A visão de mundo que a astrologia propõe implica na aceitação de que a ciclicidade é parte da nossa experiência de vida. Ela envolve compreender que existem momentos para agir e momentos para não agir, e que o tempo não é uma constante linear, totalmente dominável ou moldável às nossas vontades e necessidades. A astrologia pode ser uma ferramenta prática e útil para mapearmos momentos em que determinadas coisas irão ou não acontecer — o que chamamos de previsões —, mas talvez a parte mais rica desse conhecimento esteja nessa compreensão mais ampla, nesse aprendizado de vida de que nada precisa ser ou estar o tempo todo da mesma forma. Certa vez, li uma fala de uma palestra do astrólogo contemporâneo John Frawley que dizia que os astrólogos aprendem que o tempo é como a terra; que aprendem a discernir quando uma terra é estéril demais e nada crescerá ou irá prosperar facilmente ali, e quando outra terra é fértil, e permitirá abundância e crescimento sem grandes dificuldades.
A compreensão da ciclicidade é valiosa para todo mundo, claro, não só para quem se interessa por astrologia. Essa noção tão simples do tempo como uma porção de terra é útil para entendermos as limitações de nós mesmos, do ambiente ao nosso redor e do período em que estamos passando. O tempo do mundo é outro — literalmente outro, pois organizamos nossos compromissos e necessidades de acordo com um calendário que se divide regularmente em meses em anos, independente do que ocorre visivelmente na natureza e no céu. É uma forma de organizar e estruturar o tempo que pode ser cômoda a muitos de nós, mas muito difícil para outras pessoas porque, bem… não somos tão constantes e disciplinados assim.
A lunação de Câncer sempre me é bem marcante, e suspeito que talvez seja porque ela coloque em contraponto duas luas avessas em significado: a Lua Nova em Câncer e a Lua Cheia em Capricórnio. Esses dois signos, Câncer e Capricórnio, são uma dupla de oposições que relaciono diretamente à imediatismo e estruturação. Explico melhor: Câncer é o signo da nutrição, representando o alimento e a proteção necessários para proporcionar vida ao que quer que seja. A Lua rege esse signo e é o astro mais veloz do céu, percorrendo uma média diária de treze graus. Câncer expressa essa rapidez, esse imediatismo das necessidades básicas para a vida; como diz o ditado, quem tem fome (e frio!), tem pressa. Capricórnio, por outro lado, é um signo regido por Saturno, um planeta que versa sobre a construção, sobre a rigidez que provê estruturas para atravessar o passar do tempo. Saturno é o que nos mantém de pé, sejam os ossos do nosso corpo ou a fundação de uma casa: sem uma estrutura sólida e firme, ambos cederiam às primeiras dificuldades.
A Lua Cheia em Capricórnio chegou na última quarta-feira, friccionando esses significados latentes de imediatismo e estruturação. É preciso saber acolher o que é urgente, ter a capacidade de confortar e atenuar as dificuldades imediatas, mas é preciso também saber dar passos na construção de uma base que nos firme mais à frente, a médio ou longo prazo, evitando a necessidade constante de reparos imediatos. A ciclicidade também nos ensina que os períodos de mais facilidade ou dificuldade sempre retornam, e podemos nos preparar melhor para recebê-los.
Em termos coletivos, atravessamos realmente um período muito duro no Brasil, e a aprovação da PEC dos Auxílios bem no dia da Lua Cheia escancarou essa oposição entre imediatismo e estruturação: uma manobra eleitoreira do governo atual, de fato, mas que nem a oposição pôde votar contra, num cenário tão aterrador de crescentes fome, inflação e insegurança alimentar. Nessa segunda metade da lunação, poderemos perceber com mais atenção a dureza e as privações que vem sendo impostas sobre nós. O que há de melhor nessa próxima quinzena tem a ver com partilha e relações de apoio e diálogo, significado marcado pelo trígono entre Vênus em Gêmeos e Saturno em Aquário, aspecto que estava exato no momento da Lua Cheia. Pode ser difícil encontrar conforto, mas alguma via possível se dá pelas redes de informação e das relações, pelo falar e difundir, não encerrando o peso em si. De fato, não há rede de apoio que suficientemente sustente as vidas de tantos em desamparo; porém, sem ela, não vamos a lugar algum. Partilhe, comunique, divida suas durezas. A dureza se desmantela na força do diálogo, convívio e cooperação.
notas astrológicas
Vênus ingressa em Câncer
Hoje à noite a Vênus ingressa no signo de Câncer. Lembrei de um textinho escrito ano passado e que, curiosamente, também ressoa com o imediatismo e estruturação elaborados na introdução:
Vênus entrou em Câncer e, de imediato, me lembro que amar é criar memória junto. Ouvi nas últimas semanas que só dá pra dizer que ama e conhece bem alguém depois de esgotar um quilo de sal com a pessoa; antes disso, tudo é deslumbre. Não tenho certeza se funciona bem assim, mas gosto da referência ao sal porque a cozinha é local de presença e de alimento; talvez a expressão afetiva da Vênus em Câncer esteja precisamente nisso que é simples, que mora nos cuidados cotidianos. É um gestar de afeto íntimo e silencioso, alheio aos olhares de fora. Não falo aqui só do romantismo, mas sim dos laços que se criam no tecer dos dias, na confiança que só o convívio aberto provê; no território da Lua, a Vênus em Câncer também se sujeita às variações de humor, à instabilidade que as relações provocam, à inconstância inerente à vida. Nada nunca está da mesma forma; as mudanças minhas, suas e do nosso afeto são todas inevitáveis. É até bonito que seja assim.
A Vênus em Câncer ingressa na casa 2 do mapa para o Ingresso Solar no Brasil, reacendendo justamente os temas do sustento e alimentação a nível coletivo. Não há prazer possível sem alimento e nutrição. Aliás, fisiologicamente mesmo: descobri esses dias que 95% da serotonina corporal é produzida por células específicas do intestino. Comer bem é direito de todos, e também um baita componente do bem-estar. A Vênus transita em Câncer até 11 de agosto, e o prazer enfim ganha a forma das boas refeições, do aconchego e da espontaneidade que propõe trocas e improviso.
céu da semana
17 a 23 de julho de 2022
Essa é uma semana de Lua minguando, aos poucos perdendo luz no céu, mas ainda bem visível. Teremos Vênus, Mercúrio e Sol mudando de signo e, no geral, um humor variável e flexível, com breves entraves e dois dias mais tensos, quando devemos evitar grandes compromissos ou atividades de risco. Segue o detalhamento:
Hoje é domingo e a Lua vaga por Peixes, sem aspectos ao longo do dia todo. A Vênus ingressa em Câncer no fim da noite. Um dia com cara de casa e conforto, meio preguiçoso e estagnado, sem grandes movimentos ou ocorrências.
Segunda começa com uma madrugada animada, com bons aspectos: a Lua em Peixes completa trígono com o Sol em Câncer pouco após a meia-noite e trígono com Mercúrio horas depois. Deve ser uma noite de sonhos intensos, profundos, fantasiosos. No início da manhã a Lua já ingressa em Áries, dando um ímpeto de energia pro primeiro dia útil da semana. Ela alcança uma quadratura com Vênus em Câncer ainda pela manhã, e passa o dia se aproximando de Júpiter em Áries, completando a conjunção no fim da noite. É um dia bem favorável, animado e empolgado. Semana começando com tudo, e vale aproveitar essa energia.
Na terça-feira temos o ingresso de Mercúrio em Leão no meio da manhã, o que pode já trazer alguma clareza de visão e pensamento, mas o planeta mensageiro ainda segue sob os raios do sol, sem plenas capacidades de se expressar. A Lua segue em Áries enérgica em busca de aspectos, porém sem encontrar nenhum planeta para dialogar. Pode ser um dia com uma sensação de empolgação que não consegue ser bem aplicada, meio emperrada, sem ter aonde direcionar bem — nada grave, porém, só talvez seja menos produtivo e eficiente que o dia anterior.
Quarta é movimentada: a Lua em Áries completa o sêxtil com Saturno no meio da madrugada e uma quadratura bem recebida com o Sol em Câncer no fim da manhã. Até a hora do almoço temos encaminhamentos, alguma agilidade e fluidez. No meio da tarde, a Lua ingressa em Touro e o ritmo desacelera: essa passagem por Touro será bem sentida no ânimo geral, com entraves e tensões. A primeira delas será a quadratura com Mercúrio ativa desde o meio da tarde até o fim da noite de quarta. Apesar de tudo, a quarta não é um dia tão prejudicado, já que a Lua recebe ajuda da Vênus em Câncer por um sêxtil ainda no fim da noite.
Quinta e sexta são dias arriscados e parecidos: a Lua estará em Touro se aproximando de aspectos com os maléficos, sem interlocuções com outros planetas. Na quinta o protagonista do dia é Marte em Touro, com o qual a Lua completa conjunção no início da tarde; na sexta, é com Saturno em Aquário que a Lua alcança a quadratura também no início da tarde. São dias carregados, com maior chance de estresse, inquietação e reações inoportunas. Se possível, evite marcar compromissos importantes para esses dias, antecipe potenciais problemas e fuja de atividades de risco ou perigos evitáveis. O Sol ingressa em Leão no fim da tarde de sexta e ajuda a desfazer um pouco o clima de apreensão, mas quem quiser sextar e extravasar por aí, vale bom redobrar a atenção e os cuidados com a saúde e o corpo (em especial com a fala e a região da garganta).
Na madrugada de sábado a Lua entra em Gêmeos, dissipando o clima de tensão e completando pouco depois o sêxtil com o Sol em Leão. O dia amanhece com ares bem mais amenos e esperançosos. Mercúrio em Leão persegue o trígono com Júpiter em Áries, completando o aspecto no meio da tarde, e a Lua em Gêmeos alcança sêxtis com Júpiter e Mercúrio no início da noite. O sábado é gostoso, ativo, estimulante e cheio de interesses.
para ouvir
Ando ouvindo muito esse álbum da cantora, clarinetista, compositora e multi-instrumentista Angel Bat Dawid, chamado The Oracle (ah, o algoritmo!). Ele é um passeio meio mágico e inebriante num mundo de instrumentos, com sons que ao mesmo tempo instigam, também acalmam. Volta e meia acabo descobrindo artistas com álbuns de música instrumental, porque gosto de ouvir para trabalhar e estudar; talvez esse seja um pouco intenso e espiritual demais para ser considerado “música de trabalho”, mas tem me feito uma boa companhia ao longo de alguns dias (inclusive enquanto escrevo essa edição). Recomendo.
O boletim meio do céu é gratuito, mas você pode se tornar um assinante pago e apoiar o meu trabalho.
Apoiadores recebem edições especiais da newsletter (pelo menos uma por mês!) com conteúdos exclusivos – análises de mapas e eventos, textos sobre teoria astrológica, estudos experimentais, etc. Nesse conteúdo exclusivo, recebo diretamente as sugestões de vocês e vale tudo o que a gente quiser observar e descobrir em termos de astrologia.
Quem apóia financeiramente pode optar pela assinatura mensal (cobrada a cada mês) ou anual (pagamento único, com um descontinho). Para se tornar assinante pago, basta atualizar o status da sua assinatura nas configurações da sua conta do Substack.
um abraço e até semana que vem,