Que a Lunação de Gêmeos seria um ciclo especialmente inflamado e crítico, nós já sabíamos; que ela viria acompanhada de um período de sensação de perda, vazio e falta de controle, também. Nada, porém — nem a experiência acumulada, nem a certeza da repetição — nos prepara para tanta tristeza e desamparo que temos vivido no Brasil. O grande fato dessa lunação é mesmo o desaparecimento e assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira; os dois entram para uma história já extensa de mortes de ativistas e jornalistas ligados à causa ambiental no Brasil.
Todo esse caso me remete ao simbolismo da estrela Alpheratz, da constelação de Andrômeda, citada na última edição da newsletter. Ela conta o mito de uma figura de influência popular e bem-quista que é conduzida a um sacrifício como redenção de uma comunidade. Quantas vidas são perdidas até que o poder público leve alguma luta a sério? No Brasil, esse número é sempre alto demais. Apesar de tudo, após o horror, vêm também a revolta e reação contra a brutalidade e extermínio dessas perdas. “Enquanto eles matam, levantamos mais vozes”, diz filha de Chico Mendes. É verdade, e assim foi também com Marielle.
Na conjuntura atual, é doloroso estar minimamente informado do que acontece. Nomeei essa edição de escapismo e coletividade porque essa também é uma faceta da casa 12, local em que a Lunação de Gêmeos se desenrola até o dia 28 de junho. Escapismo porque, às vezes, é preciso retirar-se do centro, buscar o silêncio, reconhecer o que está ao seu alcance e recuperar alguma calma e concentração para seguir adiante; a coletividade, no entanto, é a instância que não se deve perder de vista quando o luto e a impotência se impõem no cotidiano; se reconhecer parte de um meio, pertencente (ainda que destoante) a uma coletividade, é o caminho para não estagnar ou se paralisar pelo medo e pessimismo. Ainda temos 10 dias dentro dessa lunação tão difícil e, em meio ao estado de perda e luto coletivo acumulados, recomendo sim o silêncio e alguma distração que dê leveza ao peso que se arrasta, mas também a aproximação com quem se compartilha uma visão de mundo pela qual vale a pena seguir lutando.
Revirando textos antigos, encontrei alguns interessantes que vou republicar aqui ao longo das próximas edições na editoria notas astrológicas. O de hoje, seguindo a intenção de trazer uma inspiração positiva, é sobre o Mercúrio natal da incrível escritora brasileira Carolina de Jesus.
céu da semana
19 a 25 de junho de 2022
Semana de Lua minguante, que aos poucos vai diminuindo no céu. A Lua começa a semana em Peixes e vai até Touro. O clima geral é um pouco mais reservado, voltado para necessidades básicas, conforto e alimentação, sem movimentos grandiosos.
Essa semana teremos o ingresso do Sol em Câncer, oficializando o início do inverno no hemisfério sul (apesar de o frio ter chegado bem mais cedo para nós, como as previsões anuais indicaram que seria). O Sol é um dos regentes anuais para o Brasil e vai evidenciar, coletivamente os temas de alimento, preços, combustíveis e economia em geral.
Em termos eletivos, considerando a semana como um todo, vale adiantar as tarefas mais difíceis ou importantes para segunda, terça e quarta: a partir do meio da manhã de quinta o ritmo deve ficar bem mais lento e arrastado, somado à um desenrolar de eventos mais “embarreirado”, já que a Lua estará fora de curso e, depois, seguindo numa quadratura com Saturno.
Hoje é domingo e o único aspecto do dia é a quadratura entre Lua em Peixes e Mercúrio em Gêmeos. Ruim pra comunicação objetiva porque traz um raciocínio meio bagunçado, uma certa confusão lógica. Melhor pra imaginar e fantasiar do que entender pelas vias comuns. Pode ter sido uma madrugada meio agitada, mas ao longo do dia o aspecto já é separativo e se alivia.
Segunda temos sêxtil de Mercúrio em Gêmeos e Júpiter em Áries no fim da madrugada; ao longo do dia, a Lua em Peixes busca sêxtil com Vênus em Touro. O dia segue o clima mais reservado da semana e favorece estudo, concentração, tarefas rotineiras, relações e cuidado no âmbito familiar e de amizades.
O quarto minguante chega logo após a meia-noite da terça-feira, com o ingresso da Lua em Áries pouco depois. O Sol ingressa em Câncer pouco antes de nascer. No início da tarde, a Lua em Áries alcança conjunção com Júpiter. Apesar da fase minguante, o dia traz uma recuperação fôlego, uma injeção de ânimo, uma centelhinha de positividade ou esperança. No meio da tarde a Lua também completa sêxtil com Mercúrio em Gêmeos.
Quarta chega com a aproximação da Lua em Áries com Marte, que se completa no fim da tarde, prolongando o ânimo da véspera, mas é um dia mais ativo, menos mental que o anterior. À noite, Vênus ingressa no signo de Gêmeos, finalmente livrando-se da quadratura pesada com Saturno em Aquário, ganhando leveza e um certo espairecimento das ideias. Lua em Áries completa o sêxtil com Saturno em Aquário no fim da noite.
Na quinta-feira, a Lua ingressa em Touro logo no meio da manhã. A agilidade dá uma interrompida, o clima desacelera. Vontade de conforto, boa comida, cuidado, preguicinha. O Sol em Câncer e Lua em Touro fazem sêxtil no início da tarde e, depois disso, a Lua vaga sem fazer mais aspectos até a manhã de sábado: a tal Lua fora de curso. Evitem novidades, grandes iniciativas, lançamento de projetos, etc, pois o ritmo desacelera e fica mais pesado.
A lentidão e preguiça da tarde/noite de quinta prosseguem pra sexta-feira, quando nenhum aspecto se completará no céu. É um dia meio em suspenso, denso, vagaroso, especialmente no turno da manhã — pela tarde, a Lua já se aproxima do aspecto de quadratura com Saturno, então a tendência é encontrar obstáculos ou impedimentos. Pode se dar folga ou aliviar os compromissos mais sérios e trabalhosos nessa sexta? Caso sim, prefira.
Encerrando a semana temos um sábado com a Lua em Touro completando quadratura com Saturno em Aquário no meio da manhã. Ela segue o dia sustentando esse clima meio resistente e mal-humorado até o início da noite, quando ingressa em Gêmeos, ganhando mais agilidade e leveza.
notas astrológicas
Carolina de Jesus foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil, e uma das mais importantes na nossa história. Nascida em 14 de março de 1914 em Sacramento, Minas Gerais, Carolina estudou por apenas dois anos na escola, onde rapidamente aprendeu aprender a ler, escrever e desenvolver o gosto pelos livros. Quando escreveu Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, o livro que a levaria ao sucesso, Carolina morava na extinta favela do Canindé, zona norte de São Paulo; enquanto trabalhava como catadora de papel, registrava o cotidiano da comunidade em diários, e foi descoberta ao “acaso”, quando um jornalista fazia uma visita à comunidade para produzir uma reportagem.
Carolina nasceu de Mercúrio retrógrado no signo de Peixes, um bom exemplo que ilustra que a retrogradação nem sempre traz prejuízo a um planeta: em seu mapa, esse Mercúrio está se afastando a cerca de 8 graus do Sol, condição que Mercúrio está saindo da combustão, deixando de estar ofuscado pelo Sol. É um Mercúrio que se fortalece por estar buscando a visibilidade no céu. Uma analogia curiosa pensando na vida da própria Carolina que, de forma improvável — devido às circunstâncias sociais — teve conquistas e visibilidade por meio da sua escrita.
Mercúrio em Peixes é um comunicador de subjetividades e atua além das convenções formais; busca contar histórias de uma vida que não cabe em uma visão simplista ou convencional. É um Mercúrio no domicílio de Júpiter, planeta que fala daquilo que nos une, dos ideais e valores afins: não surpreende que sua obra mais célebre se dedique à retratar a realidade da sua própria comunidade; quando ocupam o signo de Peixes, a qualidade de manifestação dos planetas é comunitária, não individual. Peixes, que é o exílio e queda de Mercúrio, reforça o aspecto improvável e ímpar da sua escrita, que se destacou de tudo que se publicava à sua época.
Mercúrio em Peixes no seu mapa também está bem próximo à uma estrela fixa chamada Achernar, da constelação de Eridanus. É uma estrela que conta o mito de Faetonte, filho do deus Sol — um personagem que, apesar de motivações vaidosas, sai em busca da verdade e da conexão com o que é divino. Em mapas natais, é uma estrela que simboliza bons valores morais e uma inclinação filosófica ou religiosa. Vejo que traz também uma qualidade espiritual ou filantrópica ao ofício que o planeta representa — no caso de Carolina, a escrita como um trabalho de elevação da própria vida, testemunho do sucesso que alcançou e ainda alcança. Em seu mapa, Mercúrio só faz aspectos com os planetas desafiadores: uma quadratura com recepção de Saturno em Gêmeos e um trígono com Marte em Câncer (esse último conjunto à Sirius, outra estrela fixa). Mais do que apenas um talento nato, pode-se pensar que a escrita foi também sua ferramenta para lidar com os aspectos mais duros da sua realidade, e sendo assim, falou por muitos além de si. E assim foi, até o final: mesmo longe dos holofotes, Carolina escreveu até o término de sua vida, em 1977.
“A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nós quando estamos no fim da vida é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.”
— Carolina de Jesus, Quarto de Despejo
Fontes de pesquisa:
Site da Fundação Cultural Palmares - “Centenários Negros”;
Folha Ilustrada, 20/11/2014, matéria de Karla Monteiro.
Sigo escrevendo a série que chamei de símbolos visíveis: como a linguagem astrológica ganha corpo na realidade, em que seleciono mapas de pessoas cujas vidas foram marcadas por algum planeta domiciliado ou exilado em seu mapa. Pode parecer complexo, mas, na prática, é uma demonstração ilustrada do que pode significar nascer com uma eminente Lua em Câncer, ou um Mercúrio em Sagitário, ou uma Vênus em Escorpião, etc. A primeira parte foi só sobre Lua e Mercúrio, e a segunda, publicada na última quinta-feira, foi sobre a Vênus nos domicílios de Touro e Libra, e nos exílios de Áries e Escorpião:
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um abraço e até semana que vem,