"Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem — pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela — apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpocasa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez".
— Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres
Já faz alguns anos que compartilho o trecho acima, a cada trânsito da Vênus por Sagitário. A primeira vez que li esse livro foi com uns quatorze anos, e sinto que ele contribuiu para que eu, já naquela idade, percebesse que a experiência de existir nesse mundo não é de todo racional, retilínea ou explicável. Desde então, o reli várias vezes — normalmente em momentos de angústia existencial, e por vezes apenas por alguns trechos, como quem abre um livro como um oráculo, numa página aleatória, na busca de alguma reposta ou orientação nas palavras escritas. Esse livro já fez coisas por mim que é difícil explicar, então prefiro nem tentar. Aliás, na semana passada, poucos dias depois que a Vênus ingressou em Sagitário, acordei um dia, fui lavar o rosto no banheiro e me veio subitamente o seguinte pensamento: tudo que é grandioso não cabe na palavra. Taí: podemos nos encantar e nos satisfazer com o que não é dizível. De certa forma, uma vitória da experiência sobre a mente.
Mas vamos falar mais dessa Vênus-centaura. Como expliquei numa edição especial sobre a Vênus, esse é um planeta que possui afinidade com os signos de Touro e Libra (seus domicílios), e também Peixes (sua exaltação), enquanto se expressa de forma avessa à sua natureza quando transita por Áries, Escorpião (seus exílios) e Virgem (sua queda). Há signos, portanto, que a Vênus passa boa parte do tempo peregrina — isto é, vagando por aí, sem grandes incômodos nem facilidades, entregue às circunstâncias do momento, à disposição do planeta que domina o local onde está, e também dos diálogos que consegue estabelecer com outros astros no céu.
Daí, pensando na Vênus como o planeta que trata de união, beleza e harmonia, podemos pensar que, quando ela está peregrina, tais temas irão se expressar de uma forma menos óbvia, ou até desobrigada dos significados essenciais desse planeta. Uma Vênus em Sagitário pode se manifestar de forma mais livre das demandas relacionais amorosas como aspecto central da experiência afetiva, por exemplo. Ocupando um signo regido por Júpiter como Sagitário, a experiência do amor e afeto por qualquer coisa ou pessoa pode ser ampla, diversa, oscilante e, quem sabe, também menos presa à condição codependente ou competitiva (tão frequentemente dada pelo meio social). Se ele fareja e sente que um corpocasa é livre, ele trota sem ruídos e vai — essa é minha parte preferida do trecho da Clarice.
Além disso, uma Vênus num signo de Júpiter pode dispor de amplos recursos do que significa a beleza e o prazer — como um olhar otimista, confiante e esperançoso sobre tudo que há para descobrir no mundo. Uma espécie de amplitude erótica, poderíamos dizer? Calorosa, mas descompromissada de certas convenções, burocracias e obrigações. O idealismo, claro, também é de Júpiter.
Por fim, cabe lembrar que Sagitário é um signo de fogo mutável que carrega o significado de transformação. A Vênus é um planeta que rege os cuidados e tratamentos, e sua passagem por Sagitário sempre me lembra do significado de cura: secar as feridas, tratar dos males, queimar os restos e transformar o que de ruim se passou para poder seguir em frente e cultivando vida, não dor e ressentimento. Não conheço uma só pessoa que não tenha sido profundamente machucada na vida, mas muitos de nós seguimos adiante sem dar conta do tamanho do estrago ocorrido, continuando a agir e se relacionar de forma destrutiva ou descuidada por aí. Acredito que todo mundo merece se curar, enfim, e desejo que consigam fazer isso por vocês.
Vênus segue galopante em Sagitário até o dia 10 de dezembro. (Mas não se preocupem porque depois, em Capricórnio, a coisa fica ainda melhor pra ela). Aproveitemos!
lunação de sagitário
23 de novembro de outubro a 22 de dezembro de 2022
A Ju Machado me convidou para falar justamente sobre essa Lunação de Sagitário no último episódio do podcast Água Fixa! Foi um papo super legal e descontraído sobre os temas desse ciclo, introduzindo e complementando bem várias previsões escritas aqui. Recomendo a escuta:
Se você está se perguntando por que o título dessa edição começa com “um último ato”, essa é a resposta: a Lunação de Capricórnio começa no dia 23 de dezembro, mas a atual Lunação de Sagitário será a última lunação completa do ano-calendário de 2022. Além disso, como repetido exaustivamente nos últimos meses, o segundo semestre prometia muita tensão e agitação, e cada semana no Brasil tem mostrado mesmo um tipo de caos diferente. A boa notícia é: chamo a Lunação de Sagitário de “último ato” porque, de fato, me parece que o cenário coletivo deve se estabilizar e ficar um pouco mais tranquilo lá pro meio-fim de dezembro. Mas a Lunação de Sagitário, sim, promete. Nada de calmaria para as próximas semanas.
No Brasil, a Lua Nova em Sagitário ocorreu na casa 7, local de relacionamentos — sejam harmoniosos ou conflituosos — e que, na astrologia mundana, versa sobre questões do cenário internacional e das relações com outros países. Em oposição aos luminares, Vênus e Mercúrio em Sagitário, temos um imprevisível Marte retrógrado em Gêmeos ascendendo ao leste, na casa 1. Para coroar esse campo de batalha, Mercúrio e Vênus, que não são de cortes e rupturas por natureza, surgem no mapa conjuntos à Antares, a estrela fixa que é o coração da constelação Escorpião, bélica e combativa. No topo do mapa, porém, há um Júpiter estacionário, prestes a retomar o movimento direto, mediando todos esses planetas e luminares citados como se tentasse apartar um rebelde perigoso de um grupo pilhado pra briga. Júpiter pode significar uma figura meio paternalista que bota ordem na confusão e resolve uma situação caótica; em vários mitos de Zeus, aliás, é exatamente essa a função dele.
Falando em termos mais subjetivos e comuns a todos nós, o alerta a ser feito sobre esse ciclo tem a ver com as relações sociais e os desentendimentos: como falei no episódio do Água Fixa, a palavra está inflamada e estaremos sujeitos à mais desentendimentos, oversharing (compartilhar demais), verborragia e sincericídio, sem conseguir calcular bem o impacto de diálogos e opiniões emitidas. Há uma inclinação a falar para ferir, para cutucar, o que pode causar estrago e arrependimento. O mais seguro a se fazer é não ceder ao impulso de expressar ou “cuspir verdades” (sempre relativas) no calor do momento — aliás, se me cabe algum conselho aqui, seria o de realmente evitar emitir tanta opinião e falar demais, pelo menos nessa primeira quinzena da lunação. Com Mercúrio conjunto à Antares e disposto por Júpiter, o comedimento ou o silêncio parecem uma boa recomendação; numa outra interpretação, podemos pensar também em outras formas de se comunicar e se expressar que não exijam a retidão e a precisão da palavra, cujas direções tendem a ganhar combustível extra durante esse ciclo. A questão aqui é: se quiser ou precisar entrar pra debater ou se expor, saiba como seguir até o fim sem se chamuscar.
Falando de questões mais objetivas, vamos à política: ao que tudo indica, Bolsonaro ressurge. Depois de semanas ofuscado e escondido pela derrota nas urnas, mandando recados confusos aos seus apoiadores acampados na frente de quartéis, me parece que o presidente volta a estar em evidência nessa lunação. Isso se dá, claro, à posição de Júpiter em Peixes cravado no ângulo MC: como símbolo, tal posicionamento pode significar algumas coisas. No pior dos casos, representa Bolsonaro em destaque e recebendo algum tipo de benefício à favor dele — nada que mude drasticamente a conjuntura geral democrática, ok? O resultado das urnas prevalece. No melhor dos casos, esse Júpiter na casa 10 pode estar marcando, na realidade, ações e decisões do governo de transição — a ideia de encerramento e transição é bem expressa pelo signo de Peixes —, que ganham ainda mais proeminência no período. De qualquer forma, porém, o (ainda) atual presidente ressurge das sombras de onde esteve nas últimas semanas.
O segundo perigo tem a ver com o Marte retrógrado em Gêmeos cravado no ascendente, o que traz problemas. Por reger a casa 6 e ocupar um signo de ar, me parece que ele vem marcando a continuidade do número de infecções por COVID pela próxima quinzena; a situação da doença parece ser atenuada ou ter alguma melhora com a chegada da Cheia no dia 8 de dezembro, e na proximidade dessa data deveremos ter boas notícias ligadas à vacinação contra a COVID ou outras doenças.
O que mais chama a atenção sobre Marte, porém, é o fato de que ele formará oposição com o Sol, Vênus e Mercúrio em Sagitário, aspectos críticos: estando Marte na casa 1 e o regente dessa casa 1 sendo Mercúrio oposto à ele, o que isso significa? Infelizmente, me parece indicar conflitos, brigas e violência envolvendo pessoas comuns. Como se uma parte da população se virasse contra outra, de forma física, súbita, imprevisível. Escrevo esse texto na sexta-feira, dia 25, quando foi noticiado um ataque a tiros em duas escolas no Espírito Santo — é o tipo de evento que cabe no simbolismo desse aspecto tenebroso. Lamentavelmente, o risco aumentado desse tipo de ocorrência dura até a Lua Cheia; especialmente ruim é o intervalo entre os dias 29 e 1 de dezembro (leia o céu da semana, logo abaixo). Dada a situação dos bolsonaristas ocupando ruas e estradas, é bem possível que esse risco bélico esteja relacionado à eles.
Voltando à falar de Júpiter, cabe lembrar que foi justamente na noite da Lua Nova, pouquíssimo após o fim da retrogradação desse planeta que Alexandre de Moraes negou o pedido de anulação do segundo turno das eleições feito pelo PL e cobrou uma multa de R$ 22,9 milhões dos partidos da coligação de Bolsonaro. Lembrem que juízes e juristas em geral são regidos por Júpiter, e quando um planeta termina sua retrogradação para retomar o movimento direto, ele fica especialmente fortalecido e evidenciado — tivemos um bom exemplo prático, enfim, do que acontece na teoria. Por outro lado, em termos mais específicos para esse mapa da Lua Nova, temos Saturno em Aquário regendo e ocupando a casa 9, a casa do Judiciário: é um posicionamento que, no contexto atual, auxilia na manutenção democrática e “segura” o Marte em Gêmeos de causar maiores estragos no poder público. O trígono Marte-Saturno se completa já na próxima segunda-feira, dia 28, e pode trazer novidades entre congressistas e/ou ex-aliados de Bolsonaro e os temas da justiça.
Por fim, quem me acompanha há algum tempo deve lembrar da previsão de fuga que fiz sobre o presidente, que envolvia ele encerrar o ano já fora do Brasil. Ainda acho bastante provável que isso ocorra dentro dessa Lunação de Sagitário, que dura até 22 de dezembro — o mapa da Lua Cheia no dia 8, em especial, acende um indício fortíssimo de uma viagem ao exterior da parte dele. Veremos.
No mais, vou deixar mais palpites sobre a Copa do Mundo para a próxima edição (falamos um pouco sobre isso no episódio do podcast), mas no geral é aquilo, né? Uma Copa meio sem clima, no contexto de um país com restrições que ferem os direitos humanos, nada muito leve ou descontraído. A dupla Mercúrio-Vênus representa bem os resultados improváveis de várias partidas até agora, dando “zebra” no placar (Alemanha e Argentina perdendo, por exemplo). Porém, ambos os planetas também estão com Antares, o que testemunha essa ferocidade meio exagerada e o humor de animosidade no evento, além das muitas contusões, faltas e cartões amarelos — aliás, um tipo de ocorrência física mais agressiva pode rolar no meio dessa próxima semana, entre terça e quinta, devido aos aspectos duros de Marte com Mercúrio e Vênus. Torcendo, enfim, que não seja nada de tão grave. No mais, é aquilo: se cuidem e sigam atentos, que o pior logo passa.
As previsões escritas acima tiveram colaboração da discussão coletiva da última oficina de prática de astrologia mundana ministrada por mim, recebendo os seguintes participantes: Bells Fernandes, Bia Cardoso, Carla O. Braga, Carola Braga, Heidi Capuzzo, Isabela Morais, Ju Machado, Katty Cuel, Lenine Murr Neves, Luisa Nieme Biondo, Mariana Brasil, Mariana Rüppel, Marina Bohnenberger, Sarah Marchon e Valéria Silva.
mini céu da semana
27 de novembro a 3 de dezembro de 2022
Cês sabem que essa editoria tá meio em suspenso porque demanda tempo demais para escrever toda semana (prometo reconsiderá-la na volta das férias ano que vem), mas como escrevi acima nas previsões, esse finalzinho de novembro pro início de dezembro tá esquisito, e sinto que sinalizar os dias mais complicados aqui pode ser especialmente útil para alguns de vocês.
No geral, o clima dessa semana é de ânimos exaltados, conflito e animosidade. O período mais complicado vai desde a madrugada da terça-feira (dia 29), até o início da tarde de quinta (dia 1). Nesse intervalo de tempo teremos conjunção Lua-Saturno, quadratura de Lua-Marte e as oposições de Mercúrio e Vênus também com Marte, o que evidencia os significados de agressividade e desentendimento que marcam a lunação. Antes disso, domingo e segunda são dias regulares, mas em que a proximidade dos aspectos de tensão com Marte já se antecipam, então o clima não fica exatamente tranquilo e relaxado. Já sexta e sábado mostram um céu bem melhor, com aspectos harmoniosos da Lua com o Sol e Vênus — a única exceção é o fim da manhã até o início da tarde do sábado, que parece um pouco atrapalhado e propício à acidentes. Apesar das turbulências no céu, desejo que seja uma boa semana para nós.
para ouvir
Sob a recém-Lua Nova em Sagitário, a indicação da semana só poderia ser a Lua em Sagitário canta, é claro: mais uma da série de playlists feitas apenas com canções cantadas ou tocadas por músicos que nasceram sob a Lua que nomeia a seleção. De Lua em Sagitário temos de Elza Soares à Lauryn Hill, de Gilberto Gil à Fred Mercury, de Mc Tha à Yoko Ono, de Mayra Andrade à Beethoven. Como todas as outras dessa série, essa playlist foi criada por mim e reelaborada coletivamente quando fiz parte do Vega. São mais de 6 horas de duração, pra ouvir de pouquinho em pouquinho durante essa quinzena toda. Solta o play, DJ:
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um abraço e até semana que vem,