Olá! Cheguei com a edição semanal de domingo (após a última ter saído um pouquinho atrasada, na quarta-feira), que hoje vem temática e especial: decidi escrever um pouco sobre o que é astrologia mundana de forma simples e acessível, apresentando melhor esse ramo astrológico para quem já acompanha essa newsletter e gosta das leituras coletivas, mas que talvez não saiba de tudo que ele trata.
Pra início de conversa, acredito que seja bom resgatar o que nós podemos entender por astrologia. A definição mais resumida que eu consegui escrever até hoje foi essa aqui, que tuitei no início do mês:
A partir dessa descrição, vale ressaltar que dizer que os fenômenos ocorridos no céu simbolizam os eventos que acontecem na Terra é diferente de declarar que os planetas influenciam o que ocorre aqui. Os movimentos lá de cima correspondem aos movimentos aqui na Terra, isto é, são análogos — e não de causa e efeito. É como um espelhamento do curso da vida existindo da forma como ela é, se comportando seguindo sua predisposição natural.
Os movimentos celestes se refletem em nossa vida terrena de forma tão literal quanto subjetiva, independente do que a gente escolha acreditar ou não. Por mais que muitos céticos gostem de argumentar assim, a astrologia não é uma crença; ela existe, funciona e pode ser utilizada como um conhecimento para nos orientarmos no tempo, e como uma ferramenta para previsão de possíveis eventos. (Bom, modéstia à parte, quem acompanha essa newsletter já testemunhou umas boas previsões astrológicas funcionarem e mostrarem a eficácia da técnica.)
Embora não seja o tema dessa edição, é preciso deixar claro que a ideia de destino e as previsões astrológicas não são definitivos, incontornáveis ou totalmente determinados: há sempre uma margem de possíveis significados que podem ser interpretados a partir de um mapa, e também de como podemos fazer escolhas para amenizar ou reforçar uma previsão. Apesar disso, a astrologia nos ajuda a verificar a natureza do tempo em curso: há coisas que estão previstas e “prometidas” (não num sentido moral/religioso) para ocorreram em certos períodos, enquanto outras, não. O porquê do tempo funcionar assim, claro, é uma questão que vai além da minha alçada. Mas o estudo e prática da astrologia, sem dúvida, nos ajuda a amigar-se do Tempo e compreender melhor o que ele nos oferece em diferentes fases e momentos que vivemos.
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo Tempo Tempo Tempo
Entro num acordo contigo
Tempo Tempo Tempo Tempo— Caetano Veloso, “Oração ao Tempo”
astrologia mundana
do que ela trata?
“Uma vez, então, que a previsão por meios astronômicos está dividida em duas grandes partes principais, e uma vez que a primeira e mais universal, chamada de geral, é aquela que está relacionada com raças, países e cidades consideradas em sua totalidade, e a segunda, e mais específica, que é chamada de natal, é aquela que se refere aos homens individuais, cremos ser acertado tratarmos primeiramente da divisão geral, porque tais assuntos são normalmente influenciados por causas maiores e mais poderosas do que são os eventos particulares.”
— Ptolomeu, no Tetrabiblos [grifos meus]
A tradução acima chama a astrologia mundana de “geral”, e talvez vocês também ouça, ou leiam por aí os termos astrologia mundial ou universal. Eu gosto especialmente do termo mundana porque ele carrega dois significados: o de algo que é terrestre, do mundo material, e também o de algo que é simples ou profano, relativo à vida social.
A astrologia mundana é o ramo da astrologia dedicado ao estudo do mundo e de todos os fenômenos do coletivo humano: eventos políticos, culturais, religiosos, econômicos, sociais e meteorológicos. Com isso, começamos a entender que a astrologia não trata apenas da observação dos destinos de indivíduos, mas também apresenta a ideia de destino coletivo, algo já presente no trecho anterior de Ptolomeu. Existe uma compreensão de fenômenos astrológicos que se mostram em eventos, mudanças e situações que atingem e envolvem uma coletividade, não apenas na experiência individual de cada ser do planeta (essa que, aliás, pode variar bastante, de acordo com o mapa de nascimento de cada um — é por isso que horóscopos muito genéricos ou uma leitura que considere apenas trânsitos não costumam funcionar bem para prever a experiência pessoal de alguém).
“[A astrologia mundana é] a astrologia dos fenômenos e processos que vão além das escolhas e do destino dos indivíduos. E por destino, quero dizer a rede normal de eventos que nos cercam e coisas que acontecem conosco. Portanto, trata-se realmente de interpretar os resultados do comportamento em massa e das mudanças sistêmicas no mundo.”
— Benjamin Dykes [tradução e grifos meus]
O fato é: o que ocorre no coletivo ressoa no individual, e é por isso que o contexto geral e específico são tão importantes para uma boa análise astrológica. Não adianta muito a Revolução Solar de uma pequena empresária prometer ganhos lucros exorbitantes, se ela vive em um país arrebatado por uma crise econômica generalizada; provavelmente, o melhor que ela poderá tirar daquele ano será ganhos modestos e uma situação mais confortável que a maioria de seus competidores no mercado. É por isso, também, que costumo dizer que todos os interessados, estudiosos e praticantes de astrologia natal deveriam estar a minimamente a par dos mapas mundanos e das previsões coletivas referentes ao país onde vivem — assim, é possível aprimorar a própria interpretação de mapas individuais considerando, também, o que se sabe do contexto coletivo do qual aquela vida faz parte.
como surgiu e se desenvolveu até aqui
Considerando as evidências históricas descobertas até hoje, as origens identificáveis da astrologia remontam a cerca de 2 mil anos AEC na Mesopotâmia, atual Iraque/Kuwait — embora, é claro, isso não signifique que tenha começado exatamente nesse período, sendo o mais provável que ela tenha começado a se desenvolver alguns milhares de anos antes.
O que acho mais interessante de se mencionar sobre as origens da astrologia é o fato de que ela surgiu com a sedentarização humana e o desenvolvimento da agricultura — isto é, é um conhecimento que de fato se origina para cumprir uma função prática bem concreta. Ainda que a observação os céus e o registro dos ciclos solares e lunares existisse desde o princípio da humanidade, é durante o período mesopotâmico que essa prática começa a ficar mais sistemática: ali, são atribuídas características distintas a planetas e diferentes qualidades a estrelas, e começam a ser feitas previsões de eventos coletivos, sempre com foco na agricultura e na política local.
Considerando essa ênfase no potencial de escolha de melhores períodos para desempenhar atividades e na atenção sobre eventos de impacto coletivo e comunal, podemos afirmar que o conhecimento astrológico nasce como um misto de astrologia mundana e astrologia eletiva. A partir daí, conforme o meio social foi se desenvolvendo e complexificando, novas demandas de uso da astrologia foram surgindo, e outros ramos desse conhecimento foram surgindo e sendo refinados.
Como é de se esperar, a astrologia não é o resultado de um desenvolvimento linear dessa área de conhecimento — para começar, a transmissão e tradução para diferentes culturas e línguas fez muito conteúdo se perder, mudar e ser adicionado no processo. Ao longo dos muito séculos de sua história, a astrologia prosperou e definhou, foi exaltada e perseguida, foi amplamente utilizada por líderes para a tomada de decisões, e também jogada à escanteio como “crendice mística” sem valor nem utilidade. No atual século XXI, acho que dá pra dizer que o estado atual desse conhecimento é uma mistura de um pouco disso tudo; há muitas astrologias por aí, fundamentadas ou equivocadas, praticadas com ou sem responsabilidade. Como muitas outras áreas e profissões, existe de tudo um pouco. Entretanto, o que mais nos interessa — e é nisso é o que eu prefiro concentrar minha atenção — é que os fundamentos e aprendizados astrologia tradicional, de alguma forma, sobreviveram o suficiente para que possamos seguir praticando e desenvolvendo esse conhecimento nos dias de hoje.
A meu ver, a astrologia mundana é um dos ramos mais difíceis de se estudar e praticar atualmente: diferentemente dos outros, há poucas técnicas e formas de análise plenamente estabelecidas no estudo e na interpretação dos mapas; o material de estudo é reduzido, pouco disponível e a preços altos (e quando existem, são apenas em inglês); além disso, o mundo ficou muito mais complexo do que aquele descrito e observado pelos astrólogos persas e árabes medievais, que foram os que mais desenvolveram esse ramo. Quando comecei a estudar astrologia mundana no fim de 2019, ficou claro pra mim que fazer isso sozinha seria extremamente difícil e frustrante. Desde que comecei a ministrar oficinas de astrologia mundana em março do ano passado, percebo que pensar em diálogo conjunto, elaborar hipóteses e testar técnicas (antigas ou novas) em grupo faz muito sentido. No fim das contas, estamos redescobrindo, construindo e atualizando esse conhecimento também coletivamente — e a newsletter Meio do Céu também é parte fundamental desses estudos, registros e experimentações.
nota sobre a imagem:
*O modelo geocêntrico (aquele em que a Terra está ao centro, rodeada do Sol e outros planetas) é utilizado na astrologia por uma questão de perspectiva: a astrologia é um conhecimento de natureza empírica, estruturado a partir do ponto de vista terrestre; esse, portanto, é o referencial que mais importa, porque é nele que vivemos. Ao contrário do que é amplamente divulgado, muito antes de Copérnico, houveram outros estudiosos a propor o heliocentrismo, ainda na antiguidade: Aristarco de Samos no século 3 AEC, Seleuco de Seleucia em 6 AEC e, segundo Eduardo Gramaglia1, “o mesmo Aristóteles menciona que os Pitagóricos ensinavam um sistema heliocêntrico […] referências a uma teoria heliocêntrica abundam em todas as culturas: Confúcio a ensinou no século 7 AEC, assim como no Zohar hebreu e no Vishnu Purana hindu.” Com isso, podemos considerar que o modelo geocêntrico era usado pelos antigos para determinados fins não por mera ignorância ou equívoco, e sim intencionalmente, quando este era o mais apropriado para certos usos, como no caso da astrologia.
usos e ferramentas da astrologia mudana
Gosto muito de uma divisão que o Benjamin Dykes, já citado anteriormente, propõe para a astrologia mundana. Ele divide ela em dois tipos:
A astrologia mundana episódica tem como enfoque acontecimentos localizados, clima, preços, questões mais práticas e imediatas que afetam o coletivo. Suas ferramentas de trabalho são mapas de ingressos, lunações e eclipses. É a astrologia mundana a qual eu mais me dedico e, portanto, a que vocês conhecem por ler a respeito aqui: sua utilidade inclui tecer previsões relativamente objetivas e concretas para o momento atual.
Outra parte da mundana, porém, seria a histórica, voltada para os aspectos político-culturais a médio e longo prazo, com o intuito de ganhar compreensão sobre partes da história, ou mesmo outra forma de compreensão da história. A ferramenta principal para esse tipo de trabalho é o estudo de conjunções dos planetas superiores e de cronocratas (regentes de períodos) na história.
um pequeno glossário
Ingresso Solar em Áries
Chamamos assim o momento exato em que o Sol entra a 0º de Áries, evento que marca o ano novo astrológico, o que costuma ocorrer no dia 20 de março (às vezes, dependendo do local, um pouco antes ou depois). Na astrologia mundana, esse evento é o marco temporal mais importante do calendário anual: o instante em que o Sol irrompe no signo de Áries define um mapa a partir do qual é possível obter o panorama de eventos e acontecimentos do ano de um país. Esse mapa costuma ser calculado para a capital do país para o qual as previsões serão elaboradas.
Lunação
Convencionou-se chamar de lunação o ciclo de 28 dias da Lua, embora não seja exatamente isso: lunação, originalmente, era o termo usado para designar o encontro de Sol e Lua por união (Lua Nova) ou oposição (Lua Cheia). Da forma como eu e outros astrólogos tratamos hoje, uma Lunação de Aquário, por exemplo, incluiria as duas metades desse ciclo: a primeira, iniciada pela Lua Nova em Aquário, e a segunda, marcada pela chegada da Lua Cheia em Leão.
Eclipse
Um eclipse é uma interrupção momentânea, parcial ou total, da luz do Sol ou da Lua por meio da interposição de um corpo que encobre sua fonte de luz. Existem eclipses solares e lunares: os solares ocorrem sempre na Lua Nova, quando a Lua fica suficientemente alinhada ao Sol e consegue encobri-lo; os lunares ocorrem sempre na Lua Cheia, quando a Lua é ocultada pela sombra da Terra. Eclipses provocam uma modificação imediata e evidente na aparência do Sol ou da Lua: num eclipse solar, toda a luz se esvai momentaneamente, e o dia “vira” noite; é um evento impactante e impressionante para quem o vive. O eclipse lunar é visualmente menos “dramático”, mas quando ocorre, também altera significativamente a Lua Cheia, que ganha com um tom avermelhado.
Conjunções Planetárias
Na astrologia, chamamos de “conjunções” qualquer encontro entre dois astros no mesmo local (signo e grau, para ser uma conjunção exata). As Conjunções Planetárias, porém, são um sistema de cronocracia (regência de períodos de tempo) baseado nas conjunções periódicas dos planetas superiores (Marte, Júpiter e Saturno). São três tipos de conjunções, em importância:
1. Grande Conjunção Saturno-Júpiter em Áries, a cada 960 anos;
2. Grande Conjunção Saturno-Júpiter no começo de cada triplicidade, a cada 240 anos; após entrar numa triplicidade, eles se unem em 10 a 13 conjunções em cada triplicidade, fazendo 1 conjunção a cada 20 anos, aproximadamente.
3. Conjunção Saturno-Marte em Câncer, a cada 30 anos (às vezes acompanhada de uma segunda, 2 anos depois);
Para os persas e árabes medievais, a mudança de triplicidade pressupunha o surgimento de novas dinastias, novas religiões ou novos profetas, ou ainda que haverá mudanças no poder global. (Para quem se interessa por esse tipo de astrologia mundana histórica, recomendo ficar de olho, que eu devo escrever alguma edição especial sobre esse tema nas próximas semanas!)
uma metáfora que resume (quase) tudo
Nos últimos dias, preparando o material didático para uma oficina, tive a ideia de elaborar uma metáfora que fosse útil para compreender a hierarquia de grandeza e importância dos mapas e eventos coletivos que fazem parte da astrologia mundana. A primeira imagem ilustrativa que me veio à mente foi um livro, um objeto tão simples quanto complexo, perfeito para sintetizar as minúncias desse ramo astrológico:
O ano astrológico equivaleria ao livro como um todo, o objeto livro, contendo integralmente a narrativa e história dos eventos do país para aquele ano.
O mapa do Ingresso Solar em Áries seria como os textos de contracapa/orelhas e a introdução, trazendo as informações mais relevantes contidas naquela obra, mas sem profundos detalhamentos da narrativa.
Quando são necessários para as previsões do ano astrológico num país, os outros ingressos solares no ano (Câncer, Libra e Capricórnio) seriam as divisões do texto da história em partes, criando seções no texto geral, mas fazendo parte dele como um todo (isto é, complementando o que já é fornecido pelo mapa do Ingresso Solar em Áries). Os mapas de cada ingresso seriam como um texto de apresentação de cada uma dessas seções.
As lunações seriam de fato os capítulos do livro, materializando e detalhando todo o conteúdo da história prometida na capa, contracapa e orelha do livro e desenvolvendo diferentes aspectos da trama.
Eclipses são capítulos especiais em que uma série de eventos de grande magnitude ocorrem, cujos efeitos serão observados com muito impacto e relevância durante vários capítulos à frente.
Grandes conjunções (conjunções de Júpiter-Saturno) e outras conjunções planetárias (Saturno-Marte) são marcadoras de longos períodos narrativos; elas reuniriam todos os livros inseridos nessa demarcação de tempo, como se eles fossem parte de uma mesma saga. Exemplo: adentramos a Era do Ar em 1980, com a Grande Conjunção Júpiter-Saturno em Libra; todos os anos astrológicos, desde então, estariam dentro desse contexto temporal maior.
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um abraço e até semana que vem,
Ísis
GRAMAGLIA, Eduardo. Astrologia Hermetica: Recobrando el Sistema Helenistico. Buenos Aires: Editorial Kier, 2007.
eu ameei! tô curiosa pra saber mais sobre essas grandes conjunções!!
Genial a metáfora com o livro!