No último dia 21 o Sol ingressou em Câncer, signo regido pela Lua e simbolizado por um caranguejo. Caranguejo gosta de lama. O deus bíblico moldava suas criações em barro antes de lhes conceder o sopro da vida, libertando-as para a experiência mundana; em Boston, um grupo de cientistas reuniu materiais típicos do barro considerados fundamentais no processo inicial de formação biológica — isso eu li numa notícia antiga que ironizava a improvável convergência mitológica-religiosa-científica de que talvez a vida tenha mesmo surgido do barro. É provável que se justifique, então, a frequência do uso dessa alegoria pra evocar a “criação do mundo”. Aliás, a lógica astrológica corrobora para essa relação: vitalidade é uma propriedade do Sol, mas o que fertiliza a terra é a água mesmo, e o barro e a lama não passam de um punhado de terra e água misturados (com alguma argila). Terra, que sustenta e recebe, e água, que conduz e propicia o fluxo da vida nas coisas.
No simbolismo astrológico, A Lua é como um holofote alimentado pelo Sol, capaz de encaminhar sua força vital para nutrir a existência na Terra. Como todos os corpos móveis visíveis no céu, a Lua se submete ao astro-rei: sua dança de rotação e translação com a Terra em relação ao Sol é o que proporciona suas mudanças de fases. Uma vez ao ano, então, quando o Sol entra em Câncer, é como se ele fizesse uma homenagem à devoção lunar: em Câncer, o Sol entra no signo que é domínio da Lua, seu próprio espelho de luz para as noites terrestres.
O ingresso do Sol em Câncer marca o início do inverno no hemisfério sul. É tempo de acolhimento: a água cardinal de Câncer é aquela que fecunda e fertiliza, tomando conta das coisas no compromisso de cuidá-las, nutri-las e fazê-las crescer. É a água que trata dos nossos desejos e necessidades mais primordiais: alimento, proteção, vínculo afetivo.
Encerrando o ciclo da Lunação de Gêmeos, de ênfase tão mental, a Lunação de Câncer que se aproxima vem nos lembrar do corpo como um cultivo — um convite para se atentar ao que esse corpo recebe como acolhimento, nutrição e cuidado. Nossa vida é experienciada a partir de um corpo que, para grande parte de nós, tem vivido tempo demais em estado de alerta, estresse, preocupação ou apatia — para não mencionar a fome e insegurança alimentar, problemas ainda mais graves e crescentes no Brasil.
Quando escrevo sobre acolhimento, cuidado e proteção, não quero dizer que esse é um ciclo de preguiça ou torpor (embora o descanso venha a ser urgente para muitos de nós). O simbolismo de Câncer é frequentemente mal compreendido como um signo que expressa um tipo “caseiro” que pode parecer sossegado ou inerte, mas é bem o contrário. O habitat do caranguejo apresenta uma boa analogia para se pensar a respeito: é no mangue que a matéria orgânica se decompõe com tanta intensidade que o cheiro de enxofre infesta o ambiente, borbulhando da lama. Ao mesmo tempo que esse cenário aparenta decadência e fim de tudo — como se a vida facilmente pudesse se esvair pra dentro do lamaçal —, parece também que é ali que tudo começa. De fato, desse composto fértil da lama, brota muita vida. O mangue é esse território pulsante, cheio de ação e movimento, em que muita coisa ocorrente alheia aos nossos olhos. Toda criação, enfim, exige uma força motriz, que rompe a estagnação, o que explica o porquê de Câncer ser um signo de qualidade cardinal: a cardinalidade indica iniciativa e criação de possibilidades. A vida é um esforço, e nada nasce da inércia — o movimento sim gera a vida, como lembrado na última lunação.
lunação de câncer
28 de junho a 27 de julho de 2022
O Sol está em Câncer e em breve, a Lua estará também: quando ela encontrar o Sol e aplicar uma conjunção à ele, entrará na fase nova, inaugurando mais um ciclo lunar de 28 dias, ao qual chamamos de lunação; por ser uma Lua Nova em Câncer, começamos a Lunação de Câncer, que vai durar até 27 de julho, sendo complementada pelo mapa da Lua Cheia em Capricórnio no próximo dia 13.
Essa é uma lunação de confluências, e tudo indica que será uma das mais importantes do ano, por algumas razões. A primeira tem a ver com o fato de termos aspectos exatos ocorrendo no mapa da Lua Nova: Júpiter está a 7º de Áries na casa 1, recebendo sêxtil da Vênus a 7º de Gêmeos e as quadraturas do Sol e Lua a 7º de Câncer. Quem tem experiência em interpretar mapas astrológicos, sabe: quando aspectos exatos aparecem em mapas, é sinal de ativação certa de eventos previstos.
Além disso, começamos a observar agora o ápice dos efeitos do eclipse lunar que ocorreu no dia 16 de maio, amplamente visível no Brasil — como mencionei na época, os eventos significados por eclipses lunares podem se estender por vários meses na região em que são observados, e também têm um período de maior intensificação. Para o Brasil, esse período de ápice do eclipse começou agora na virada de junho pra julho, e irá durar até meados de agosto. Irei escrever mais a respeito nas próximas edições porque há muita coisa a se cobrir, mas começo resgatando uma previsão escrita na edição do eclipse que infelizmente voltou como destaque nos últimos dias:
A oposição da Lua em Escorpião com o Sol conjunto à estrela Algol, referente ao mito da Medusa, evoca a ideia de violência e reivindicação por justiça; tal violência deve estar estar relacionada especialmente à mulheres e/ou crianças. Algum caso já conhecido pode ganhar maior atenção ou pode vir à tona algum escândalo sexual envolvendo uma figura de poder (religiosa ou militar?), por exemplo.
trecho da edição #36
O mito da Medusa conta a história de uma figura feminina que sofre inúmeras violências simbólicas, sendo perseguida e punida por sua suposta insolência, insubordinação ou inadequação ao meio. A monstrificação de Medusa, nascida humana, é um dos primeiros relatos míticos que temos da desumanização praticada a partir da situação de um indivíduo em divergência com o meio — e, não por acaso, um ser do gênero feminino. Pouco após o eclipse, tivemos uma leva de fatos noticiados diretamente relacionados à violência de gênero e/ou contra crianças (listei na introdução da edição #38). Agora, no início do período de intensificação dos efeitos do eclipse, já tivemos uma semana especialmente infeliz no que tange os direitos reprodutivos e a violência contra as mulheres.
Em ano eleitoral, há quem defenda evitar temas “tabu” como esse, o que é um equívoco até em termos astrológicos: a luta pelo aborto seguro e legal e muitas outras dos movimentos feministas precisarão seguir em discussão, inevitavelmente, porque as injustiças e violências de gênero seguem em alta por toda parte. Não há negociação possível. Como a Beauvoir bem dizia: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.” Seguiremos.
Adiante, vamos ao mapa da Lunação de Câncer: apesar de últimas semanas muito difíceis, essa lunação apresenta um mapa consideravelmente melhor no âmbito coletivo, e o cenário geral pode mostrar sinais de avanço, vislumbres de algumas melhorias ou mobilizações positivas. Há um clima de novidade pois, como escrevi na introdução, Câncer é um signo cardinal, que movimenta o cenário.
Os luminares (Sol e Lua) se encontram em Câncer na casa 4, a mais baixa do mapa; é um local relacionado às questões da terra, do solo, dos territórios, fronteiras, florestas. A presença deles aí indica desdobramentos importantes a respeito do caso do assassinato de Dom e Bruno no Vale do Javari — não tem a menor cara de encerramento ou conclusão, mas talvez de achados e decisões que movimentam as investigações. Isso porque Júpiter está bem próximo do ascendente, regendo as casas 9 e 12, trazendo os assuntos de justiça e condenação para o palco principal desse ciclo. Aliás, o sêxtil exato entre Vênus e Júpiter, sendo a Vênus regente da casa 7, envolve diretamente as questões de justiça com as relações exteriores, indicando pressão e influência internacional sobre o país durante essa lunação, o que ganha ênfase na imprensa (Vênus ocupa a casa 3).
Como esperado, o Judiciário tem sido um Poder protagonista nesse ano astrológico; nessa lunação, é provável que a figura de um ou mais juízes ganhem destaque por conta de uma decisão importante que irá tomar — e que, ao que tudo indica, desfavorece o governo bolsonarista. Quando escrevo essa edição, na manhã de sexta-feira, a notícia mais preocupante para o presidente e seus aliados é a conquista da oposição da reunião das assinaturas para a CPI do MEC. A instalação de fato da CPI depende da leitura do documento em plenário pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) — e vale lembrar que, no ano passado, ele segurou por mais de dois meses a instalação da CPI da Covid. O mapa dessa lunação respalda a condução da CPI, ativando as casas 9 e 11, mas há flutuações de rimo que valem ser mencionadas: no dia 5, Marte entra em Touro e Mercúrio, em Câncer, e esses ingressos “esfriam” um tanto esse processo. Uma possível retomada seria com os ingressos de Mercúrio e Sol em Leão, nos dia 19 e 22 de julho, respectivamente: esses dois astros fazem uma forte ativação de casa 9, indicando, por exemplo, a imposição de autoridade de algum juiz do STF para iniciar a comissão — ou uma outra ação no âmbito desse poder que ganhe visibilidade por sua relevância, como mencionado acima.
A casa 4 também é o local associado à oposição declarada ao governo, por ser oposta à 10; pelo encontro dos luminares em Câncer aí, esse ciclo indica um fortalecimento desse setor, alguma conquista ou mobilização que se destaca. As fricções ideológicas seguem, mas parecem pouco prejudiciais, ganhando força a ideia de união contra o “inimigo maior”, talvez até mesmo ganhando mais margem nas pesquisas de intenção de voto, o que já ocorreu nessa última semana.
Para além de toda a questão de finanças, desvios de verbas e corrupção que veio à tona com o escândalo do MEC, o tema de economia, custo de alimentos e combustíveis também parecem ganhar destaque nesse período, por causa do aspecto exato entre Lua e Vênus com Júpiter, podendo indicar um “salto” nos preços, por exemplo.
No mais, em outros termos coletivos, esse ciclo traz um respiro um pouco aliviado em relação à angustiante lunação anterior. Fazendo jus à natureza do signo, essa Lunação de Câncer, abre como um período fértil para a criação e concepção — seja de projetos, ideias ou mesmo filhos. Favorece também a ação, mobilização, criatividade, deslocamentos e viagens, além de estudos, escrita e comunicação. No geral, um ciclo que rompe que parece bem menos aflito que o último, rompendo com a sensação de vazio e possibilitando que os obstáculos estejam mais visíveis.
céu da semana
26 de junho a 2 de julho de 2022
A edição ficou longa, então vamos de interpretação resumida da semana: a Lua está minguantíssima, chegando à fase nova pouco antes da meia-noite de terça-feira. Em termos eletivos (escolha de data para eventos fora do comum), semanas de Lua pouco visível no céu como essa não são indicadas para grandes novidades ou ações que demandem visibilidade pública ou fôlego imediato para crescer; por isso, é bom evitar começar coisas novas ou grandes iniciativas pelo menos até sexta-feira, dia 1.
A semana tem um clima ágil e movimentado, com vários aspectos se completando no céu, mas não traz impedimentos ou grandes riscos. Os períodos mais complicados são o fim de tarde/noite de segunda-feira (Lua em aspecto com maléficos), manhã/início de tarde de quinta-feira (quadratura Lua-Marte) e tarde de sábado (oposição Lua-Saturno). Por outro lado, um dia especialmente bom é a sexta-feira, quando a Lua em Leão fará aspectos harmoniosos com Júpiter e Vênus, bem gostosinho pra todas as atividades prazerosas, artísticas ou de lazer, incluindo relações, passeios, festas e etc.
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um abraço e até semana que vem,
A cada edição eu me apaixono mais pela sua escrita, eu fiquei de cara em perceber essas questões em volto ao feminino e infantil tomando pauta esses dias, bateu certinho.
É esperar para ver como essas questões irão se desenrolar adiante