“A perfeição sempre permanece como algo inalcançável, algo pelo qual lutamos e nunca conseguimos conquistar, mas isso não diminui o poder do ideal; na verdade, pode inclusive fortalecê-lo.”
— trecho de Perfect Me, da filósofa Heather Widdows, 2018
Viver não é um exercício de virtude. Falei essa frase numa mesa de bar para uma amiga no começo do ano, e o impacto foi tanto que ela escreveu nas notas do celular pra não esquecer. Aí eu escrevi para mim mesma também, num caderno, e volta e meia ela retorna à minha cabeça. No fundo, sei que falei pra ela o que também precisava ouvir — um clichê de quando se dá conselhos a outras pessoas, não é mesmo?
Na época, eu havia terminado de ler há algumas semanas um dos livros que mais me marcou recentemente, o Falso Espelho, uma coletânea de ensaios da escritora Jia Tolentino sobre a auto-ilusão nessa vida doida que levamos hoje. Um dos melhores se chama “A otimização constante”, do qual eu ocasionalmente me lembro, e que me parece pertinente para falar sobre a Lunação de Virgem.
Virgem é o signo regido por Mercúrio, e o único que é ao mesmo tempo domicílio e exaltação do mesmo planeta. Mercúrio brilha em Virgem por este ser um signo que dá as condições perfeitas para ele fazer o que faz de melhor: ordenar, encaminhar, organizar, sistematizar e aperfeiçoar o que já existe. Naquela edição especial sobre a ideia de propósito inerente ao destino, escrevi que nascer sob o ascendente em Virgem é carregar o aprendizado de “discernir como ferramenta para aprimorar”. E o fato é que a gente vive numa época que valoriza imensamente os efeitos práticos do aprimoramento: se tempo é dinheiro, a pressão por entregar e produzir com o máximo de eficiência se torna uma característica das mais valorizadas.
Mas isso aí, convenhamos, ainda isso é papo de um capitalismo de décadas atrás. Em 2022, a otimização constante não só furou o mercado de trabalho, como invadiu nossa vida íntima, nossa identidade, nosso modo de viver. As redes sociais (quem ainda aguenta esse assunto?), que facilitaram tanto a comparação entre si mesmo com outras pessoas, contribuíram demais para a cobrança do aperfeiçoamento aumentar, embora certamente não esteja tudo na conta delas. A otimização é um dos grandes imperativos culturais do nosso tempo: você sempre poderia ser melhor, mais produtivo, com mais visibilidade, mais malhado, mais carismático, mais transante, mais produtivo, mais rico, mais viajante. A sensação é de que nada nunca é suficiente. Não à toa, o meme da Déborah Secco falando o que o analista disse à ela numa sessão é um dos virais que exalam o zeitgeist de 2022:
Viver sob tanta pressão de aperfeiçoamento e otimização de processos e de si mesmo não parece uma forma muito tranquila de se existir, é claro. Porém, só a gente sabe dos esforços e escolhas que precisamos fazer para viver com alguma paz e dignidade possíveis. Escrevo essa introdução não como crítica ao auto-melhoramento em si e nem para reforçar nenhum tipo de conformismo passivo, mas sim para dar mais perspectiva sobre a pressão coletiva imperceptível que existe sobre performar uma imagem pessoal e projetar um estilo de vida idealizado que nem sempre está alinhado ao que realmente somos ou desejamos.
“Mas o que nós queremos? O que você desejaria — que desejos, que formas de insubordinação você poderia acessar — caso tivesse conseguido se tornar uma mulher ideal, realizada e amada, uma prova viva da eficiência de um sistema que a exalta e a diminui todos os dias?”
— trecho de Falso Espelho, de Jia Tolentino [grifos meus]
De certa forma, viver sob a sensação de falha ou falta também significa estar sempre se esforçando para atingir um ideal que, às vezes, nem a gente mesmo lembra o porquê deveria ser cumprido. Não se trata de coisas que acontecem só na nossa cabeça: é realmente empregar sua energia em prol de aprimorar e projetar para o mundo algo que a gente nem sabe se quer mesmo, ou se é importante para nós.
Voltando ao signo de Virgem, casa de Mercúrio, repito a máxima de que sua qualidade é de “discernir como ferramenta para aprimorar”. Discernir o que é, de fato, valoroso ou útil para a sua vida é um excelente exercício para essa Lunação de Virgem. Talvez isso envolva renunciar à algumas cobranças e pressões que não fazem mais sentido no seu entorno. (Curiosamente, um termo que circulou na internet essa semana foi o “quiet quitting”, uma tendência no mercado de trabalho que pode traduzida pro bom e velho “fazer o mínimo” num emprego, resignando-se a grandes ambições profissionais, uma resposta óbvia ao esgotamento e falta de limites entre trabalho e vida pessoal.)
Por fim, há de se notar que a lunação abre com a Vênus em Leão conjunta ao ascendente, numa oposição ferrenha com Saturno em Aquário: ecoando o que escrevi sobre afirmação de vida há umas edições atrás, penso que esse novo ciclo também faz um aceno a uma melhor percepção sobre o que realizamos por desejo e respeito à nossa vontade, e o que cai na conta apenas de dependência, hábito, condicionamento ou cobrança externas. O discernimento é de Mercúrio, é de Virgem, e Virgem é a terra mutável: começa, enfim, uma temporada para abraçarmos as possibilidades de mudança materiais e práticas, tanto a nível pessoal, quanto coletivo. Mudar e reorganizar é uma constante da vida, já que nada está como já foi. Quer fazer uma limpa das redes sociais, reformar alguma coisa, mudar sua rotina, analisar de forma pragmática, planejar os próximos meses, reorganizar aspectos práticos e específicos da vida? É um tempo proveitoso para tudo isso. Mas também não precisa ser de nada disso, porque não estamos pela cobrança do aperfeiçoamento, e sim do que faz sentido para si e seu entorno. Recomendo pé no chão, e perspicácia para agir. E desejo uma boa lunação para nós!
lunação de virgem
Lua Nova: previsões de 27 de agosto a 10 de setembro de 2022
No fim da madrugada de ontem, sábado, a Lua em Virgem encontrou a conjunção exata com o Sol no mesmo signo: temos aí o que chamamos de Lua Nova, que dá início à uma nova lunação. As previsões abaixo se referem à essa primeira metade da lunação, até a Lua Cheia, que chega no dia 10 de setembro.
O encontro dos luminares — Sol e Lua — se dá na casa 2, com Mercúrio dispondo eles no signo de Libra, na casa 3. Nessa lunação, antes mesmo da Lua Cheia, Mercúrio irá retrogradar e retornar aos últimos graus de Virgem. Essa configuração destaca assuntos práticos e de natureza material: finanças e alimentação, num âmbito individual, e economia e recursos, a nível coletivo. É um foco sobre a materialidade que nos rodeia, o que de fato nos sustenta a nossa vida cotidiana, mas sob um viés de análise ou avaliação. Por isso, essa primeira metade da lunação é um período que talvez seja necessário (afinal, Marte lança uma quadratura exata aos luminares na casa 2) para fazer manutenções ou revisões e ajustar aspectos funcionais e objetivos em tudo que envolve esse universo palpável que dá apoio ao nosso dia a dia: instrumentos de trabalho, roupas, calçados, máquinas, dispositivos eletrônicos, etc.
No contexto coletivo eleitoral, parece haver uma oscilação sobre recursos alocados ou direcionados para apoio do governo, podendo ocorrer rupturas entre candidatos ou pessoas do poder e empresários, por exemplo — ou mesmo renegociações ocorrendo fora da vista pública. Esse aspecto também representa muito bem o mais recente escândalo envolvendo o procurador-geral da República e empresários golpistas, e pode indicar algum tipo de corte entre setores de poderosos da economia e alguma figura do Legislativo e/ou Judiciário (Marte em Gêmeos regendo as casas 9 e 11). Cabe de fato alguma saída, alguma cisão? Será que Aras renuncia? Ainda que improvável, é possível que sim, pois essa é uma previsão que cabe nos símbolos desse mapa. Porém, os efeitos dessa história toda me parecem mais dispersos, indefinidos, variáveis; mesmo se fosse o caso de uma renúncia, não me parece que o impacto dessa saída causaria efeitos tão grandes de imediato. De toda forma, esse é um caso que deve se desenrolar já nos próximos dias, pela exatidão do aspecto no mapa.
Esse ciclo se inicia com o signo de Leão ascendendo no horizonte leste, e uma Vênus bem próxima à esse ângulo caminhando para uma oposição quase exata à Saturno retrógrado em Aquário do lado oposto, na casa 7. Pela regência de Vênus sobre o governo nesse mapa, e a ativação da estrela Algol no ângulo do MC, pode haver um tipo de retaliação ou repreensão de órgãos internacionais ou governos de outros países sobre o governo brasileiro e suas figuras de poder. Com o resultado do julgamento de Bolsonaro no Tribunal Permanente dos Povos a ser divulgado no próximo dia 1, é bem provável que isso desgaste bastante a imagem do presidente e seu governo.
Outro fator evidente de desgaste na reputação do governo deve envolver o 7 de setembro, o dia em que Bolsonaro e sua base de apoio poderiam (e devem) tentar aplicar ou incitar (novamente) um golpe de Estado, impedindo a realização das eleições democráticas. Embora as ameaças não cessem, não enxergo viabilidade de golpe nos mapas do Brasil desse ano, como já escrevi outras vezes, e reitero o mesmo sobre esse da Lua Nova. Os vestígios de conspiração, no entanto, ficam visíveis desde cedo no dia 7, quando a Lua estará em Aquário, território de Saturno; durante o dia, o clima é mais discursivo e ideológico, mais falação do que ação efetiva. No fim da tarde, após às 17h, o cenário é mais arriscado, já que a Lua estará sitiada entre Marte e Saturno: a dispersão do comício bolsonarista marcado para ocorrer na praia de Copacabana, por exemplo, pode ficar violenta e envolver ataques e conflitos. No entanto, com Mercúrio prestes a retrogradar dispondo Marte em Gêmeos, o saldo é de frustração e fracasso mesmo. Definitivamente (para a nossa sorte), essa não é uma lunação favorável para o governo ou com margem de manobra para movimentos arriscados.
Além da oposição Vênus-Saturno, há alguns outros fatores referentes à esse mapa que parecem indicar o risco de um acidente aéreo alguns dias antes da Lua Cheia. No caso desse tipo de evento, me parece provável que este envolvesse alguma figura pública com visibilidade atualmente. Numa interpretação alternativa sobre o aspecto Vênus-Saturno, podemos pensar numa pessoa eminente com cargo político ou da área da comunicação estando em evidência de forma negativa, sofrendo algum tipo de restrição ou impedimento. Pode ser algum desgaste por conta de embates ou discordâncias, ou mesmo algum estresse ou dano físico.
Por fim, falando além do âmbito político, temos um Mercúrio em Libra na casa 3, prestes a retrogradar, caminhando em oposição à Júpiter em Áries na casa 9. É um choque entre planetas de naturezas distintas, um aspecto que pode simplesmente estar mostrando ampliação do debate no âmbito coletivo, marcando as diferenças entre candidatos e seus ideais e dividindo mais votos, por exemplo. Em outro sentido, também parece aumentar um fluxo meio desenfreado de informações midiáticas no dia a dia, sendo necessário impôr períodos de respiro, contenção e silenciamento de tanto burburinho por aí. Reforço também a questão do cuidado e manutenção com bens e objetos físicos mencionada no início, já que esse Júpiter é regente da casa 8 e pode significar maior risco de perda e dano de equipamentos, por exemplo (ou mesmo furto, considerando a participação de Marte nesse aspecto entre os dois).
Parte das previsões escritas acima foram elaboradas coletivamente na oficina de prática de astrologia mundana em colaboração com as participantes: Bia Cardoso, Carola Braga, Ju Machado, Marina Bohnenberger, Patrícia Guedes e Sarah Marchon.
para ouvir
Gente, tá no ar o episódio do Magickando que eu participei! Fiquei super feliz com o convite, e foi uma oportunidade bem legal para sobre astrologia num bate-papo bem descontraído. Falei sobre as diferenças da perspectiva entre tradicional e moderna, como funcionam as previsões, do que trata a astrologia mundana, expliquei algumas concepções distorcidas da visão da astrologia pelo grande público e mencionei também umas polêmicas e casos cabulosos nessa minha trajetória de estudo e prática. Dá um play aí e me diz o que você achou :)
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