Depois de mais de dois anos sem fazer leituras de mapas pessoais, voltei às consultas astrológicas regulares. Atender pessoas é uma toda uma conversa à parte que rende assunto, mas hoje o foco é outro. Frequentemente, nos atendimentos que tenho feito, falo sobre fases da vida bem anteriores ao momento presente do consulente em si. Falo de passado, de infância, de adolescência, de início da vida adulta. Pode parecer curioso uma astróloga falar tanto de passado, e de fato nem sempre ele é pertinente para o que a pessoa veio procurar na consulta. Mas o fato é que, quanto mais vivo, mais percebo o próprio corpo como um grande acúmulo de experiências: todos esses anos vividos, as crises de choro ou de euforia, os momentos de paz; beijos e abraços, conversas cujas palavras perduram na cabeça, anseios das decisões que nos trouxeram até aqui. Isso tudo que chamamos de passado — ou que, quando nos projetamos nessa narrativa, chamamos de memória — não é um aglomerado abstrato e fugaz que existe apenas na nossa mente. Tudo isso está armazenado, materialmente, em algum lugar. E esse lugar é o nosso corpo.
Na aproximação com a astrologia, o primeiro significado da Lua que as pessoas costumam acessar é o das emoções. E não está errado, mas é que ela é bem mais do que isso. Tudo que a gente apreende do mundo pela via não-racional é coisa da Lua — as sensações e as percepções que temos ao chegar num ambiente, por exemplo. Naturalmente, a materialidade do nosso próprio corpo é da Lua, porque ele é o meio pelo qual a gente experiencia a vida e o mundo, e por isso ela ser um indicador da nossa vitalidade. Daí faz sentido a relação simbólica dela também com o sustento e o alimento, ou seja, aquilo que precisamos para manter esse corpo existindo. Num mapa, a Lua sempre vai ter o que informar sobre a nossa própria constituição e condição física.
Quando me refiro a períodos passados na vida do consulente, costuma ser para perguntar sobre eventos e coisas que ocorreram, ou como a pessoa percebia a si mesma ou alguma área da vida na época. Nem todas as pessoas acessam esse tempo pessoal com conforto ou facilidade. Acho que tem a ver com uma cultura de tempo muito linear que serve à noção de progresso, que valoriza ideais de superação; se voltar ao passado, nesse contexto, pode parecer uma coisa meio sem propósito, ou um investimento ruim do próprio tempo. Estamos todes obcecados em fazer o melhor do tempo, aparentemente, e perder tempo é sempre muito ruim — embora a gente também tenha se acostumado a gastar horas diárias rolando feeds de conteúdos que, no fundo, pouco nos interessam.
Longe de culpabilizar o comportamento de ninguém, pois somos produto desse mesmo tempo, o que eu quero compartilhar é que, se o nosso corpo acumula memória, nós também somos um arquivo vivo. O tempo vivido é um acervo que a gente pode considerar e consultar, porque ele sempre traz mais perspectiva para o agora. Só que, dependendo da vida que se viveu, revisitar o tempo passado pode ser bastante doloroso, como cutucar uma ferida. A maioria das pessoas odeia estar vulnerável (Luas debilitadas, estou olhando para vocês), mas, em alguma medida, me parece que a casca grossa só atravanca nossa própria vida. Inevitavelmente, esse tempo vivido se reflete no agora, já que ele se materializa como memória (vívida ou inconsciente) nesse nosso corpo. Temos, de verdade, alguma escapatória? Acho que não.
Eu não gosto da palavra recurso, mas acho que ela comunica bem o esse tempo acumulado no corpo tem a nos prover: bem ou mal, aos trancos e barrancos ou não, chegamos até aqui. Alguma coisa sobre viver e sobreviver a gente aprendeu. Um corpo tem seus saberes.
Na minha experiência, tem ficado mais evidente essa não-linearidade no tempo na própria vida — porque o tempo é essa grandeza paradoxal que nos impõe um fluxo de constantes acontecimentos e mudanças, mas que também expõe o quanto carregamos conosco coisas que não mudam nunca. Num processo de mudança de casa que vivi esse ano, tive que lidar com muita velharia guardada, e acabei revirando vários diários de infância e adolescência. É assustador ver tanto de mim que já estava ali, em interesses, reações, formas de pensamento e percepções sobre o mundo, embora num corpo ainda muito jovem e inexperiente, com uma personalidade bem diferente da que eu me enxergo hoje.
Revisitar fases e outros períodos da vida é uma forma de buscar versões de como sua vida já foi, de quem você já foi. E que talvez ainda seja, ou possa ser — porque, às vezes, encontramos partes nossas que se perderam ou ficaram de lado no caminho. Nos últimos anos, acho que fui recriando e resgatando parte desse acervo pessoal que ficou meio esquecido, retomando hábitos, gostos e atividades que me conectam a um passado que me fez falta. Acho que isso é o que muita gente chama de comfort food, comfort series, etc: coisas que a gente faz pra nos dar aconchego, pois refrescam essa memória que permanece no próprio corpo. É tudo lua, lua, lua, lua.
Também temos partes ainda não encontradas, é claro. Ainda a serem descobertas. Acho que essa é outra beleza que a astrologia tradicional me trouxe: perceber que não estamos encerrados em estereótipos pré-formados de como ser ou existir. Tem muita vida para se inventar. Um mapa é um guia, não uma descrição precisamente específica de como nossa vida é ou deveria ser.
Curiosamente, um texto sobre corpo e tempo me leva a falar sobre autorresponsabilidade. kkkk. Pois sim, por mais que a gente fale de destino e do quão pouco controle temos sobre forças exteriores que incidem sobre nossa própria vida, ainda temos escolha de como lidar com elas. Comando é uma coisa, controle é outra. Infelizmente, é fácil demais confundir os dois. Pensando com a metáfora náutica (sempre ela), se a nossa vida é uma embarcação navegando em alto mar, não temos como controlar as condições climáticas sa viagem, mas seguimos tendo comando sobre a direção do barco. O leme é sempre nosso.
Quem ainda não comprou o Lunário 2025? Nesse fim de ano, essa é a melhor forma de apoiar o trabalho dessa artista-oraculista que vos escreve. Além de ser um belo cartaz pra dar de presente, criar o hábito de acompanhar as fases da Lua (e outros trânsitos astrológicos, para os mais versados) é uma forma de aproximação com os ritmos de tempo da natureza e do nosso corpo. Se você não sabe por onde começar, recomendo baixar gratuitamente o guia prático de modos de uso do lunário, além de me acompanhar pelo Instagram, onde comecei uma série de reels explicando um pouco mais qual é pira desse negócio de tempo do céu.
Saudade que eu tava de escrever aqui, viu? Sigo catando cavaco da loucura que foi esse ano de 2024 na minha vida, mas com a vontade de desengavetar mais alguns rascunhos pra publicar durante o recesso. Vamos ver. No mais, o que eu garanto mesmo é a edição trimestral completona da Meio do Céu sobre astrologia mundana, que sai perto do Natal, com previsões do último trimestre do ano astrológico, que vai até março.
um beijo e até!
Oi isis! Li seu texto e fiquei interessado na consulta astrologica, voce esta com a agenda aberta? Obrigado