No fim da madrugada do último 20 de janeiro, o Sol ingressou em Aquário. Na tarde do dia seguinte, foi a vez de a Lua adentrar o signo do aguadeiro — e daí, cerca de duas horas depois, os dois luminares se uniram num só. Essa conjunção exata entre Sol e Lua é o que conhecemos como a Lua Nova, que sempre inaugura um novo ciclo celeste coletivo para nós. A partir daí, começamos a Lunação de Aquário, que segue até 19 de fevereiro, atravessada pela Lua Cheia em Leão no próximo dia 5.
O mito fundador do teatro conta que Téspis, durante uma celebração dionisíaca, teria pego uma cabeça de bode, colocado sobre si mesmo e declamado: “Eu, Dionísio, sou o deus do vinho”. Nascia ali, naquele momento, o teatro e o primeiro ator da história. As máscaras e encenações são mesmo associadas à Saturno, e nos ajudam a compreender o simbolismo de disfarces que Aquário exprime tão bem. Mas há mais a se desvendar a partir daí: Aquário, o ar fixo, representa também as ideias que se apresentam de certa forma à primeira vista, mas que podem não ser bem o que parecem. É um signo associado às ideologias e, avesso à Leão, representa um tipo de poder e autoridade que se impõem de forma menos perceptível, mas que pressiona intensamente as estruturas que firmam a organização social da forma como conhecemos.
Essa Lunação de Aquário carrega um significado especial, por ser a última que teremos com a presença de Saturno em Aquário até 2050. A nível subjetivo, se impõe uma busca por enxergar e compreender de forma mais abrangente os acontecimentos e circunstâncias vividos nos últimos meses. Não é fácil, porém, alcançar essa visão: se fosse um local geográfico, a casa 8 poderia ser descrita como um abismo — ainda alta, porém já próxima ao horizonte, com pouca luz disponível. Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você, disse o Nietzsche. Encarar a real natureza das situações em curso nesse momento pode ser desconfortável — mas há um pragmatismo nessa lunação que também nos mostra que essa é uma etapa necessária para saber onde estamos pisando e para onde gostaríamos de ir.
Durante esse ciclo, cabe bem aquele dito popular: quem procura, acha. Apesar dos receios típicos de uma lunação de casa 8 — apreensão, preocupação e uma latente sensação de risco de perda —, o ciclo também se inaugura com a potente presença de Júpiter em Áries no alto da casa 10. Júpiter proverá fôlego, resistência física, algum otimismo e senso de justiça a conduzir os eventos das próximas semanas.
Uma das músicas que se repetiu nos meus dias de férias foi “Canto chorado”, cuja letra sarcástica me fez lembrar dos símbolos desse mapa dessa Lua Nova em Aquário. Acho que, com isso, inicio também uma nova tradição de associar uma música à cada lunação. Vale essa escuta:
“Alegre é lugar de chegada
É triste com gente partindo
Tem sempre o adeus da amada
O riso chorado mais lindo
Eu posso cantar meu lamento
Também sei chorar de alegria
As velas no mar querem vento
No quanto é melhor calmariaO que dá pra rir, dá pra chorar
Questão só de peso e medida
Problema de hora e lugar
Mas tudo são coisas da vida”
Lunação de Aquário
Lua Nova: previsões de 21 de janeiro a 4 de fevereiro de 2023
Essa é uma Lunação que ocorre na casa 8 do mapa levantado para Brasília: de forma geral, dá pra dizer que esse será um ciclo marcado pela ênfase em temas considerados “obscuros” e pela vigilância (e punição) sobre atos criminosos. O tema do militarismo — e da tentativa de desmilitarização do governo, um processo difícil de ser revertido após os últimos meses — também protagoniza esse período.
O encontro dos luminares ocorre próximo à estrela fixa Altair, da constelação da Águia, um animal mitológico que simboliza a autoridade de Júpiter e, além de ser uma ave de grande porte que sobrevoa a grandes alturas, com capacidade de observar longas distâncias. A ativação dessa estrela produz um efeito positivo de ganho de visão sobre o cenário e circunstâncias atuais, após tantos fatos revelados no ciclo anterior. As ações do governo seguirão direcionadas à observação e dimensionamento de cenários de crise e irregularidades — com a contrapartida confiante de domínio e capacidade de interferir onde é preciso. O estado geral de vigiar e punir instaurado desde os atos terroristas e tentativas de golpe falhadas segue em curso.
O ascendente do mapa da Lua Nova em Aquário aparece próximo à estrela Castor, da constelação dos Gêmeos; no mito dos gêmeos, Castor é o irmão que morre numa batalha e por quem Pollux, o imortal, pede auxílio a Zeus para interceder (no mito, é resolvido que ambos viverão, mas em revezamento: enquanto um vive, o outro ocupará lugar no reino dos mortos). Quando ativada, essa estrela pode significar várias coisas: um ato de sacrifício, negociações inesperadas com figuras de autoridade ou mesmo uma situação de perda relevante, que é lamentada e pela qual se exige tomar algum tipo de providência.
Começando pelo último significado, a ideia da perda sentida ressoa pelo encontros dos luminares na casa 8, que trata da mortalidade. A chegada da Lua Nova veio praticamente junto da tomada da dimensão da crise humanitária dos yanomamis, assunto que veio à tona nos últimos dias devido ao envio de equipes do governo para elaborar diagnóstico sobre a população desses territórios. A situação crítica e emergencial da saúde dos povos nativos vem representada no mapa pela posição da Vênus em Aquário também na casa 8, numa conjunção próxima à Saturno, aspecto concluído no último domingo.
A casa 8, contudo, também trata de outros assuntos: acordos e negociações financeiras com outros países (que já era prometido na segunda metade da última lunação) deverão ser firmados, mas é preciso cautela para que decisões comerciais sejam tomadas com transparência e consciência sobre efeitos futuros. Saturno, regente das relações exteriores nesse mapa, começa a lunação numa boa configuração; porém, nas próximas semanas ele será atravessado pelo Sol em Aquário, mudando de visibilidade no céu. Por ora, dá pra dizer que até a Lua Cheia o cenário das relações comerciais com outros países está bem fortalecido, com negociações que favorecem nossos parceiros, mas também levam o Brasil à uma posição de destaque.
O ponto-chave desse mapa, no fim das contas, é o Marte em Gêmeos na casa 12, conjunto à estrela Aldebaran. É um Marte que retomou o movimento direto mas ainda está extremamente lento, numa casa frustrante para ele, mas em diálogo com todos os planetas em Aquário, em especial o Sol. Há uma expressão dupla (e dúbia!) desse planeta nessa posição, e o aspecto com o Sol me parece significar o seguinte: algumas figuras precisarão ser punidas ou sair, mas parece haver concomitante à isso um processo de conciliação ocorrendo por baixo dos panos entre líderes militares e do governo, talvez uma forma de conter maiores desgastes nesse início de mandato. Essa primeira metade do ciclo é especialmente marcada por negociações e apaziguamento, ecoando os mitos de Altair e Castor, duas estrelas com relevância nesse mapa da Lua Nova — apesar disso, como já mencionado na introdução, Júpiter em Áries ocupa o topo do mapa e garante também o cumprimento de leis e uma forte ênfase de justiça já nesse começo do ciclo — embora, certamente, também com críticas vindas da imprensa (quadratura agravada por um Mercúrio em Capricórnio). A demissão do comandante do Exército, bem no dia da Lua Nova, me parece já ter sido um evento bem simbólico representado pelo aspecto de Júpiter e Mercúrio nesse começo de ciclo, mas a chegada da Lua Cheia deve trazer mais decisões importantes sobre saída ou punição de militares.
Apesar da atmosfera de baixa visibilidade sobre o que ocorre nas esferas de poder, a exatidão do trígono entre Sol-Marte no dia 29 de janeiro, somada ao fortalecimento de Mercúrio por sua retomada de velocidade na mesma data, parecem expor essas relações ao público com mais clareza. Por Mercúrio reger a as casas 3 e 12 desse mapa, é provável que nessa data (ou um pouco antes/depois) tenhamos notícias bem relevantes a respeito de exilados, foragidos, alvos de ordem de prisão ou investigados por atividades criminosas. Veremos.
No mais, seguem-se dias relativamente controlados até a Lua Cheia, embora o clima pesaroso sobre as crises reveladas também permaneça. Desejo a vocês um início de lunação em que seja possível manter a comunicação desimpedida, fazer boas escolhas a respeito do que tomamos conhecimento e seguir com foco e concentração no que é mais relevante. As previsões para a segunda metade desse ciclo chegam na edição #73, a ser publicada no dia 5 de fevereiro.
nas frestas*
a vida pede ritmo, pt. 2
Acho que uma das grandes perversidades que o capitalismo impõe sobre nosso modo de vida tem a ver com a experiência que temos do Tempo. Dentro de uma lógica exploratória de pressão por produtividade permanente, o Tempo é vivido como uma constante da vida que precisa ser regulada, medida, planejada e distribuída da forma mais eficiente possível — hoje em dia, nem mesmo o lazer e a diversão escapam dessa cobrança por rendimento. Com isso, a experiência subjetiva que temos do Tempo vem marcada por pressa e angústia, criando aquela sensação de constante falta. Nunca dá pra nada. (Estou longe de ser estudiosa de comportamento social, mas leio sobre o assunto e tenho consciência de que esses aspectos da minha experiência pessoal não se restringem a mim!).
Há um ano atrás, voltei das férias e escrevi sobre a alternância de ritmo como uma premissa da natureza cíclica do tempo:
“Nada está parado no universo, tudo se move; esse movimento não é aleatório, mas possui cadência. Na astrologia, o ritmo se expressa na fase da Lua, nos trânsitos planetários que variam em velocidade e sentido aparente (os planetas em movimento direto ou retrógrado), na passagem do Sol pelas quatro estações e nos ciclos de cada corpo celeste. O nosso corpo tem ritmo: o coração que bate e bombeia sangue, o fluxo hormonal variável, os movimentos da digestão dos alimentos, o caminhar característico de cada indivíduo. A vida pede ritmo. Talvez seja por isso que uma rotina engessada drene a energia e adoeça o corpo: sem variedade de movimento, enfraquecemos o próprio pulso do tempo.” [trecho da edição #23]
Sei bem que ter uma vivência mais consciente sobre o tempo e poder experimentar e alterar o ritmo dos dias é algo disponível a pouquíssimas pessoas. Quem trabalha costuma ter as férias como o único período em que é possível contornar os ritmos impostos na manutenção da vida para se permitir usufruir do Tempo como uma grandeza mais maleável — e até generosa. Apesar disso, acho que ainda vale retornar esse tema como um lembrete para termos em mente que a mecanização do viver não deveria ser naturalizada. E que, no fim das contas, a forma como passamos nossos dias é a forma como passamos nossas vidas — e por mais que uma vida de trabalho e consumo possa render algumas satisfações, acho que ninguém realmente deseja chegar à beira da morte com a sensação de ter vivido preso entre as engrenagens de uma máquina de moer gente.
Conseguir esgarçar a percepção de duração tempo pode até parecer um feito impossível, mas não é — pelo menos é o que percebi numa experiência pessoal mais recente. Ao fim dos dez dias que passei de férias no cerrado em Goiás, a impressão era que tinha vivido o dobro dos dias. Isso não ocorreu porque eu fiz um lindo roteiro, planejei direitinho as tarefas ou enchi os dias de atividades. Na verdade, me parece ter sido o contrário: ocorreu por eu justamente ter alternado o ritmo da minha própria vida para comportar um período em que fosse possível viver de uma outra forma. Daí, entre cochilos a qualquer hora, almoços demorados, horas de conversas a fio, jogos coletivos, longas caminhadas, banhos de cachoeira e visão de cenários variados, a trama do Tempo foi se desfiando e sendo percebida como algo além dos dias contados do calendário.
Sabe-se lá quando ou se poderei fazer isso de novo. Mas uma coisa que eu acredito é que o que a gente vive nunca é esquecido totalmente: o eco da experiência fica e guardado no corpo ou na mente. Com isso, acho que pelo menos um pouco dessa malandragem de saber “manipular” o Tempo permanece conosco, conforme vamos nos familiarizando com suas peculiaridades. Já de volta à cidade e ao conforto da minha casa, percebo pequenas mudanças: me incomoda dar conta de duas tarefas ao mesmo (escrever ou responder e-mails enquanto me informo com um podcast de notícias, por exemplo), coisa que vinha fazendo nos últimos 3 anos. A mente não precisa se distrair tanto, porque já não parece tão aperreada. Se vai durar, já não sei.
*nas frestas é uma editoria ocasional centrada em relatos pessoais, acompanhados de reflexões relacionadas à astrologia.
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um abraço e até a próxima,
Amei a ideia de uma música para cada lunação! 🎶👏
Se tiver sugestões de filmes, séries, livros... por lunação eu também vou adorar 😉
Vc tava aqui na chapada! 💝 espero que tenha gostado.