Eu não sou da paz.
Não sou mesmo não. Não sou. Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pomba nenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça. […]
A paz é muito falsa. A paz é uma senhora. Que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue. […]
Sabe de uma coisa: eles que se lasquem. É. Eles que caminhem. A tarde inteira. Porque eu já cansei. Eu não tenho mais paciência. Não tenho. A paz parece que está rindo de mim. Reparou? Com todos os terços. Com todos os nervos. Dentes estridentes. Reparou? Vou fazer mais o quê, hein?
— trechos de “DA PAZ”, de Marcelino Freire [leia na íntegra aqui]
Estava eu na exposição Histórias Brasileiras, no MASP (em cartaz só até dia 30!), quando vi o vídeo da Naruna Costa recitando esse texto do Marcelino Freire. Um arrepio me percorreu inteira. Que texto poderoso, pensei. Depois disso, lembrei do Escorpião, claro.
A reputação do escorpião não é das melhores — e não falo nem especificamente do signo, mas do bicho mesmo. Tem aquela conhecida fábula do sapo e do escorpião, que tem como moral a ideia de que certos seres são tão cruéis por natureza, que são capazes de se sacrificarem só para te arrastar junto. (Nunca gostei dessa fábula, nem quando era criança e ainda não sabia que tinha nascido sob o Sol em Escorpião — risos.)
Mas uma fábula, ainda que carregue a moral que ecoa um contexto e época específicos, costuma trazer consigo também algum tipo de informação mais útil e concreta, e essa aqui é bem óbvia: cuidado, o escorpião é um bicho arisco. Não se brinca com ele. Vocês já se depararam com um ao vivo? Um dos aspectos que mais me impressiona é como o lacrau expressa, em seu minúsculo corpo, uma constante tensão. É um bicho tenso, que vive na defensiva. Pode até parecer exagero, mas, como o Marcelino tão bem descreve, o mundo está bem longe de ser só delícia e encantamento: a realidade material é injusta demais para que a fúria e a raiva não se manifestem. A resistência frente às adversidades e o aprendizado da defesa são qualidades e valiosas lições do Escorpião. Estão aí alguns dos atributos fundamentais desse signo zodiacal: se Touro trata de gozo e relaxamento — se afinizando à Vênus e à Lua —, seu oposto Escorpião é tática e resistência, território exclusivo de Marte.
Falando em Marte, aliás, esse anda percorrendo o signo de Gêmeos desde 20 de agosto, e agora se prepara para retrogradar: ele vem desacelerando o ritmo de sua caminhada pelo céu nas últimas semanas, e vai “estacionar” na próxima quarta-feira (escrevi uma boa metáfora sobre planeta estacionário na edição #53). Esse é um dos vários eventos importantes que ocorrerão nas próximas 2 semanas: temos Saturno saindo da retrogradação, uma Lua Nova que será um eclipse solar (não visível no Brasil), o reingresso de Júpiter em Peixes e um eclipse lunar na Lua Cheia, tudo isso nessa Lunação de Escorpião. Sem dúvida, uma das mais significativas do ano astrológico.
A grande questão, claro, é situar o que cada um desses eventos significa e como poderá se expressar em diferentes contextos. Como símbolo, Marte retrogradando em Gêmeos pode se manifestar de variadas formas — na realidade específica brasileira, em que isso ocorrerá justamente no dia do segundo turno das eleições, os sinais são mais evidentes.
Nessa edição de hoje, a uma semana dessa data tão determinante, vamos nos debruçar sobre o mapa da Lua Nova em Escorpião, que inaugura essa lunação que será marcada por um bom nível de tensão e apreensão, sim — mas também de alívio. E pra quem sobreviveu os últimos 4 anos entre tanta desgraça, o qualquer vislumbre de encerramento desse capítulo da história não é pouca coisa.
Antes da interpretação dos mapas, aproveito pra fazer um pedido: meu aniversário é nessa quarta-feira e o melhor presente que eu poderia ganhar é você assinar a Meio do Céu como apoiador — para isso, basta atualizar o status da assinatura nas configurações da sua conta do Substack. Além da minha eterna gratidão por apoiar meu trabalho independente de estudo, interpretação e escrita sobre mapas coletivos do Brasil, assinantes também recebem edições exclusivas com análises e explicações aprofundadas. E digo mais: o Lunário 2023 vem aí em novembro e quem for assinante e comprar vai ganhar um brinde muito especial, que eu tô preparando desde já. Depois não digam que não avisei, hein?
(E por último, um pedido de desculpas aos assinantes: na loucura de acontecimentos desse mês, não consegui finalizar ainda a edição exclusiva especial sobre Saturno em Aquário e Leão, mas prometo que ela sai logo após o segundo turno.)
lunação de escorpião
25 de outubro a 22 de novembro de 2022
Há uma história na mitologia grega da qual me lembrei observando esse mapa da Lua Nova: a punição de Órion por seu atrevimento. Uma das versões mais conhecidas é a de que Órion, um exímio — e arrogante — caçador declara sua decisão por matar todas as criaturas que existiam; em resposta à essa afronta sobre suas crias, Gaia, a Mãe-Terra, envia um escorpião para picar Órion e baixar a bolinha dele. A associação cultural do escorpião à ideia de vingança tem bastante a ver com esse mito, aliás. Terminado o ataque, enfim, tanto Órion quanto o escorpião são transformados em constelações no céu.
A lembrança desse mito não é por acaso, já que a constelação de Órion está ativa nos mapas dos ingressos para o Brasil desse ano: no ISA, temos a estrela Betelgeuse conjunta bem próxima ao ascendente; já no mapa do Ingresso Solar em Libra, mais recente, Betelgeuse aparece novamente, agora junta ao Lote da Fortuna, e também Rigel, conjunta justamente ao Marte em Gêmeos!
Praticar astrologia envolve, às vezes, pinçar uma série de símbolos e significados e perceber relações menos óbvias que existem entre eles. Essa reunião improvável de significados, agregados, remontam ao mito que contei acima: Marte é o planeta que começou a segunda metade do ano astrológico conjunto à uma estrela de Órion, e ele irá retrogradar justamente dentro dessa lunação, que é de Escorpião. Faz sentido pensar que esse ciclo que se inaugura na próxima terça-feira será marcado por algum tipo de punição ou pela derrocada de alguma figura bélica e arrogante, que precisa ser colocada em seu devido lugar. (Sim, eu sei em quem vocês pensaram.)
Pra coroar esse enredo dramático, o mapa que inaugura o ciclo é de uma Lua Nova que também é um eclipse solar. Esse não será visível no Brasil, portanto, não deve ter uma relevância tão imediata e direta para nós; por outro lado, ele vai pegar em cheio a Rússia e boa parte da Europa e do Oriente Médio também. Os efeitos em cada local dependem muito do contexto específico e dos mapas dos países em que esse evento se dá, mas como escrevi lá em maio, eclipse não costuma ser sinal de coisa boa ou fácil: na literatura astrológica tradicional, o Sol representa autoridades e figuras de poder, e eclipses solares costumavam ser agouros especialmente ruins para reis e imperadores. Na realidade atual, podemos pensar em danos mais diretos aos líderes de países em que o eclipse será visível: Vladimir Putin, presidente da Rússia, (um país que está em guerra!) é um provável alvo de grandes prejuízos nos próximos meses — talvez até anos, já que os efeitos visíveis de eclipses solares podem se estender por bastante tempo.
Essa previsão é observável até no mapa da lunação aqui para nós, no Brasil: quem ocupa a casa 7 (países estrangeiros) é o próprio Marte em Gêmeos prestes a retrogradar, o que, a julgar pelo restante do mapa, indica movimentações importantes e agitação no âmbito internacional, ainda que não envolvendo o Brasil diretamente. Algum tipo de decisão sobre conflitos pode ser repensada, ou um acordo suspenso? Além disso, pela natureza de Marte em Gêmeos, que é de espalhamento, dá pra pensar também em maior envolvimento de outros países nas negociações sobre a própria guerra da Ucrânia, na busca de resolução? A resposta é sim para todas essas perguntas. Tudo isso poderia ocorrer durante essa lunação, pois há margem astrológica para tal. Porém, como ando bem pouco informada sobre a política e os conflitos internacionais, prefiro evitar palpites mais precisos. O que dá pra esperar, de forma geral, é uma modificação no estado dos confrontos que estão ocorrendo lá fora.
Para nós aqui no Brasil, o cenário é o seguinte: o ascendente do mapa da Lua Nova está em Sagitário, sendo regido por um Júpiter retrógrado em Áries na casa 5. Um Júpiter que já voltará para Peixes no dia 29, antes mesmo do segundo turno — um dos testemunhos que mais favorecem a vitória da oposição no pleito.
Os luminares (Lua e Sol) se encontrando na casa 12 também dão o tom da lunação: climinha de tensão, conspiração e… punição também, será? Bom, o Sol aparece regendo o ângulo do MC, isto é, representando o próprio Bolsonaro; um Sol eclipsado na casa 12 é sinal de uma situação bastante ruim e apreensiva para ele, a cara da derrota mesmo. Mas podemos estar falando de uma punição mais concreta em relação à um assunto em muita evidência atualmente: o orçamento secreto. Como bem apontado pela Patrícia na oficina sobre essa lunação, a Vênus em Escorpião combusta pelo Sol na 12 é regente da casa 11, o Congresso — envolvido diretamente nesse esquema —, sendo representanto, portanto, por um planeta numa condição bem adversa. Como a Ju Machado apontou, a quadratura que vai se formando entre Vênus e Saturno (sendo ele regente da casa 2) a partir desse mapa tem muita cara de pressão sobre esse assunto específico (lembrando, aliás, que a casa 12 se refere a segredos e esquemas ocultos). A primeira prisão de uma pessoa ligada ao orçamento secreto já ocorreu nos últimos dias, essas buscas podem se desenrolar com mais força após o resultado das eleições.
Reitero também o que já escrevi em outras ocasiões, ao longo desse ano: apesar de ameaças, manipulação e muita tensão no ar, não enxergo viabilidade de golpe de Estado ou ataques efetivos à figuras da oposição nesses mapas — pode até haver tentativa, mas não dá certo. O retorno de Júpiter à Peixes e a retrogradação de Marte são os principais testemunhos que sustentam essa certeza no mapa da Lua Nova.
No mais, o tempo é de tentar manter a cabeça fria, extravasar a tensão de formas seguras, não cair em paranóia e agir com estratégia, uma qualidade do signo de Escorpião: estar vigilante, saber quando agir e como se defender são ações vitais para esse ciclo. Recomendo evitar excesso de exposição (especialmente nas ruas) e gastos desnecessários durante esse ciclo. Por fim, vale dizer que a lunação também promete trazer noites de sono difícil — e isso somado à tensão coletiva que, naturalmente, já desgasta o corpo —, portanto, tratem de descansar e cuidar da saúde física e mental apropriadamente. A vitória vem, mas passar tanto sufoco cobra seu preço. Desejo, enfim, uma boa Lua Nova para nós.
As previsões escritas acima foram elaboradas coletivamente na última oficina de prática de astrologia mundana ministrada por mim com os seguintes participantes: Bells Fernandes, Bia Cardoso, Carola Braga, César Daher, Isabela Morais, Ju Machado, Luisa Nieme, Marina Bohnenberger, Patrícia Guedes, Pedro Joffily, Sarah Marchon e Silvana Braggio.
para ouvir
“Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição” — quem canta é o Mano Brown, nativo de Lua em Escorpião (e Marte em Gêmeos, como bem lembrado pela Letícia nesse post). A minha indicação musical da vez só poderia ser a playlist Lua em Escorpião, criada por mim e reelaborada coletivamente quando fiz parte do Vega. É uma seleção de mais de 6 horas de duração, feita apenas com canções de músicos nascidos da Lua em Escorpião — um trabalho fruto de muita pesquisa de datas de nascimento e curadoria musical. Além do Mano Brown tem Dona Ivone Lara, Ney Matogrosso, Belchior, Bezerra da Silva, Urias, Björk… só peso pesado mesmo. Essa playlist é imperdível, uma das minhas favoritas do projeto das Luas. Dá um play aí:
para experimentar
Há uns meses atrás conheci César, que me procurou para trocar uma ideia sobre um aplicativo de visualização do céu que elu estava desenvolvendo. Fui testando o software e conversamos algumas vezes sobre a usabilidade, interface e as informações astrológicas que o programa ofereceria. Agora, o Horoskopos está pronto e disponível para quem quiser usar! Ele pode ser instalado tanto no Windows quanto no Mac, é gratuito e opensource: para baixar, basta acessar o site. Fica a dica para quem gosta de astrologia e tem curiosidade de visualizar melhor como os planetas e aspectos ocorrem no céu — para quem, como eu, vive em grandes centros urbanos sem tanta visibilidade, é uma excelente pedida.
um abraço e até semana que vem,
Maravilhosa análise, Ísis!
Me deu uma injeção de ânimo, força, alegria!
O genocida vai cair, e cair feio como ele merece!
Depois gostaria de saber como participar das oficinas, embora meu conhecimento não seja grande como o de vcs. Seria mais uma oportunidade de aprendizado. Bjs