“Exu matou um pássaro ontem com a pedra que só atirou hoje”
— Itã Iorubá
A aproximação com a astrologia, num primeiro momento, pode gerar alguns equívocos a respeito do Tempo. Entrar em contato com a noção de destino ou receber previsões, por exemplo, podem fazer com que uma pessoa pense que tudo está dado: os fatos estabelecidos, as ações já esperadas de acontecer de uma forma e não outra. Nada disso é a realidade, claro — e a meu ver, a retrogradação dos planetas é um evento que demonstra bem a maleabilidade e flexibilidade que também constituem esse tempo que observamos na astrologia.
Mas antes de falar de retrogradação, vale retomar o básico. Vivemos num mundo em que se a compreensão hegemônica do tempo é a linear. É o tempo do relógio, do calendário, do passado-presente-futuro bem definidos e apartados, da busca e valorização constantes pelo que vêm em frente. Passado velho e atrás, futuro novo e adiante. Mas na cosmovisão astrológica, o tempo é circular, cíclico. Não há marcadores fixos sobre ele: tudo o que nos rodeia está em constante movimento, e esse movimento oscila em sentido periodicamente. Planetas como Júpiter e Saturno passam cerca de 1/3 da sua trajetória celeste em movimento retrógrado; Mercúrio passa por três retrogradações por ano. Como já escrevi em outra ocasião,
“O tempo é a trama no tecido da vida. Ele não permeia a vida, ele a sustenta, torna-a possível nesse espaço-tempo terrestre. O tempo é a trama no tecido da vida e por ele tentamos costurar caminhos, floreios e às vezes damos uns nós indesejados em seu território.”
A retrogradação, portanto, é parte dos ritmos da natureza e, se em outro momento escrevi sobre ela fazendo paralelos com ações de manutenção e reparação, hoje aproveito para ampliar um dos significados que carrega o ditado iorubá que abre essa edição: as voltas do tempo como abertura e oportunidade de reinvenção do passado. A compreensão de que as coisas que nos ocorrem podem ser reinauguradas e revisitadas de muitas formas: o que frustra ou não se entende, hoje, pode sim ser compreendido ou modificado amanhã. O que já se viveu muda ou se ressignifica nos meandros do tempo. Sim, o estudo da astrologia ensina que o destino nos oferece ou nos priva de certas possibilidades na vida, mas é maleável e flexível sobre como passamos e nos afetamos por essas experiências. Como minha amiga Bárbara bem explicou certa vez, o oráculo pode prever o evento, mas não prevê a experiência em si que se tem dele.
No pulso esquerdo o bang-bang
Em suas veias corre
Muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança um samba de tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores
Ele põe os olhos grandes
Sobre mim...— “Tropicália”, Caetano Veloso
A essa altura, quem acompanha essa newsletter já deve ter compreender também que posicionamentos e configurações planetárias na astrologia não são simplesmente bons ou maus: eles servem melhor ou pior a algum tipo de coisa. A retrogradação — em especial o início desse movimento reverso — prejudica os temas simbolizados por aquele planeta, podendo atrasar e impôr mais obstáculos ao desenrolar de ações e iniciativas pertinentes à ele. Daí vem a orientação de muitos astrólogos de que o momento em que um planeta como Marte retrograda não costuma ser um tempo propício à começar novas investidas de pioneirismo, força ou competitividade por exemplo — porque tudo isso é regido por Marte, e Marte agora irá perder seu ímpeto de foco e coragem, dispersando-se ainda mais no ar mutável de Gêmeos. Uma ofensiva de guerra ou uma tentativa de golpe no momento de retrogradação desse Marte, por exemplo, podem até instaurar caos, instabilidade, rumores e confusão midiática, mas dificilmente irão conquistar resultados sólidos.
O convite que faço nessa retrogradação, enfim, é à reinauguração do passado, à revisitação do que já passamos a partir de ações do tempo de hoje. Não cabe a indiferença ou ignorância sobre o que já nos ocorreu, mas o ditado de Exu é um lembrete sobre o poder da ação entre as frestas abertas no tempo. É um aprendizado para colocar no bolso e carregar perto de si pelas próximas 11 semanas que durarão essa retrogradação. Que seja, enfim, oportunidade de refazer e reinventar os cenários de terror que nos assombraram os últimos anos.
marte retrograda em gêmeos
efemérides
Marte começa sua retrogradação às 10:26 de amanhã, 30 de outubro. Ele estará no grau 25º de Gêmeos, nesse início de movimento retrógrado.
Ao longo de novembro, dezembro e metade de janeiro, esse Marte em Gêmeos irá voltando os graus de Gêmeos, pouco a pouco. Como escrevi na edição #55, um período de grande relevância será na temporada de Sagitário, do fim de novembro até meados de dezembro, quando esse Marte receberá oposições do Sol, Vênus e Mercúrio — quando poderemos esperar a forte ativação de temas de conflitos internacionais e até uma possível fuga do país pelo atual presidente (que será derrotado amanhã).
Nessa retrogradação, Marte voltará até o grau 8º de Gêmeos — que ele percorreu, inicialmente, no último dia 3 de setembro. Muitos eventos e ativações nas proximidades dessa data poderão ser revisitados em janeiro, quando ele estará se reaproximando desse grau de outrora.
Daí, às 17:57 do dia 12 de janeiro, Marte retomará o movimento direto. Por estar novamente no início do signo de Gêmeos, ele percorrerá esse signo pela segunda vez por mais algumas semanas, nos levando até o ano novo astrológico em 20 de março de 2023. Em outras palavras, teremos Marte em Gêmeos pelos próximos 5 meses, aproximadamente.
controle e dispersão
Falando especificamente no contexto atual, é válido lembrar que a retrogradação de Marte começa justamente numa Lunação de Escorpião, signo do qual ele é regente. Nessa mesma lunação do ano passado, na edição #15, escrevi o seguinte sobre o lacrau:
Escorpião também é um signo muito relacionado à ideia de regeneração, uma associação curiosa para um signo de água fixa, que tem muito mais a ver com a qualidade de manutenção, não de transformação. Talvez o que Escorpião melhor exprima enquanto signo seja justamente a ação de sustentar. Viver, sentir e se colocar, apesar de [tudo]. […]. Ao olhar para o mapa dessa Lunação de Escorpião, duas chamadas me vêm à mente: bancar o desconforto e assumir posição.
Manutenção, manter a tensão. Estar em controle. (Não é de graça que os nativos marcados pelo signo de Escorpião têm a fama de controladores.) O início de uma retrogradação num signo mutável como Gêmeos pode gerar um climinha de energia caótica — e numa lunação escorpiana, isso vem nos desafiar a lidar com a aflição de não estar em pleno domínio, como se fosse preciso liberar a tensão. É interessante porque Gêmeos e Escorpião são signos que não se aspectam, e de alguma forma são avessos um ao outro: se Escorpião é a água fixa que sustenta uma tensão sobre sua superfície, Gêmeos é a brisa de ar faceiro que se espalha pelos cantos de forma leve e ágil. É leveza contra densidade.
Depois de um mês de agonia e tensão no corpo, o melhor que poderíamos esperar é mesmo que essas se dispersem — a questão é que, no início de uma retrogradação, a turbulência pode vir de onde não se espera, quando baixamos a guardar. Essa ainda é uma lunação que pede atenção, vigilância e parcimônia. A vitória vem, mas não se deve relaxar de imediato. Como já escrevi outras vezes, seguiremos num clima de bastante agitação e instabilidade até meados de dezembro.
plantão: céu da semana
Sentiram saudade dessa editoria? Se você gosta de ler esse conteúdo e se preparar para a semana à frente, deixa um comentário aí pra eu saber se ela fez falta. Considerando o período periclitante pós-retrogradação e segundo turno, achei conveniente trazer uma interpretação do que podemos esperar dos próximos dias.
De forma geral, os primeiros 7 dias após o início de uma retrogradação são os que trazem maior instabilidade em relação aos assuntos do planeta. Daí, de forma prática, essa semana se coloca como um período de maior de atenção aos conflitos, revoltas e ameaças, que certamente irão pipocar. Como Marte ocupa a casa 7 da lunação e dialoga diretamente com Saturno na 3, a primeira desestabilização vêm mesmo na forma de desentendimentos na lida direta com outras pessoas e nos cenários de deslocamentos, como as ruas. O medo não deve prevalecer, mas recomendo sim manter a atenção e resguardar-se. Júpiter de volta à Peixes nos garante algumas sortes e contenção de danos, mas não se deve abusar da impulsividade.
Amanhã é domingo e a Lua em Capricórnio alcança o sêxtil com Vênus em Escorpião no início da madrugada, passando o dia sem completar mais aspectos, mas buscando outro sêxtil com Júpiter em Peixes. O domingo, portanto, é um dia de Lua entre aspectos de benéficos, o que parece promissor. Em outras palavras, a união vence, a frente ampla vence e a gente respira aliviado — mas é um alívio ainda no gosto amargo de uma Lua em Capricórnio, sobrevivendo no desconforto de ter que lidar com tanta barbárie. Além disso, como disse acima, Marte retrograda às 10:26 da manhã.
A manhã de segunda-feira vem em tom de esperança, com a Lua em Capricórnio se aproximando do sêxtil com Júpiter em Peixes. No início da tarde, ela ingressa em Aquário e se prepara para algumas quadraturas mais tensas. A primeira é no fim da tarde de segunda, com Mercúrio em Escorpião: mau humor, falta de paciência e discussão. Uma tarde de segunda de difícil concentração, que só engrena na base da insistência mesmo.
A terça será o dia mais difícil da semana. Na madrugada, a Lua em Aquário alcança o Quarto Crescente, prometendo insônia e inquietação. Pela manhã, ela encontra quadratura com a Vênus em Escorpião e, à noite, a conjunção com Saturno. Um dia de tensão no ar, rigidez, teimosia, desconfiança e movimentos esquivos. Talvez pinte alguma surpresa desagradável. Na medida do possível, evitar os compromissos ou encontros mais delicados aqui.
Na quarta temos a Lua em Aquário completando trígono com Marte em Gêmeos pela manhã, e ingressando em Peixes no meio da tarde. A tensão do dia anterior começa a se dissipar e algumas resoluções são tomadas. Um dia de atravessamento, encaminhamento e negociação, mas um pouco disperso.
A quinta-feira, por sua vez, parece ser o dia mais fluido e desimpedido da semana: a Lua em Peixes alcança três trígonos com Mercúrio, Sol e Vênus em Escorpião. É um dia harmonioso, de alianças e conciliação — mas ainda estamos na sombra da retrogradação de Marte e numa lunação de Escorpião, então nada de calmaria e mar de rosas por aqui. Na medida do possível, é um dia de cenário mais fluido e produtivo, ainda que de forma comedida e silenciosa, sem grandes estardalhaços. É preciso lembrar que Escorpião versa sobre estratégias efetivas, mas discretas: até quando ferroa, não faz barulho, mas ataca e sai de cena, muitas vezes, de forma imperceptível.
A sexta é um dia agitado, com a Lua crescente em Peixes enchendo-se de coragem e rebeldia: ela encontra a quadratura com Marte em Gêmeos no início da tarde e a conjunção com Júpiter no cair da noite. Ainda à noite, ingressa em Áries e fica a vagar sem aspectos durante todo o sábado seguinte, como se estivesse se preparando para os aspectos que irá encontrar no domingo. Mas é uma Lua acesa em Áries, inflamada, que mobiliza-se com coragem, contra o medo. Tem uma cara de confiança, celebração e enfrentamento, sem medo de ser feliz. Na semana seguinte já chega a Cheia. No mais, desejo uma boa semana de alegria, consciência & e esperança para nós. Até o próximo domingo!
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um abraço e até semana que vem,
céu da semana, sempre!
Céu da semana: voto sim!! Rsrs