edição #88, Ingresso do Sol em Câncer
solstício de inverno e previsões para o trimestre no Brasil
Vou-me embora
Vou buscar a sorte
Caminhos que me levam
Não têm Sul nem Norte
Mas meu andar é firme
E meu anseio é forte
Ou eu encanto a vida
Ou desencanto a morte...— Vou-me Embora, do Paulo Diniz
(que ouvi recentemente na voz do Zé Ibarra)
O inverno chegou aos trópicos. Em astrologuês, dizemos que o Sol ingressou em Câncer. No hemisfério sul, inverno; no norte, verão. De tempos em tempos eu recebo alguma DM de alguém me indagando como que faz esse lance das estações invertidas nos hemisférios, já que a astrologia foi toda sistematizada pelos povos acima do Equador, o que fez com que as descrições dos signos e a concepção geral dos ciclos astrológicos estejam intimamente ligada às dessas regiões.
Essa é uma questão um pouco complexa, mas faço questão de simplificar: a meu ver, não importa tanto. Podem desapegar das descrições de Câncer como início de verão, ou de quaisquer especificidades muito localizadas da astrologia. “Medusa” é o nome da personagem cuja mitologia está relacionada à estrela fixa Algol, da constelação de Perseu — mas ela poderia muito bem ser rebatizada da estrela do Zumbi, como escrevi nessa edição, por sua efetividade simbólica em retratar diversas narrativas em diferentes regiões. Astrologia é uma linguagem que toma muitas formas de expressão possíveis; o que interessa é que ela funciona no mundo todo, mas “calhou” de os autores do norte escreverem os primeiros materiais a respeito dos signos e seus simbolismos.
A realidade é que Câncer, como os outros signos, pode se expressar e se desdobrar em uma série de significados que lhe cabe, tanto no verão quanto no inverno — e é desse Ingresso Solar à luz dos trópicos que vamos falar agora. (Aliás, qual foi a minha surpresa ao ler que a Bells escreveu exatamente também sobre essa perspectiva de adaptação da estação na edição de brisas do bom espírito — vão lá ler também!)
Regido pela Lua por domicílio e por Júpiter por exaltação, Câncer é o signo da água cardinal, aquela que “fecunda e fertiliza, tomando conta das coisas no compromisso de cuidá-las, nutri-las e fazê-las vingar”.
Toda criação exige uma força motriz que rompe com a estagnação, o que explica o porquê de Câncer ser esse signo de qualidade cardinal: a cardinalidade indica iniciativa e criação de possibilidades. A vida é um esforço, e nada nasce da inércia — o movimento é o que a faz brotar. Portanto, essa é a água que trata da necessidade primordial do alimento, e do próprio desejo de nascer/viver.
[trecho da edição #69]
Se lá nos países temperados do norte o ingresso do Sol em Câncer vai manifestar muito bem uma explosão de vida e fertilidade, com o início da temporada mais quente do ano, aqui para nós do sul, os significados são modulados para a ideia de conservação, da segurança de estar em acolhimento. O inverno é, simbolicamente, o período de resguardo e desaceleração, afinal.
Criar morada internamente parece um significado bastante apropriado para o ingresso do Sol num signo cujo animal-símbolo é o caranguejo, que carrega líquido dentro de si: é preciso aprender a fazer da própria casa um lar; é preciso fazer dos lugares por onde passamos boas pousadas; porém, sobretudo, é preciso fazer do próprio corpo uma permanência habitável, regulada e acolhedora para se seguir existindo.
No Brasil, o Ingresso do Sol em Câncer ocorreu no fim da manhã do último 21 de junho. Com isso, iniciamos o segundo trimestre do ano astrológico no nosso país, que abre um mapa complementar com promessas de possibilidades e previsões até o início da primavera — isto é, permanecemos com a referência principal do mapa do Ingresso Solar em Áries como mapa anual para o país, mas temos agora alguns adendos importantes que adicionam e modificam alguns elementos de significados já postos.
O que o inverno nos traz?
Nesse mapa, o Sol ocupa o signo da Lua, Câncer, na casa 11; já a Lua ocupa o signo do Sol, Leão, na casa 12: há um acordo invisível entre os dois luminares que se envereda justamente entre casas muito distintas que, entre tantos assuntos, tratam das ideias opostas: pertencimento e isolamento, liberdade e restrição. Sem dúvidas, iniciamos mais um trimestre marcado por temas que envolvem proibição ou liberação, julgamentos e arbítrios, e como tais decisões afetam a coletividade.
A Lua em Leão na casa 12 está acompanhada de Vênus e Marte e se afasta de uma quadratura de Júpiter na casa 9. Contrariando várias expectativas — pois uma Lua de casa 12 está longe de ser um posicionamento fácil —, o que ela vem indicar nesse contexto específico parece ter a ver com um direcionamento propositivo e proveitoso das forças judiciais e legislativas junto à temas que envolvem a marginalidade. Em outras palavras: a atenção se volta à questões que tangem a vulnerabilidade social, populações que vivem em locais remotos ou em restrição de liberdade, além dos tabus de descriminalização e outros temas, como os direitos reprodutivos. A questão aqui é a casa 12 não trata de assuntos leves, mas sim daquilo que é escondido, sigiloso, malvisto, inclusive em termos coletivos; só que, nesse mapa, tudo isso aparece de forma surpreendentemente produtiva, já que a Lua vai do aspecto Júpiter à Vênus, está acompanhada do Lote do Espírito e bem disposta pelo Sol na 11.
Há, porém, uma parte mais delicada nessa equação: Marte em Leão também nessa casa 12 e faz um sêxtil exato com Mercúrio em Gêmeos. Esse Marte vem indicar eventos e ocorrências bem ligados à criminalidade ou revoltas, que podem se mostrar como disputas de autoridade entre facções ou outros grupos de natureza bélica e competitiva — pode indicar, inclusive, riscos de ataques e acidentes em ruas e espaços públicos. Me parece, inclusive que a lida com esses temas será uma ocupação importante do governo.
Por outro lado, diferenciando-se do primeiro trimestre, o regente do presidente está em excelentes condições, já que ele vem representado por um Mercúrio em Gêmeos no topo da casa 10. É bem verdade que Betelgeuse (aquela temida estrela implosiva), segue ativa no ângulo do MC, mantendo a controvérsia no jogo, mas vê-se aqui um trimestre em que a lábia e a habilidade comunicativa do governo podem se recolocar de forma efetiva e com grande visibilidade, diferentemente do que tivemos de março até aqui, em que até os bons feitos ficaram no escanteio midiático. Não nos enganemos, porém: com o Sol em Câncer na casa 11, um eixo de poder fundamental continua bem subjugado ao Legislativo.
Pensando de forma mais subjetiva em nós, população comum, representados pela Lua em Leão na casa 12, penso que este mapa firma um cenário de inverno em que o olhar se volta para o que costuma passar despercebido — o que fica invisibilizado e alheio aos olhos, tanto em termos individuais quanto coletivos. Com a licença de mais uma auto-citação, lembro que escrevi na última edição exclusiva sobre a Vênus em Leão como uma figura que porta “uma fagulha emprestada do brilho solar para adentrar esses espaços [escondidos], examinar as frestas e as sombras, revelar o que há ali no fundo”. No fim das contas, o inverno trata de recolhimento e manutenção da vida frente às intempéries. O que podemos encontrar de precioso nessa reclusão? Há formas de se acolher mesmo nas restrições que lhe existem hoje? O que significa pertencimento para si? E que lar, afinal, é possível de se criar e conservar nessa temporada? Essa são algumas questões para levarmos conosco ao longo desse trimestre. Um feliz solstício para nós!
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um abraço e até a próxima,
Ahhh, você me recomendando obrigadaaa <333
E ansiosa pra detalhar mais esses babados na oficina!! kkk