“O medo é como uma pedra que você carrega dentro do estômago. Dia após dia você vai engolindo o emaranhado de temores como os gatos engolem seus pelos, até que acabam por formar uma bola na barriga, tão densa que dá vontade de vomitar e o obriga a caminhar um pouco encurvado, como quem espera um golpe. O medo é um parasita, um invasor. Um vampiro que suga seus pensamentos, porque você não consegue tirá-lo da cabeça. E até se, em um raro momento de trégua, você consegue esquecer o medo por um instante, sempre resta algo pesando sobre você, uma vaga premonição de risco e de desgraça. Não há modo de se livrar dele por completo.”
— trecho de A boa sorte, de Rosa Montero [que me lembrou um poema que escrevi próximo ao fim do meu retorno de Saturno em Capricórnio]
No dia 20 de janeiro o Sol ingressou em Aquário, sendo recebido por Saturno em sua morada. Desde então, a cada dia, o astro-rei vem caminhando em direção à Saturno, encurtando a distância entre os dois e preparando terreno para uma conjunção exata. A união perfeita entre esses dois astros — Sol e Saturno em Aquário — ocorre precisamente na próxima quinta-feira, dia 16 de fevereiro. Esse não é um encontro corriqueiro. E para falar dele, precisaremos desenrolar o novelo do Tempo de alguns anos atrás.
A data é 17 de dezembro de 2020: o mundo vivenciava o trauma coletivo de uma pandemia global sem precedentes na história recente, e que já nos isolava em casa há vários meses, nos privando do convívio social externo. Até ali, acumulavam-se 75 milhões de casos confirmados da infecção, e mais de 1 milhão e meio de mortes. No início da madrugada desse dia, Saturno ingressava definitivamente em Aquário; ele já havia percorrido os primeiros graus desse signo por pouco mais de 3 meses, entre fim de março e início de julho de 2020, mas aí ele retrogradou, retornou à Capricórnio, e só em dezembro tivemos seu ingresso definitivo em Aquário.
Como vocês estavam, em meados de dezembro de 2020? Essa é uma pergunta especialmente difícil de responder, já que a letargia própria daquele período nos privou também da clareza mental sobre o que vivemos e experienciamos a nível pessoal. É preciso um certo deslocamento para produzir a memória, e um ano em que mal saímos de casa foi sentido por muitos como um grande borrão de estados e sensações.
O fato é que ali, naquele ingresso definitivo de Saturno em Aquário, inaugurava-se um ciclo que agora vem chegando ao fim: hoje ele está a 27º de Aquário, nas últimas semanas de trajetória por esse signo, para o qual retornará apenas em 2050. E bem nesse momento, no limiar de sua temporada aquariana, Saturno se prepara para ser atravessado pelo Sol — um evento celeste que se assemelha a um tipo de “iniciação” ou “rito de passagem” do planeta que é inundado pela luz do astro-rei.
Toda vez um planeta sofre uma conjunção solar, ele passa por uma alteração de estado no céu; se antes era visto no céu noturno, passará a ocupar o céu diurno, e vice-versa. Esse será o caso de Saturno, aliás: ele passou um longo tempo sendo visto no céu noturno, e em algumas semanas passará a ocupar o céu diurno, imperceptível devido à claridade natural. Haverá, porém, um breve período em que Saturno poderá ser identificado no céu, antes de se perder na luz do céu diurno por alguns meses: na trânsição do fim de Aquário para Peixes, no comecinho de março, ele estará em nascer helíaco. Por cerca de 3 dias, Saturno podendo ser visto no céu ao amanhecer, logo antes do Sol nascer no horizonte, como descrito abaixo:
As fases do encontro de Saturno e Sol em Aquário
20 de janeiro: o Sol ingressa em Aquário e começa a dividir terreno com Saturno;
28 a 31 de janeiro: Saturno fica em ocaso helíaco, ficando visível no céu imediatamente após o pôr do sol pela última vez no ano, depois de um longo período presente no céu noturno;
1 a 24 de fevereiro: o Sol está próximo o suficiente de Saturno a ponto de sobrepor sua presença no céu, tornando-o invisível por todo esse período. No dia 16 de fevereiro, ocorre a conjunção exata entre os dois, o ápice de sua combustão;
25 de fevereiro a 4 de março: Saturno permanece invisível sob os raios do sol, mas começa a ganhar uma boa distância dele, saindo da combustão;
5 a 7 de março: Saturno ressurge no céu em nascer helíaco, isto é: volta a ficar visível no céu ao amanhecer por alguns dias, antes de adentrar de vez sua fase diurna no céu.
Em outras palavras: estamos num fim especialmente dramático de uma longa temporada saturnina. Eu já escrevi na última edição que um Saturno combusto pelo Sol tende a acentuar ainda mais seus efeitos saturninos, mas o que isso significa, na prática?
Bom, falando em termos mais subjetivos e comuns a todos nós, esse agravamento de Saturno nas últimas de Aquário traz um certo clima de acerto de contas: uma coisa meio aqui se faz, aqui se paga, com um evidenciamento de seus significados essenciais de correção, controle, penalidade e vigilância. Se dezembro de 2020 parece longe demais, um bom exercício de se fazer agora é olhar os temas que você viveu com mais ênfase durante a última Lunação de Leão, entre 28 de julho e 26 de agosto de 2022, quando o Sol fazia oposição à Saturno. Agora, o encontro é pela aproximação direta.
A nível coletivo, a Lunação de Leão foi marcante sobre esses temas: tivemos muita imposição de autoridade, dinâmicas de apoio eleitoral rolando, manifestações populares e públicas de defesa da democracia, condenações e cassações de mandato importantes. A qualidade fixa tem essa propriedade de amadurecer os temas ao ponto de que eles não podem mais ser ignorados: é preciso encarar o real estado das coisas.
Naquela época, o Sol oposto à Saturno trouxe o tensionamento dos diferentes tipos de poder; agora, o Sol conjunto à Saturno é deposto de sua capacidade de controlar, dominar e iluminar de forma previsível e centralizada. Sob o comando de Saturno, o Sol se dispõe a distribuir os mecanismos de poder, seja disseminando informações e conhecimento, seja erguendo estruturas que possam representar e reproduzir o poderio solar. Tudo isso pode soar um pouco distante da realidade cotidiana pessoal de cada um, mas não é: Sol e Saturno versam sobre o poder, e embora se expressem fortemente na coletividade, seus efeitos reverberam também na nossa singularidade. Por isso, cabe nos fazer alguns questionamentos:
O que você sabe? E o que faz com o que sabe?
De que formas exercemos e cultivamos nossa autonomia sem cair em relações de codependência — ou de hiperindependência?
Como a sua individualidade se relaciona com a coletividade da qual você faz parte?
Afinal, o que a gente faz com tudo o que aprendemos (ou não aprendemos) nesse longo trânsito de Saturno em Aquário? Essa resposta vai ser diferente para cada indivíduo, mas posso afirmar que é tempo de se reconhecer, em todos os sentidos da palavra: dar valor ao que se viveu durante toda essa temporada e se perceber como alguém que talvez tenha se transformado tanto, que nem parece a mesma pessoa. Reapresentar-se a si. Isso não precisa ser feito de forma solitária, pelo contrário: o espalhamento característico de Aquário é o que dá o tom do encontro entre os dois astros que versam sobre o poder. Eu sei e sou, porque outros também sabem e são — o ganho com a experiência coletiva pode ser ainda maior.
Contudo, esse reencontro consigo frente ao mundo também pode ser um baque daqueles: todas as minúncias das relações interpessoais (que são, sempre, dinâmicas de poder) ficam ainda mais visíveis. Além disso, um encontro de Sol e Saturno em Aquário deixa claro que não somos nem vítimas do mundo, nem seres onipotentes. Egos inflados ficam mais expostos, e talvez se mostrem um pouco mais ridículos — o que não é mau, inclusive. Rir de si próprio (inclusive de sua parte ridícula) pode ser uma das saídas mais saudáveis frente à um acirramento tão grande sobre nossos delírios de controle e importância. Olhar para o mundo, ver-se parte dele, e não encerrado em si próprio, na frustração de tentar dominar o que naturalmente escapa.
No fim das contas, embora essa conjunção tenha uma expressão mais direta nas dinâmicas coletivas, pode ser interessante redobrar a atenção sobre os temas que ele carrega em sua vida pessoal, buscando identificar quais desgastes não devem mais ser sustentados. Nas próximas semanas, até o fim do trânsito de Saturno em Aquário, abre-se a oportunidade de observar seu cenário pessoal de uma outra perspectiva: reparando os danos percebidos até aqui e, acima de tudo, acertando as contas com a parte que lhe cabe controlar e decidir. Se aprume, que não é tempo de corpo mole.
Encerrando esse textão, fica aqui a dica de escuta da playlist Saturno em Aquário, criada coletivamente lá no comecinho desse trânsito, por meio de sugestões de músicas que recebi de seguidores, misturadas às minhas:
pausa para o Carnaval
Semana que vem não teremos a edição regular de domingo por motivos de Carnaval — eu, pessoalmente, levo esse feriado muito a sério e não pretendo estar nem perto do computador até a quarta-feira de cinzas. Portanto, a próxima edição sai no domingo de 26 de fevereiro, com as previsões para a Lunação de Peixes.
Apesar disso, apoiadores devem receber a edição exclusiva de fevereiro antes do feriado, então fiquem de olho na caixa de entrada ao longo da semana!
O boletim meio do céu é gratuito, mas você pode se tornar um assinante pago e apoiar o meu trabalho.
Apoiadores recebem edições especiais da newsletter com conteúdos exclusivos – análises de mapas e eventos, textos sobre teoria astrológica, estudos experimentais, etc. Nesse conteúdo exclusivo, recebo diretamente as sugestões de vocês e vale tudo o que a gente quiser observar e descobrir em termos de astrologia.
Quem apóia financeiramente pode optar pela assinatura mensal (cobrada a cada mês) ou anual (pagamento único, com um descontão). Para se tornar assinante pago, basta atualizar o status da sua assinatura nas configurações da sua conta do Substack.
um abraço e até a próxima,