“Esta outra independência [a cultural] não tem sete de setembro nem campo de Ipiranga; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo.”
— Machado de Assis, O Novo Mundo, 24 de março de 1873
Quando comecei a estudar e praticar astrologia mundana, uma das minhas primeiras indagações era se existiria um “mapa de nascimento” do Brasil: um mapa que pudesse ser estudado e avaliado como se faz com o mapa natal de uma pessoa, a fim de compreender melhor que tipo de natureza e destino se configura a partir do surgimento de um país. Mas essa é uma ideia um tanto quanto inusitada, e talvez até equivocada — diferente de um ser vivo cuja chegada no mundo pode ser verificada em dia e horário, é bem difícil determinar um único momento na história de um país que represente sua fundação.
No caso específico do Brasil, teríamos diversas opções: embora o Sete de Setembro marque a decisão pelo rompimento da subordinação à Portugal e o início do processo que tornaria o país um Estado independente, há outras datas de valor simbólico e institucional que talvez fossem ainda mais apropriadas. Em 12 de outubro de 1822, por exemplo, D. Pedro é aclamado como Imperador pelos pares do reino, dia que também era seu aniversário; por algum tempo, essa foi a data mais marcante no processo de independência. Outras opções seriam o 1 de dezembro de 1822, data da coroação de D. Pedro no Rio de Janeiro como imperador, ou o 25 de março de 1824, quando a primeira Constituição brasileira é outorgada (nascendo oficialmente, aí, a nacionalidade brasileira) ou o 25 de agosto de 1825, data do reconhecimento da independência por Portugal.
A história, não podemos esquecer, é uma narrativa de disputas e múltiplas versões dos fatos. No livro recém-lançado O Sequestro da Independência, os autores Lilia M. Schwarcz, Lúcia K. Stumpf e Carlos Lima Jr. tratam justamente de explicar e desenrolar os vários fios que tecem essa narrativa do Sete de Setembro como um mito fundacional do Brasil.
“[...] A fabricação do Sete de Setembro como ato inaugural do Brasil independente consistiu numa operação arquitetada e partir de circunstâncias que faziam de São Paulo o centro nevrálgico da política nacional, já em finais do século XIX e inícios do XX. Para elevar o gesto realizado no Ipiranga, ocultou-se uma série de eventos anteriores e posteriores a 1822 e que compõem o processo de Independência, muito mais longo e multifacetado que a exclusiva projeção do grito ‘Independência ou morte!’ às margens do riacho.”
— trecho de O Sequestro da Independência
De fato, não há uma única data ou mapa de fundação a definir o destino do país. Porém, no fim das contas — e por uma série de razões — o Sete de Setembro foi o marco histórico escolhido como ponto de partida para construção da narrativa do Brasil enquanto nação. Essa é a principal data que astrólogos consideram como fundação do nosso país, e por isso, esse é um mapa que vale ser observado, ainda que não seja o único que represente a nação brasileira (o mapa da Proclamação da República, por exemplo, é outro que vale ser observado de perto).
Na edição de hoje, revisito um texto exclusivo para apoiadores publicado no ano passado sobre o mapa da independência, na busca de encontrar, nesses símbolos ali expressos, indicadores importantes sobre o passado, presente e futuro do Brasil enquanto nação.
o mapa da independência
O mapa da independência se refere ao grito no Ipiranga, às 16h301 do dia 7 de setembro de 1822, por conta do valor simbólico da tomada de decisão de D. Pedro I de não mais estar subjugado à Portugal. O processo de independência do Brasil diferiu bastante de outros países da América Latina por não se tratar de um levante popular, e sim de uma decisão das elites em apoio ao imperador. A decisão também não foi aceita imediatamente por todos, havendo conflitos armados em várias províncias, onde houve lutas entre partidários de Portugal e os defensores da independência — fato que motivou, inclusive, a organização e treinamento das forças militares brasileiras. Esse fato, por si só, parece bem expresso pela posição de Marte em Escorpião na casa 10: a tomada pela ruptura partindo do alto, da casa referente ao próprio governo e autoridade. Marte nesse local é um forte testemunho do persistente risco de militarização e autoritarismo enquanto ameaças ao país, fatos infelizmente recorrentes nesses 200 anos de história de Estado-nação independente.
Marte em Escorpião enquanto regente dos governantes brasileiro caminha em oposição à Saturno retrógrado em Touro na casa 4, também indicando a imposição de interesses frequentemente contrários à preservação do país e de suas tradições, de forma geral; isso porque Saturno é regente da casa 1 e, portanto, um dos significadores do país como um todo. Saturno ocupa a casa 4, local associado às raízes, ao meio ambiente e aos povos nativos — o governo, Marte em Escorpião, vai literalmente de encontro à esses assuntos, uma ameaça à sua proteção. Fatos óbvios e muito evidenciados no momento atual, certo?
Outra coisa que Saturno em Touro como regente do país indica é um certo desamparo: ele é ameaçado pelo Marte-governo pela oposição, e não recebe muito apoio de outros planetas; com Vênus em Leão na casa 7 (dispositora de Saturno, inclusive) ele faz uma quadratura, o que testemunha pela vocação do Brasil na diplomacia internacional, com uma história de diálogo e conciliação nesses assuntos (bem destoante das relações estabelecidas no atual governo), mas também de um certo "entreguismo" aos estrangeiros, à abertura excessiva às iniciativas externas para exploração dos nossos recursos naturais. A síndrome de vira-lata vem dessa mesma quadratura, aliás. A possível fonte de apoio de Saturno vem do Sol e Mercúrio em Virgem, ambos na casa 8, o que não é lá muito animador, porque estão numa casa referente ao capital estrangeiro, a acordos internacionais, reiterando esse testemunho de autonomia fraca, de excessiva dependência econômica em relação a outros países.
Sol é o regente natural de autoridade, também testemunhando pelos governos e líderes do país. Ele se encontra em Virgem na casa 8, local muito associado a dívidas, gastos e acordos financeiros internacionais. Temos vocação para esse tipo de transação internacional, mas nossos recursos e interesses aparecem mais à mercê dessas demandas externas do que, de fato, assegurados. Além do quê, a casa 8 trata de corrupção — o tipo de problema que vários países colonizados enfrentam, mas que possui uma história extensa e peculiar no Brasil.
Tem algo de bom nesse mapa, Ísis? Tem sim. A Lua é a regente natural do povo, das pessoas comuns, e ela é sem dúvida o astro melhor colocado nesse mapa, confirmando que o melhor do Brasil é mesmo o brasileiro. A Lua está em Gêmeos na casa 5, conjuntíssima à Júpiter e à estrela fixa Aldebaran. Casa 5, casa de artes, esportes, prazer, criatividade, inventividade: o que nós temos de melhor está mesmo aí, até a nossa capacidade de rir da própria desgraça (afinal, Júpiter em Gêmeos não nos garante uma sorte muito confiável ou constante). Às vezes otimismo resignado, às vezes falta de visão à frente, de percepção de coletividade e comunhão. A tendência de nos perdermos nas minúncias, de enxergarmos mais as diferenças do que as similaridades entre nós. Até nossa engenharia de memes se mostra nessa Lua com Júpiter na casa 5, como minha colega Isabela me apontou, tempos atrás. De fato, somos mais conhecidos pela nossa cultura e nossos talentos nas artes e esportes do que qualquer outra coisa; esse é nosso tesouro. Aliás, a Lua, protegida por Júpiter (ainda que um Júpiter com pouco a oferecer), também é regente da casa 6, que trata do sistema de saúde, um dos nossos orgulhos — considerem que o SUS é um modelo admirado e referenciado em todo o mundo por sua amplitude e eficiência, mas que sofre pela falta de investimento do governo.
Aldebaran2, estrela fixa à qual a Lua se aproxima nesse mapa, é conhecida por indicar inteligência, eloquência, coragem e honras públicas, características que parecem coerentes ao povo brasileiro, sim; mas também o ganho de poder através de outros (também o ímpeto de "querer se dar bem" em qualquer situação, à revelia dos outros), risco de violência e benefícios pouco duradouros (a sorte que dura pouco). Também é uma estrela associada à catástrofe por alagamentos, algo muito comum em várias regiões do país.
É delicado e complexo descrever um país através de um único mapa, quanto mais um país tão grande e desigual quanto o Brasil. Apesar disso, consigo enxergar nesse mapa várias características que fazem sim parte de nossa identidade, e que foram testemunhadas pela nossa história.
céu da semana
Trago uma novidade: gravei um áudio sobre o céu da semana de 4 a 10 de setembro para o episódio piloto de um novo podcast que deve ser lançado no domingo à noite. Como essa edição da newsletter é publicada na manhã do domingo, assim que o episódio for ao ar, compartilho com vocês o link para ouvir. Se tudo der certo, é provável que essa editoria migre de vez para o formato áudio! Torço para que sim :)
Essa é uma semana importante de Lua Crescente, Vênus ingressando em Virgem e Mercúrio retrogradando no próximo sábado — esse, aliás, será o tema principal da próxima edição #53. Para quem está preocupado com o dia do feriado, recomendo reler a edição com previsões sobre a Lua Nova em que falo sobre como deve ser o clima da quarta-feira, 7 de setembro. E desejo uma boa semana para nós.
para ouvir
Trago duas indicações pertinentes ao tema dessa edição: a primeira é o episódio do podcast Expresso Ilustrada da última semana, que é uma entrevista com a historiadora Lilia Schwarcz, uma das autoras do livro que cito na introdução. É um papo acessível e bem explicado sobre como a iconografia e a mitologia do Sete de Setembro foram construídas, e as principais questões que rodeiam esse tema.
A segunda é o podcast Projeto Querino, uma série de 8 episódios que mostra como a História explica o Brasil de hoje. Nas palavras deles, “uma história que talvez você ainda não tenha ouvido, lido ou visto”. Esse eu tô degustando pouco a pouco, e ainda não acabei de escutar, mas recomendo demais.
oficina de astrologia mundana
No dia 17 de setembro, sábado, das 14:00 às 17:00, vou oferecer uma oficina de prática de astrologia mundana focada no mapa do Ingresso do Sol em Libra. Nos últimos 5 meses, venho oferecendo oficinas mensais de prática de astrologia mundana, que têm se mostrado um espaço fértil para atualização e construção coletivas desse conhecimento, fazendo adaptações para um uso mais apropriado ao contexto em que vivemos hoje. É um desafio e tanto observar o mundo atual de uma perspectiva astrológica coletiva e integrada, e propor esses encontros tem sido uma forma de possibilitar meios de pensarmos em conjunto, com múltiplas vozes e visões, contando com a capacidade de imaginação e articulação de cada participante.
Essa oficina do ISL é voltada para estudantes, profissionais e curiosos da astrologia mundana em geral. Não é necessário experiência nesse ramo, mas é preciso ter domínio sobre os fundamentos básicos da astrologia tradicional para conseguir acompanhar o conteúdo (o conhecimento das dignidades e debilidades planetárias essenciais, por exemplo, é indispensável).
conteúdo:
Técnicas de planetas regentes do ano e do governante segundo Abu Mashar, Masha’allah, Bonatti e Abenragel;
Análise do mapa do próximo Ingresso Solar em Libra, complementada pelo mapa do Ingresso Solar em Áries;
Principais trânsitos planetários da segunda metade do ano astrológico, eclipses e períodos de maior atenção;
Mapeamento de eventos relevantes.
Para mais informações e inscrições, envie um e-mail para alfaserpente@gmail.com.
um abraço e até semana que vem,
Ísis
O horário exato do “grito no Ipiranga” também é razão de muita controvérsia, mas escolho aqui trabalhar com o das 16h30 — esse artigo da Constelar traz um bom apanhado histórico de fontes e documentos mais confiáveis.
Escrevi um pouco sobre Aldebaran nessa edição da Lunação de Gêmeos e nessa outra exclusiva sobre o Will Smith.