Hoje eu chego com mais uma edição fora do padrão semanal, dando continuidade à série as qualidades dos elementos na astrologia. Mês passado tivemos a edição #58 em que escrevi sobre o fogo cardinal de Áries, o fogo fixo de Leão e o fogo mutável de Sagitário. Dessa vez, trago uma edição dedicada às diferentes qualidades do elemento terra, expressas pelos signos de Capricórnio, Touro e Virgem.
A ideia dessa série é aprofundar e enriquecer um pouco mais a percepção de vocês sobre cada um dos signos e quais significados eles podem assumir, quando ocupados pelos planetas. É um conteúdo introdutório e pensado para ser acessível a um público amplo, desde os curiosos até os profissionais da astrologia.
Se você não leu a edição sobre a triplicidade do fogo, recomendo começar por ela e depois voltar aqui: como foi o início da série, esse primeiro texto introduz melhor o tema geral sobre o que são os elementos na astrologia. Agora, seguimos para conhecer as diferentes qualidades da terra.
sobre a triplicidade da terra
Ao vir de antiga terra, disse-me um viajante
Duas pernas de pedra, enormes e sem corpo,
Acham-se no deserto. E jáz, pouco distante,
Afundando na areia, um rosto já quebrado,
de lábio desdenhoso, olhar frio e arrogante
Mostra esse aspecto que o escultor bem conhecia
Quantas paixões lá sobrevivem, nos fragmentos,
À mão que as imitava e ao peito que as nutria
No pedestal estas palavras notareis:
”Meu nome é Ozimândias, e sou Rei dos Reis
Desesperai, ó Grandes, vendo as minhas obras!”
Nada subsiste ali. Em torno à derrocada
Da ruína colossal, areia ilimitada
Se estende ao longe, rasa, nua, abandonada.— “Ozimândias”, de Percy Shelley, 1818
(tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos)
Venho pensando sobre o elemento terra há vários dias, ruminando sobre o que escrever para essa edição. Daí tropecei nesse poema — que já me inspirou a escrever e criar uma colagem, em 2019 — e o reli. O tema principal que ele encarna é a efemeridade de qualquer delírio de poder e autoridade perante o efeito do Tempo; porém, dessa vez, me chamou a atenção outro aspecto contido nele: a resistência dos restos da estátua no cenário de devastação descrito no soneto. Não é uma mudança da narrativa do poema, pois o tempo segue soberano: os sentimentos, as ideias e as ações desaparecem com facilidade sob sua passagem, sobrevivendo apenas quando registrados na matéria. Mas o material da antiga estátua do rei — a materialidade que encarna a autoridade daquela estátua — é dura, perene, persistente. Está aí uma síntese do elemento terra: sua solidez e propriedade de construir, permanecer e manter-se, mesmo enfrentando muitas adversidades. Não é que a terra seja infinita, é claro — mas por ser tangível, ela difere dos outros elementos em durabilidade por sua simples materialidade.
Na astrologia, a terra é um elemento de qualidades fria e seca. A “secura”, como expliquei na edição do fogo, tem a ver com a resistência e inflexibilidade desse elemento como algo rígido, que não se adapta ao meio; a “frieza”, por sua vez, denomina a propriedade de manter-se em si mesmo, contido, não tendendo à expansão e movimento exterior como o fogo e o ar fazem. A terra, enquanto elemento, permanece em si e oferece resistência — e por isso mesmo, conserva-se por um longo tempo. Pode parecer meio óbvio falar de terra, já que é algo que todo mundo conhece, mas crescer nas cidades grandes pode nos afastar de uma compreensão mais rica sobre suas variedades.
A terra tem a ver com a ideia de sustento. A relação é óbvia: sem terra, não há alimento, e todos precisam comer. O alimento é o que nos mantém vivos, daí a palavra mantimento. O elemento terra nos sustenta nesse sentido nutricional e também no literal, já que caminhamos sobre ela. Há uma certa seriedade e compromisso atribuídos ao elemento terra por ele tratar de coisas bem palpáveis e necessárias mesmo, como o alimento e o abrigo: é por meio da lida com a terra e a materialidade que o ser humano obteve e construiu esses bens necessários.
O astrólogo contemporâneo John Frawley faz uma associação interessante da terra e do temperamento melancólico, relativo à esse elemento. Ele diz que o melancólico tem a motivação por ter e manter — o que, num estado agravado, pode sim tornar alguém temeroso e avarento, mas num sentido menos drástico, leva à contemplação; uma relação de respeito e valor sobre o que se obtém por meio da materialidade.
Na astrologia a terra é associada à Saturno e Mercúrio, planetas que compartilham das mesmas qualidades fria e seca desse elemento, e não é difícil entender o porquê: Saturno é, afinal, o próprio Tempo, exprimindo as virtudes da paciência, do compromisso e da disciplina; Mercúrio é o regente da mente racional e trata do conhecimento, da lógica e do aprendizado. Para lidar com a materialidade e obter qualquer coisa dela, é preciso uma boa dose desses atributos que eles manifestam. Observemos mais de perto, então, cada um dos signos que compõem diferentes qualidades do elemento terra.
capricórnio: a terra cardinal
Por motivos “didáticos”, hoje vamos subverter a ordem zodiacal e começar falando de Capricórnio, que é a terra primeira, a terra cardinal.
Capricórnio é como um terreno pedregoso e íngreme. Uma terra num estado mais bruto, sem grandes intervenções e, por isso mesmo, intimidadora à primeira vista. “Dá pra tirar algo daqui?”, poderíamos nos perguntar, observando o local. A resposta seria: ô, se dá, cê nem imagina. Mas trabalhar nesse terreno exige, muito mais do que uma empolgação inicial, bastante persistência e determinação — além da paciência de persistir ao longo do tempo, claro. Não se obtém nada de um local desses do dia pra noite.
Uma pedra é um símbolo perfeito da qualidade cardinal ou móvel da terra de Capricórnio: ela pode ser transportada e movida de local com relativa facilidade, e diferentes usos podem ser feitos a partir de seu estado rudimentar, da criação de ferramentas e esculpimento de imagens, até o erguimento de muros e construção de cidades. O que realmente é preciso é firmeza e persistência para manuseá-la. Outra boa imagem representativa dessa terra cardinal seriam as partes do tronco e raízes de uma árvore: a estrutura que sustenta e mantém tudo firme e de pé.
Em suma, a qualidade cardinal da terra de Capricórnio trata de uma matéria bruta da qual se pode criar ou iniciar uma variedade de coisas concretas. Seguindo as frases-síntese sobre cada um dos doze signos, que escrevi numa edição exclusiva do começo do ano, essa é a de Capricórnio: construir a materialidade duradoura; em outras palavras, erguer uma estrutura que resista e honre os efeitos do Tempo. A terra de Capricórnio também exprime o pioneirismo intrépido da força do trabalho aplicado à algo que poucos enxergam valor aparente, seja empunhando uma enxada, cavucando o solo inóspito, escalando pedras ou subindo montanhas.
touro: a terra fixa
Touro é a terra da floração e da colheita: embelezada por flores e folhas ou abundante de vegetais maduros. A terra em seu estado mais fértil, num momento em que basta estender a mão para alcançar uma maçã ou colher um ramo de couve; quando se sente o aroma de um pé de maracujá florido ou de uma mangueira já carregada de frutos. A terra fixa exala uma fecundidade que pode ser vista, ouvida, tocada, cheirada e degustada — não à toa, a depender do mapa, certos planetas posicionados em Touro podem significar sentidos físicos bastante aguçados (já viram aquelas provas cegas de paladar que fazem em programas tipo MasterChef? Um palpite que eu daria é que quem se sai bem nessas tem um ascendente ou Lua em Touro, por exemplo).
Se o elemento terra como um todo tem a ver com a ideia de sustento, a terra fixa seria exatamente o auge desse sustento: o alimento, o conforto e o relaxamento que vem ao poder desfrutar do que há de bom e prazeroso nessa tal materialidade. É o sustento a serviço da manutenção e do gozo do corpo. A terra fixa é a pura fruição do esforço e trabalho que vieram antes, e agora podem ser saboreados. (Cabe aqui a questão sobre o maior clichê desse signo: são os planetas em Touro que expressam gula e preguiça, ou a gente que sobrevive no capitalismo e não sabe mais usufruir dos frutos rendidos pelo trabalho?)
Para entendermos a terra “fixa” de Touro, podemos imaginar um pedaço de terra no momento da colheita: é uma terra já trabalhada, estabelecida, farta. Não é possível movê-la dali, simplesmente. Também serve imaginar uma pequena árvore frutífera que acabou de dar frutos: você não deveria, no momento desse ápice, replantá-la ou mexer muito em seu substrato, porque essa mudança prejudicaria seus frutos. Não se mexe à toa na terra fixa. De volta à imagem das partes da árvore, se a terra cardinal pode ser associada ao tronco e às raízes, a terra fixa se refere às flores e frutos, justamente o que nos é ofertado para subsistência. Touro trata, enfim, de usufruir da capacidade de permanecer.
virgem: a terra mutável
Virgem é uma terra transitória: como um terreno remexido após a colheita da safra, que precisa do cuidado de preservação epreparo para novos plantios; ou mesmo uma terra arada, já pronta para receber novas sementes. Como expliquei falando sobre Sagitário, a qualidade mutável diz respeito tanto às dinâmicas de encerramento quanto de recomeços, assumindo na maior parte do tempo a dinâmica de transformação — aqui, no caso, a nível material.
Um terreno antes e após a colheita demanda limpeza de resíduos, controle de ervas daninhas e manejo dos seres que habitam o local; antes de um novo plantio é necessário recuperar a terra e selecionar as sementes; já após uma colheita, é preciso separar, organizar e conservar os alimentos. A terra mutável também é essa transformação do sustento por meio da fragmentação de processos, discriminando e aprimorando as etapas e elementos envolvidos, e o que se determina fazer a partir do que foi obtido. É, enfim, a materialidade a serviço da utilidade e do uso que fazemos das coisas — vem daí, aliás, todo o repertório simbólico de recursos e capacidade de ordenação e sistematização associados à Virgem.
Nas partes de uma árvore, cabe bem à terra mutável as sementes, os galhos e as folhas: são os componentes desse ecossistema que mais se transformam na passagem das estações; as sementes, em especial, são tanto resultado do amadurecimento da planta quanto promessa de um novo broto que poderá existir. (Novamente, como falei no texto anterior da série, há um quê de esperança na qualidade mutável justamente pela perspectiva do recomeço — embora a terra de Virgem seja um tanto mais realista e pragmática do que o fogo de Sagitário).
A qualidade mutável da terra de Virgem se expressa, portanto, como uma materialidade transitória, marcada pela repetição e aperfeiçoamento. É a terra utilizada, calejada, que conserva em sua substância a experiência dos processos que passou. Por essa qualidade dinâmica de constante mudança e alteração tangíveis, Virgem trata de discernir como ferramenta para aprimorar.
para ouvir
Seguindo o tom dessa edição, minha recomendação de hoje é da playlist Ruminante, outra feita por Mar Muricy e inspirada no temperamento melancólico, associado ao elemento terra. (Como melancólica que sou, é a minha preferida dessa série!)
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