma segunda edição extra no meio desse mês, complementando a primeira.
Ah, e queria dar as boas vindas aos novos apoiadores! Muita gente nova chegou aqui no mês de maio, e agradeço demais pela leitura e apoio de vocês. 💖
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