edição #106, Ingresso do Sol em Câncer
Da observação do céu, nasceu a ideia de tempo. Como astróloga, já pensei isso várias vezes, e retornei a esse pensamento ontem, depois de ouvir um episódio de podcast. Parece muito abstrato — e, de fato, não deixa de ser —, mas a temporalidade é uma noção que se faz visível por meio do movimento. E o céu, bem, se move. O tempo todo, todos os dias: Sol que nasce, chega ao ápice e se põe no horizonte; Lua que cresce, enche, mingua e se escurece. Pequenos pontos brilhantes — planetas — que se deslocam na abóbada celeste, numa trajetória regular e previsível, que se repete com certa frequência. O tempo é um tecido invisível que sustenta a nossa experiência humana da realidade. E, bem, no sistema solar em que nós habitamos, chega um momento do tempo em que o Sol atinge uma posição tal em relação à Terra, no espaço, que esfria o clima no hemisfério sul, e aquece no hemisfério norte. Chamamos isso de solstício. Na astrologia, os solstícios e equinócios — isto é, as mudanças de estação — são marcadas pelo ingresso solar nos quatro signos cardinais: Áries, Câncer, Libra e Capricórnio.
No norte, a entrada do Sol em Câncer anuncia o verão: a água cardinal se associa à abundância, fertilidade, à explosão de vida e movimento que essa estação proporciona por lá. Aqui no sul, o Sol em Câncer inaugura o trimestre de inverno: tempo de abrigar, acolher e nutrir. Diferentes aspectos e significados que o mesmo signo carrega, em contextos distintos.
O inverno costuma demandar a desaceleração, a preferência por uma alimentação que dê sustância e o recolhimento, ou, pelo menos, a diminuição possível da carga de trabalho (muitas pessoas têm férias nessa época, é claro). Gosto que, no Brasil, temos a temporada de festas juninas, que reúne tudo isso num lugar só.
O Sol ingressa em Câncer nessa quinta-feira, 20 de junho, precisamente às 17:51, no horário de Brasília. Dessa vez, o trimestre do inverno para o nosso país parece ter mais a ver com o desacelerar mesmo: temos um mapa de ascendente em Capricórnio, o mesmo do início do ano astrológico, regido por um Saturno em Peixes de casa 3. Uma diferença fundamental, porém, é que ingressamos nesse inverno com um Saturno bastante lento, prestes a iniciar seu movimento retrógrado (em 29 de junho). Em contrapartida, temos os outros planetas — Mercúrio, Vênus, Marte e Júpiter — em ritmo acelerado, acima da média. Dessa forma, a vagarosidade de Saturno fica ainda mais evidenciada, e dita o tom desse trimestre: muita demanda e coisa pra correr atrás, e um corpo coletivo que não consegue acompanhar o ritmo externo. Ao invés de planejar e construir com calma, tijolo a tijolo, se impõe a necessidade de improvisar, de suprir necessidades imediatas, de tapar buracos que surgem. Dá pra perder de vista o longo prazo? Não, porque uma hora a água vai bater na bunda de novo. Mas esse é um mapa que aponta para dificuldades em enxergar um horizonte mais distante. O aqui e agora são mais importantes. E, infelizmente, bastante desgastantes, inclusive a nível físico.
Um lado potencialmente positivo disso tudo é a diminuição de expectativas altas demais. Um tipo de “desistência” saudável, eu diria. Fazer pouco, fazer o que é prioridade, se ater ao tempo presente. Também, o direito e a valorização do ócio — afinal, é tanta coisa pra lidar e resolver que, quando qualquer fresta de tempo surge, acaba sendo instintivo aproveitá-la e senti-la com presença e satisfação. Nem que seja fazendo nada.
Saturno na casa 3 costuma me lembrar de que a disciplina é uma ferramenta importante para navergarmos no tempo e na natureza da rotina que nos serve. Praticar a disciplina no dia a dia não para melhorar a produtividade, mas para mensurar o valor das próprias ações, e se satisfazer melhor delas também. O tempo acelerado em que a gente vive não nos ajuda sequer a saborear plenamente as coisas boas quando elas acontecem — tudo se esvai e é esquecido rapidamente, num turbilhão de pouca memória e retenção de experiência. Saturno é remédio para isso também. Botar o pé no freio e se ater ao básico do que você e quem você cuida precisa, dia a dia. Sem pressa. Ou com menos pressa.
Além de Saturno, Sol e Mercúrio aparecem bastante angulares nesse mapa e, por já serem os regentes do ano astrológico para o Brasil, seus significados se fazem especialmente presentes nesse trimestre.
Em termos políticos, o Sol poente indica um enfraquecimento do poder estabelecido. O ângulo MC conjunto à estrela fixa Denebola confirma a situação ruim apontando para prováveis derrotas e aumento de rejeição ao governo. Saturno está na queda de Mercúrio, Mercúrio está no exílio de Saturno, ambos em trígono: traduzindo do astrologuês, é uma relação estabelecida, que não se desfaz, mas que nenhuma das partes está exatamente feliz e satisfeita.
Por outro lado, o mesmo Mercúrio, representante do presidente, está especialmente veloz, e em fase heliacal — prestes a sair dos raios solares, ganhando força. Também divide espaço com Vênus e o Lote da Fortuna em Câncer, que aparece conjunto à estrela fixa Canopus. São indícios de proeminência discursiva e de acordos comerciais nas relações internacionais.
Esse mapa traz também alguns testemunhos importantes envolvendo deslocamentos, transportes, viagens e migrações, especialmente pelas vias marítimas. É provável que eventos significativos nesses setores se desenrolem ainda antes do fim desse mês, ou que esses temas tenham maior relevância no trimestre. Como a relação entre Mercúrio e Saturno não é das mais amistosas, podemos esperar bloqueios, obstáculos, atrasos e impedimentos logísticos e burocráticos de forma geral.
Marte em Touro é regente do Poder Legislativo e leva seus interesses para os temas de casa 5. Os direitos reprodutivos e a luta pelo aborto seguro e legal tem sido uma grande pauta na última semana, e esse mapa promete o prolongamento da discussão. Por um lado, a relação do sêxtil entre Mercúrio (regente da 9) e Marte (regente da 11) promete a derrubada de qualquer projeto de lei absurdo pela via da inconstitucionalidade. Por outro, há uma necessidade em pautar o debate de forma vocal e posicionada — não silenciar, não largar mão, não deixar pra lá. A copresença de Vênus-Mercúrio ao Lote da Fortuna é um indício favorável de ganho de direitos em torno do tema, mas é preciso esforço para isso. Afinal, com um Marte em Touro dentro dela, tudo que envolve a casa 5 vem atravessado por apego, receio e teimosia excessivos: competições, esportes, artes, entretenimento e mesmo as eleições entram nesse balaio. É um clima de ninguém querer largar o osso, nem se comprometer demais. Certos problemas, porém, se resolvem na base da lábia e de uma história bem contada. Que narrativas são necessárias para os tempos de hoje? Cabe a nós, também, inventá-las.
Desejo a vocês um inverno de paciência, acolhimento e proteção.
Um abraço e até,
Ísis
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aquele post que se termina e só suspira um "ééééé, gata..."
adorei "desistência saudável" rs
já iniciei as primeiras horas desse trânsito exercitando exatamente isso.
obrigada por mais uma leitura!