Antes tarde do que nunca, cá estamos! Essa é a terceira e penúltima parte de uma série sobre as qualidades dos elementos na astrologia. Comecei em outubro falando sobre o fogo e, em novembro, sobre a terra. Com a chegada da última Lua Cheia no dia 8 de dezembro, que foi em Gêmeos, chego para escrever sobre as diferentes qualidades do elemento ar, expressas pelos signos de Libra, Aquário e Gêmeos.
Na astrologia, cada um dos elementos é associado a 3 signos; cada signo, por sua vez, incorpora esse elemento numa qualidade distinta. Libra é o ar cardinal, Aquário é o ar fixo e Gêmeos é o ar mutável. Cada um dos signos de ar, portanto, captura um modo de ação particular desse elemento. Decidi escrever essa série justamente na expectativa de enriquecer a percepção de vocês sobre cada um dos signos e compreender mais a fundo as diferenças entre eles — dessa forma, ampliamos e aperfeiçoamos também nossa capacidade de interpretar seus significados em diferentes contextos e mapas astrológicos.
Apesar de toda teoria por trás dessa série, esse é um conteúdo pensado para ser acessível a um público amplo, desde os curiosos até os profissionais da astrologia. Se você gosta dessa série, não deixe de indicar a leitura a mais pessoas, compartilhando o link dessa edição:
sobre a triplicidade do ar
“Nenhum ser vivo, porém, pode persistir indefinidamente, nem levar sua vida isoladamente. A continuidade da vida – e, portanto, também do conhecimento – exige de cada ser que desempenhe seu papel em trazer outras vidas à existência e sustentá-las pelo tempo que for necessário para que estas, por sua vez, gerem mais vida.
Segue-se que toda vida e todo conhecimento são intrinsecamente sociais, seja de árvores em uma floresta, de animais em um rebanho ou de seres humanos em uma comunidade. A vida social é uma longa correspondência. Mais precisamente, é uma malha emaranhada de correspondências, todas ocorrendo simultaneamente, que entrelaçam dentro e ao redor uma da outra. Elas correm, girando aqui e ali em tópicos como redemoinhos em um riacho. E elas têm três propriedades distintivas.
Em primeiro lugar, toda correspondência é um processo: ela continua. Em segundo lugar, a correspondência é aberta: não visa um destino fixo ou uma conclusão final, pois tudo o que pode ser dito ou feito convida a uma continuação. Em terceiro lugar, as correspondências são dialógicas. Eles não são solitárias, mas ocorrem entre os participantes. É a partir desses engajamentos dialógicos que o conhecimento surge continuamente. Corresponder é estar sempre presente na cúspide onde o pensamento está a ponto de se acomodar nas formas do pensamento. É captar ideias na hora, no fermento de sua incipiência, para que não sejam levadas pela corrente e perdidas para sempre.”
— Tim Ingold, trecho de Correspondences, p. 11 [tradução e destaques meus]
Sempre fico encantada quando encontro pensadores e teóricos de várias áreas do conhecimento falando sobre ou dialogando com a astrologia sem saber. O trecho acima, do antropólogo Tim Ingold, é um ótimo exemplo disso — ao descrever a vida social como uma longa correspondência e descrever suas três propriedades distintas, ele apresenta também as três qualidades expressas pelos signos do elemento ar: as correspondências são dialógicas (Libra, o ar cardinal), processuais (Aquário, o ar fixo) e abertas, pois não se encerram em si (Gêmeos, o ar mutável). Não cabe explicar aqui o conceito de “correspondência” que dá o nome ao livro dele, pois isso tornaria esse texto complexo demais, mas o trecho acima já dá um bom pano pra manga pra gente pensar sobre os significados do elemento ar do ponto de vista astrológico.
Se elemento fogo trata de ação, avanço, desenvolvimento e ampliação, e o elemento terra tem a ver com sustento, materialidade e manutenção, o que expressa o elemento ar? Bem, a vida como conhecemos nesse mundo não se trata apenas de agir e ter. Como o Ingold bem explica no primeiro parágrafo, toda vida e todo conhecimento são intrinsecamente sociais — ou seja, existem em relação. A relação e a interação dos seres vivos entre si produziu a comunicação, a linguagem, a sociabilidade e o conhecimento. O elemento ar trata exatamente desses aspectos da nossa existência — o mundo das ideias e do pensamento em diálogo.
Na astrologia, o ar é um elemento de qualidades quente e úmida. A “umidade” do ar se vê por sua afinidade e abertura para a troca, que tem a ver com um funcionamento maleável e adaptável ao meio em que está; o “calor” indica que a natureza do elemento ar é de irradiar e expandir, como o fogo.

Em termos planetários, o ar é associado astrologicamente à Júpiter, um planeta que compartilha das qualidades quente e úmida desse elemento. Para quem está começando nos estudos pode ser confuso pensar nessas associações, já que nenhum signo do ar é regido por Júpiter e a triplicidade do ar, em si, é regida por Saturno e Mercúrio em primeiro lugar, mas a ideia aqui é simplificar e pensar nos atributos mais essenciais de Júpiter enquanto planeta: a expansão e a busca por sabedoria. Essa é a natureza volátil e conectiva do ar, que será expressa de diferentes formas pelos signos de Libra, Aquário e Gêmeos.
Aqui cito novamente o astrólogo contemporâneo John Frawley, que faz uma associação interessante do ar e do temperamento sanguíneo, associado à esse elemento: ele diz que os sanguíneos abordam a vida por meio da razão, e que sua forma de se desenvolver é pela via do conhecimento. As pessoas do temperamento do ar, portanto, se ocupam de pensar, se comunicar, argumentar, elaborar e dialogar — mas toda essa expansividade, sociabilidade e abertura para troca não vêm de uma motivação emocional, e sim racional. Isto é, é uma ideia de escrita e comunicação mais como formas de conhecer a realidade e regulamentar uma ética para convivência social do que como meios para tecer belos poemas para quem se ama, entende? No fim das contas, é Júpiter no comando: ideias como vínculo de troca, diálogo coletivo e agregador. É um funcionamento de ênfase mental, não de sentimento (temas da próxima edição dessa série, aliás).
libra: o ar cardinal
Libra é uma brisa fresca que bate e acaricia o corpo. Uma coisa meio “as brumas leves das paixões que vem de dentro”. É um ventinho que bate e facilmente se percebe ter uma direção clara. Um ar fresco e simples, que não traz muita perturbação. Uma boa imagem para o ar móvel de Libra é daquele ventinho que entra pela janela num fim de tarde agradável. Ou talvez, um conjunto de nuvens fofas e bem delineadas que atravessam o céu em velocidade ágil e constante.
Pensando pela perspectiva literária, o ar cardinal de Libra seria como ler uma crônica ou uma peça de teatro curta. É agradável, focada em diálogos entre personagens ou na identificação entre autor e leitor. Em termos de narrativa, seria o início de uma história em que uma nova realidade é desvelada, em que os personagens principais são apresentados. É aquela primeira mensagem que se envia a alguém — Oi, como você está? —, que inicia um contato e é marcada por mais polidez do que o usual, além de ter alguma intenção ou objetivos subentendidos. É um ar que se desloca; uma comunicação que se abre; uma narrativa que se introduz. A direção é sempre para fora de si mesmo, buscando algo ou alguém para se encontrar ou se pôr em relação.
A qualidade cardinal ou móvel do ar de Libra trata de um pensamento inicial que inaugura uma comunicação ou narrativa, podendo se desdobrar e desenvolver de inúmeras formas. Continuando com as frases-síntese sobre cada um dos doze signos, escritas numa edição exclusiva do começo desse ano, essa é a de Libra: proporcionar e receber o afeto das relações. O ar principiante de Libra versa sobre viver plenamente a experiência social e estética das trocas por meio da iniciativa da comunicação.
aquário: o ar fixo
Aquário é como um vento consistente e carregado, mas difícil de se perceber: não se distingue com clareza a direção em que ele sopra, mas se sente no corpo a atmosfera mais densa que ele traz. É um ar mais “complexo”, vigoroso, que ajuda a compor um cenário que pode parecer um pouco hostil — pense num céu fechado e na ventania generalizada que precede uma forte tempestade, ou num cenário de deserto, em que o vento sopra firme e constante. Um conjunto de nuvens bem pouco definidas, que encobrem o céu dissipadas, como um fino véu branco, sem se mover muito.
Na literatura, poderia ser uma enciclopédia, um guia teórico, um livro de não-ficção: um texto marcado por descrições e pela distribuição do conteúdo em si, contendo informações que estruturam vários tipos de conhecimento. Numa narrativa qualquer, seria o desenvolvimento da história contada — aquele momento em que já estamos familiarizados com o contexto e os personagens. O ar fixo trata daquele tipo de mensagem que precede a introdução, apresentação ou cortesia iniciais, simbolizando o cerne da comunicação. É um ar que permanece; um diálogo que se alonga; uma narrativa que amadurece. O ar fixo de Aquário é marcado pela propriedade de distribuir e se espalhar de forma ampla e uniforme, sem direção específica.
A qualidade fixa do ar de Aquário envolve um pensamento de continuidade que amadurece uma comunicação ou uma narrativa, garantindo à elas desenvolvimento e expressividade. É um ar que distribui as ideias e pensamentos num ritmo mais lento, mas com grande alcance e potencial de distribuição — daí vem a associação clássica do ar de Aquário com as ideologias, que agregam grande número de pessoas e têm o potencial de conduzir e alterar sua forma de viver. Aquário trata de distribuir os alicerces do conhecimento e disseminar os saberes amadurecidos pelo tempo.
gêmeos: o ar mutável
Gêmeos é o vento inconstante e alternado num dia de clima imprevisível: ora bate forte, ora passa tranquilo, ora cessa totalmente. Ou aquele vento variável, que parece soprar em várias direções ao mesmo tempo. Um tipo de ar tão repentino quanto passageiro, que sacode e modifica o entorno, mudando o estado das coisas ou trocando-as de lugar. Uma boa imagem para o ar mutável de Gêmeos são aqueles redemoinhos de poeira ou folhas que se formam e se desfazem rapidamente em certos dias de vento. Um céu com nuvens de tipos e formas variadas: algumas dispersas e estagnadas e outras bem contornadas, passando ligeiras.
A forma literária de um ar mutável poderia ser a de um jornal, do feed do Twitter, de um livro de curiosidades, de um manual didático. Narrativamente, é o desfecho de uma história — muitas vezes, aliás, ambíguo ou com um final em aberto. Ou, ainda melhor, o "cliffhanger", aquele recurso narrativo em roteiro que encerra a história de uma série ou de um livro colocando o personagem numa situação-limite, já prometendo uma continuação. O ar mutável é a mensagem de despedida ou de "volto já", que finalizam um diálogo qualquer. É um ar que oscila em direção e intensidade e, por isso, circula muito, apreendendo e movimentando um grande número de informações e perspectivas. Por isso, possui a propriedade de aproximar e estabelecer pontos comuns ou distintos entre várias fontes de conhecimento.
A qualidade mutável do ar de Gêmeos versa sobre um pensamento passageiro que modifica uma narrativa ou comunicação, levantando curiosidade ou algum aprendizado sobre elas. É um ar ágil e fugaz, que puxa um fio de interesse a partir de pensamentos e ideias em curso, adicionando novas informações ou contestando fatos estabelecidos — não surpreende que a fofoca, normalmente efêmera e com múltiplos pontos de vista, seja um clichê associado à esse signo (embora também os noticiários e os boletins informativos, como esse daqui). Gêmeos carrega o potencial de aprender e ensinar com a variedade de ideias que se encontra pelos múltiplos caminhos percorridos, incluindo os atalhos e conexões improváveis entre eles.
para ouvir
Continuando as indicações dessa série, hoje recomendo mais uma das playlist que Mar Muricy fez, inspirada no temperamento sanguíneo (associado ao elemento ar), chamada Sangria:
O boletim meio do céu é gratuito, mas você pode se tornar um assinante pago e apoiar o meu trabalho.
Apoiadores recebem edições especiais da newsletter (pelo menos uma por mês!) com conteúdos exclusivos – análises de mapas e eventos, textos sobre teoria astrológica, estudos experimentais, etc. Nesse conteúdo exclusivo, recebo diretamente as sugestões de vocês e vale tudo o que a gente quiser observar e descobrir em termos de astrologia.
Quem apóia financeiramente pode optar pela assinatura mensal (cobrada a cada mês) ou anual (pagamento único, com um descontão). Para se tornar assinante pago, basta atualizar o status da sua assinatura nas configurações da sua conta do Substack.
um abraço e até domingo,