A edição de hoje é um interlúdio: um respiro temático no meio desse período entre o primeiro e segundo turno das eleições cheio de tensão, ansiedade, notícias absurdas, polêmicas bizarras e processos em aberto. Sou uma pessoa hiperconectada em notícias e análises políticas por conta do trabalho com astrologia mundana? Sim. Nos últimos dias, porém, por conta de uma perda familiar recente, decidir me dar um breve descanso do fuzuê eleitoral; a questão é que, a menos de duas semanas do segundo turno e a chegada da Lua Nova em Escorpião cada vez mais próxima, qualquer distração é invadida pelo contexto agitado. A Lunação de Escorpião é uma aguardada por muitos de nós, já que esse será o ciclo em que se encerrarão as eleições e também, ao que tudo indica, em que o governo Bolsonaro começará a ruir.
Hoje, então, vamos de “folga” da abordagem política e coletiva. Pensando em temas astrológicos para trazer com mais profundidade para cá, fiquei com vontade de escrever um pouco mais sobre os 12 signos astrológicos sob uma perspectiva diferente: ao invés de escrever sobre cada um pela ordem zodiacal, que segue a lógica da trajetória do Sol pela eclíptica ao longo das estações, decidi abordar os signos a partir de seus agrupamentos pelos quatro elementos.
Como chegaram muitos assinantes nas últimas semanas por aqui, desejo que essa série seja uma introdução acessível para quem se interessa por astrologia, e um convite a perceber com mais riqueza o que há de similar ou diferente entre os signos que compartilham o mesmo elemento, e quais significados simbólicos mais específicos cada um deles carrega.
Começo aqui, então, uma pequena série que seguirá pelos próximos 3 meses: inspirada pela última Lua Cheia em Áries, hoje escrevo sobre os signos que compõem a triplicidade do fogo; no próximo mês, com a Lua Cheia em Touro, trago os signos da triplicidade da terra; na Cheia em Gêmeos, em dezembro, venho com os signos da triplicidade do ar e, por fim, na Cheia em Câncer, lá em meados de janeiro, encerro com os signos da triplicidade de água. Vamos lá?
sobre a triplicidade do fogo
“Tudo que existe na Terra está associado a um dos Elementos ou a uma mistura de elementos (em rigor, podemos afirmar que o Fogo, Terra, Ar e Água, estão presentes em tudo, embora em diferentes proporções). Por outro lado, cada signo e cada planeta está associado a um Elemento em particular. Os movimentos e configurações celestes podem, por isso, ser interpretados na perspectiva da movimentação e da combinação de Eelementos. Compreendemos assim que os Elementos são a ponte entre os acontecimentos terrestres e a realidade celeste. A sua dinâmica, manifestada através dos movimentos dos planetas e signos, confere-nos a compreensão dos eventos terrestres (por exemplo, os acontecimentos mundanos, o clima, os comportamentos humanos, as doenças, etc.).”1 [grifos meus]
— Helena Avelar e Luís Ribeiro, Tratado das Esferas
Há exatamente 10 semanas atrás, na edição #48, ainda na Lunação de Leão, escrevi que vinha pensando sobre o fogo. Escrevi que era o elemento com o qual cultivei pouca intimidade desde o início do meu percurso pelo estudo e prática astrológica, e que vinha notando mais de perto seu simbolismo no meu cotidiano.
Na astrologia, o fogo é um elemento de qualidades quente e seca. O “calor” significa que sua natureza é de irradiar e expandir; a “secura” significa que ele também se impõe sobre o meio, não se adaptando ou moldando à ele. No dia a dia de quem mora na cidade, a forma mais comum de se pensar sobre o fogo é na sua forma domesticada: em isqueiros, fósforos, na boca do fogão, no aquecedor a gás. Devido ao seu potencial de se alastrar e consumir tudo que existe por onde passa, a humanidade desenvolveu formas bem controladas de lidar com esse elemento no cotidiano. Por isso, aliás, que ele pode até passar despercebido em nossas atividades diárias, o que é, naturalmente, uma ilusão: sem a lida diária com fogo, nossa vida não existia da forma como é hoje.
“Esfregar dois gravetos produz calor e luz; graveto sozinho é só um graveto. Como imagem metafórica, a fricção nos lembra que encontros heterogêneos e desiguais podem levar a novos arranjos de cultura e poder.”
— Anna Tsing, Frictions
Como escrevi lá em agosto, o fogo proporciona avanço, ampliação das possibilidades que existiam até dado momento, e desenvolvimento a partir dessas novas. Ele foi a primeira energia natural utilizada pelo ser humano de forma intencional, e ainda é a principal fonte de energia que usamos. A descoberta do fogo é um marco na história da humanidade, tanto que esse elemento povoa as imagens e histórias mais antigas que conhecemos (conhecem o mito de Prometeu, que rouba o fogo dos deuses para dá-lo aos humanos?). O fogo provocou o desenvolvimento de um tanto de coisa que a gente nem imagina: ter possibilitado o cozimento de alimentos que antes eram consumidos crus, por exemplo, é algo discutido entre pesquisadores como um fato fundamental para o estabelecimento das sociedades humanas e, talvez, até definidor da evolução do nosso cérebro. (Essa matéria explica bem essa história toda aí.)
Na astrologia, o fogo é associado ao Sol, um significador da própria vitalidade — é o Sol que permite a existência da vida terrestre como conhecemos; e também à Marte, um planeta de ímpeto e coragem. Já quando falamos de signos, compõem a triplicidade do fogo Áries, Leão e Sagitário, cada um expressando uma diferente qualidade desse elemento. Vamos percorrer por cada um deles, então, para compreender melhor suas particularidades.
áries: o fogo cardinal
Áries é a faísca que surge da fricção e produz a chama. Ou a chama que irrompe no breu, iluminando o que está ao redor: é um fogo novo e simples, como o acender de um fósforo numa casa escura. Como já escrevi anteriormente, uma boa imagem para entender o fogo móvel de Áries é pensar numa pessoa portando uma tocha: ela é um instrumento individual, que pode ser facilmente transportado de um lugar ao outro. Uma tocha traz luz suficiente para cortar o breu e iluminar caminhos que se precisa atravessar, mas não é um fogo com fôlego o bastante para manter a chama por tempo prolongado sem algum tipo de apoio ou combustível que o sustente.
Para ser mais contemporânea, a mesma lógica se aplica à um isqueiro: o fogo de um isqueiro pode acender 100 cigarros numa noite, mas todos eles duram acesos por apenas alguns minutos. É o famoso “fogo de palha”: chamusca e começa um fogo, mas por si só, não promove um incêndio (astrologicamente, aliás, incêndios muitas vezes envolvem aspectos com planetas no signo de Aquário, o ar fixo — é o oxigênio que mantém o fogo).
A qualidade cardinal ou móvel do fogo de Áries trata, enfim, de uma ação inicial, inaugural, marcada por algum tipo de mobilidade ou novidade. Numa edição exclusiva do começo do ano, escrevi frases-síntese sobre cada um dos doze signos — na ocasião, no intuito de expressar uma espécie de mote desses signos no ascendente de um mapa natal —, e aproveito para trazê-las também ao longo dessa série. Áries trata de mover-se como ato de coragem. O fogo primeiro de Áries diz respeito à abrir caminhos, iniciar processos, vencer o medo da falha ou do desconhecido por meio da ação.
leão: o fogo fixo
Leão é a fogueira acesa e alimentada há várias horas crepitando, brilhante e ardente. É o fogo aceso de um farol que nunca se apaga, servindo de referência a quem precise saber para onde seguir. É também um incêndio numa floresta que queima de forma estável e duradoura, sem perspectiva de se extinguir facilmente. Ou mesmo o fogo de uma lareira dentro de casa, que promove e distribui calor para todo o ambiente, atraindo quem precise se aquecer para perto dele.
Para entender a qualidade “fixa” de Leão, podemos pensar num fogo maduro, já estabelecido e relativamente estável, que já ganhou corpo e segurança o suficiente para que outros seres se aproximem dele para usufruir dele — vem daí, aliás, a propriedade de ser um fogo agregador. É um fogo a serviço de seu entorno. Daí, fica mais fácil compreender o aspecto de liderança — um conceito tão corrompido nos dias de hoje — que Leão simboliza: é um fogo que demarca uma posição ou local de referência, que serve ou inspira a outros seres. Afinal de contas, agrega não por representar algum tipo de superioridade, mas porque possui a competência de promover e distribuir calor e vitalidade sem extinguir o seu próprio. Ele pode abastecer de fogo tantos outros gravetos, tochas e o que mais for preciso, sem ter sua potência diminuída.
A qualidade fixa do fogo de Leão envolve uma ação de manutenção e amparo, marcada pela continuidade. Leão trata de irradiar segurança e grandiosidade. É um fogo-referência e, por sua natureza de reunir seres que estão no entorno, também um fogo de celebração: em outros tempos, fazia-se fogo para celebrar diferentes ocasiões, mas hoje em dia ainda persiste o churrasco como um tipo de celebração casual em que mantém-se a chama acesa por horas e horas a fio.
sagitário: o fogo mutável
Sagitário é a brasa: o carvão ou lenha incandescentes, impregnados de fogo. O fogo encarnado que resta numa fogueira já perto de seu fim, após ter consumido e depurado a matéria ali colocada. É o fogo dentro de um turíbulo ou de uma pira ritualística, queimando e exalando ervas e incenso. Também o fogo baixo e fugidio do fim de um grande incêndio que, após queimar um local, transforma a área atingida em outro tipo de ambiente — nem sempre de forma destrutiva e improdutiva.
Para compreender a qualidade “mutável” do fogo de Sagitário, podemos pensar num fogo vivido: um fogo sob influência do meio em que está, que também modificou o local ou a matéria com os quais interagiu. Signos mutáveis envolvem uma boa dose de ambiguidade porque indicam tanto ações de encerramento e extinção de processos, como de renovação e mudança: representam um fim, mas também um início. A brasa é um bom símbolo para Sagitário por isso: elas podem existir dentro, permanecer após ou às vezes preceder um incêndio. Sagitário é o fogo experienciado, em contato e troca mútua com outros seres ou elementos. A propriedade de transformação é o que marca o fogo de Sagitário: a capacidade de promover uma mudança, depurar, purificar tudo aquilo com o qual se envolve. Ele opera contra a estagnação, a favor de alterar condições dadas.
A qualidade mutável do fogo de Sagitário se expressa, enfim, como uma ação de mudança de estado, marcada por renovação. É um fogo que já operou processos, já modificou e foi modificado e, portanto, carrega a sabedoria do que se passou. De certa forma, um fogo que alude à esperança, pois expressa que o fim é acompanhado de um recomeço, ou do potencial de mudança que a matéria e os seres possuem. Sagitário, enfim, trata de revelar e transformar a variedade de experiências.
para ouvir
Seguindo a toada dessa edição sobre a triplicidade do fogo, minha recomendação de hoje é de uma playlist de outre astrólogue-artista: Labaredas é uma curadoria inflamada & cativante feita por Mar Muricy, pra embalar esse começo de semana.
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um abraço e até semana que vem,
Ísis
AVELAR, Helena; RIBEIRO, Luís. Tratado das Esferas: um guia prático pda tradição astrológica. 3ª edição. Lisboa: Prisma Edições, 2017, p. 55.