Oi. Quanto tempo, né? Para meu espanto, o primeiro trimestre do ano astrológico (iniciado em 20 de março) já está perto do fim. Ao mesmo tempo, aconteceu tanta coisa de lá até aqui que três meses parecem pouco. Nesse tempo, não consegui escrever uma linha sequer sobre o céu — e um céu que esteve difícil, sim, mas a minha pouca disponibilidade teve mais a ver com a vida pessoal.
Começar um doutorado é iniciar uma fase em que tudo ao redor precisa se mover e se acomodar para abrir espaço ao esforço e à dedicação que empreender uma pesquisa exige. Ler, escrever e estudar tanto têm me feito bem e, como é de costume, me instigado a tecer relações entre uma série de temas e a astrologia. Essa pausa involuntária também abriu espaço para pensar sobre como lidar com a prática da astrologia numa época de tantas ameaças e incertezas em nível coletivo.
Uma coisa que entendi é que é preciso estar atenta aos efeitos que os saberes têm sobre a vida. E um saber oracular — isto é, que tem o potencial de revelar caminhos e antecipar possibilidades — pode proporcionar tanta clareza quanto angústia; tanta confiança quanto ansiedade. Lidar com previsões pode ser desafiador, especialmente quando elas não trazem o conforto que gostaríamos. Entre o previsto e o vivido, no entanto, há uma margem considerável de possibilidades. Saber o que pode ou deve acontecer não nos dispensa de viver as coisas de fato. Passar pelas experiências munido ou não de previsões é uma escolha de cada um. Eu, pessoalmente, tenho estado mais interessada em viver sem prever os pormenores: ter uma noção da qualidade do tempo, sim, mas priorizar o que percebo como necessidade e desejo a partir da experiência do meu próprio corpo.
Mas aí, quando os ingressos de Saturno em Áries e Júpiter em Câncer foram se aproximando, percebi que gostaria de escrever sobre isso. Primeiro, porque na astrologia mundana esses dois planetas são marcadores de tempo fundamentais, que apontam as condições e os significados mais proeminentes de um dado período. E segundo porque, bem… uma das coisas que aprendi pesquisando imagens e imaginários coletivos é que só se pode querer aquilo que se imagina.
A meu ver, interpretar esses trânsitos planetários e compartilhar o que penso a respeito significa confiar que a linguagem nos ajuda a trazer nitidez, a ampliar perspectivas e a ganhar dimensão sobre o que vivemos. Continuo voltando à astrologia não para antecipar cada evento, mas para imaginar junto — porque imaginar também é uma forma de criar possibilidades no tempo em que a gente vive. Esse tempo em que, estranhamente, coexistem alegria e tristeza, vida e morte. E é sobre essa estranha simultaneidade que vamos tratar, na convergência desses novos trânsitos.
Comecemos por ele — o mais temido — Saturno em Áries. Para início de conversa, vale contextualizar que Saturno percorrerá apenas os graus 0 e 1 do signo de Áries, de 25 de maio a 31 de agosto, um período de aproximadamente três meses. Em setembro, ele retorna (pois estará em movimento retrógrado) à Peixes, onde percorre mais alguns graus até sua entrada definitiva em Áries, em 13 de fevereiro de 2026. (Quem nasceu com Saturno em Peixes no mapa, ainda não acabou: de setembro a fevereiro tem a fase final dessa história.)
Na edição do início do ano astrológico, comentei sobre esse posicionamento trazer um clima de agitação social e política, de jogar luz sobre referenciais coletivos de autoridade e liderança, expondo os traços mais problemáticos dessas figuras (a mais recente briga entre Trump e Musk é a cara disso). Nesses três meses de Saturno em Áries de 2025, teremos apenas uma amostra de seus efeitos — o período do trânsito completo, de fevereiro de 2026 a abril de 2028, se apresenta de modo bem mais desafiador.
Para começar, porém, acho importante entendermos o porquê da passagem de Saturno por Áries ser tão significativa atualmente: tudo começa ao situar esse trânsito no contexto temporal mais amplo em que estamos, o da Era do Ar, iniciada definitivamente pela última Grande Conjunção de Júpiter-Saturno em Aquário, em 17 de dezembro de 2020. Desde essa data, entramos num ciclo de 20 anos marcados por esse posicionamento. Nos últimos quase cinco anos, parece que significados típicos do signo de Aquário têm permeado e consolidado na vida social: hiperconectividade, vigilância, descentralização do poder e domínio por vias indiretas. Sendo um signo fixo Aquário também aponta para um tipo de saturação, do excesso que tende a nos paralisar — e num signo do elemento ar, esse sufocamento se dá pela via das ideias, da sobrecarga sobretudo mental.
Saturno tem sua queda no signo de Áries; no fundamento astrológico, isso significa que ele perde força nesse signo, ou encontra-se num terreno avesso à seu modo de ação costumeiro. O temor geral pelo trânsito de Saturno em Áries tem a ver com essa debilidade essencial e também com o fato de ela muitas vezes significar queda literal das coisas. Esse é um trânsito que parece mesmo substituir os “anúncios” de possível colapso por colapsos de fato; a meu ver, o trânsito de Saturno em Áries tende a frear o impulso de crescimento progressivo e acelerado que tem sido a ordem econômica neoliberal. Que tipo de evento ou condição poderá provocar esse refreamento? Não consigo imaginar, mas limitações impostas pela crise climática parecem os mais prováveis.
Um significado bem estabelecido de Saturno em Áries é o da imposição de autoridade por meio da força. Quedas de regimes ou mudanças nas estruturas governamentais podem ocorrer de forma brusca ou autoritária, encarando resistências à sua legitimidade. Saturno estava em Áries na ocasião das anexações territoriais (Áustria e parte da Tchecoslováquia) feitas pela Alemanha nazista em 1938; no término da Guerra Civil Espanhola em 1º de abril de 1939, quando as forças nacionalistas de Francisco Franco capturaram Madrid; na Primavera de Praga, em 1968, período de liberalização política e social cujas mobilizações foram violentamente reprimidas por tropas lideradas pela União Soviética.
Mas Áries também é o signo que inaugura o zodíaco, o que melhor representa a novidade e o movimento de romper e iniciar. Daí a significação, também, de iniciativas revolucionárias por autonomia, mas que podem sofrer fortes repressões, justamente por questionar o poder estabelecido. Os movimentos estudantis de 1968 foram marcados por protestos em várias partes do mundo; no Brasil, com manifestações contra a ditadura militar, o movimento culminou na Passeata dos Cem Mil. No mesmo ano, foi decretado o AI-5, inaugurando a fase mais repressora da ditadura, com a suspensão de direitos civis e políticos, a dissolução do Congresso e a instalação da censura. Nos Estados Unidos, o líder Martin Luther King Jr. foi assassinado no mesmo ano, em 4 de abril de 1968 (dia exato da conjunção de Sol-Saturno em Áries, diga-se de passagem).
O sentido mais vantajoso de Saturno em Áries, a meu ver, é o da revelação, no sentido de tornar nítido e visível o que antes estava dissimulado, ambíguo ou escondido. As coisas ganham contorno, fica possível chamá-las pelo nome que elas têm. No geral, me parece um trânsito de agressividade política, reconfigurações territoriais e lutas por emancipação. Esse é um tempo em que as coisas não se resolvem no jeitinho, mas no pé na porta. Não que isso seja uma orientação — mas é importante ter em mente que, em tempos de Saturno em Áries, pode ser mais adequado operar com coragem e iniciativa do que com cautela e dedicação.
Para a nossa sorte — porque parece que o céu também não dá ponto sem nó —, o início desse hostil trânsito de Saturno em Áries vem acompanhado do aguardado ingresso de Júpiter em Câncer, agora no dia 9 de junho de 2025.
Se Saturno em Áries chega como um corte, uma interrupção, Júpiter em Câncer pode ser lido como um gesto de contenção e reparo. Enquanto Saturno atua no plano das restrições e da forma, Júpiter é símbolo de expansão, crescimento e possibilidade. E em Câncer, signo onde se exalta, Júpiter encontra o terreno mais fértil possível para fazer a vida brotar, nutrir e se multiplicar.
Júpiter em Câncer me lembra que a vida insiste. Mesmo em meio a grandes catástrofes, ela se reorganiza, se reinventa e se propaga. Falar de Júpiter nesse signo é falar de nutrição, de acolhimento e da teimosia da esperança; uma esperança que não é ingênua, mas moldada pela experiência da vulnerabilidade como condição fundante da existência coletiva.
Historicamente, esse trânsito costuma atravessar períodos de instabilidade política global, mas também de emergência de redes solidárias, de novos arranjos coletivos e de reorganizações identitárias profundas. Um primeiro eixo interpretativo diz respeito ao significado jupiterial da unificação: em 1989, com Júpiter em Câncer, houve a queda do Muro de Berlim, símbolo de uma reunificação concreta de famílias, territórios e imaginários. No ano seguinte, iniciaram-se formalmente as negociações pelo fim do apartheid na África do Sul, outro marco de reintegração histórica, agora sob a marca da justiça racial.
Câncer, signo regido pela Lua, fala de cuidado e pertencimento. Por isso, esse trânsito também tende a mobilizar questões sobre identidade, herança e o direito de ocupar um “lar”, seja ele físico, cultural ou afetivo. Ao longo da história, temos exemplos de como esse trânsito potencializou tanto movimentos revolucionários por autonomia quanto impulsos nacionalistas mais excludentes. Em maio de 1789, com Júpiter exaltado em Câncer, houve a convocação dos Estados Gerais, ponto de partida para o início da Revolução Francesa, com todas as promessas de liberdade, igualdade e fraternidade — mas também com sua invenção moderna da identidade nacional e do cidadão como unidade política.
Essa tensão entre pertencimento e exclusão se manifestou com força no Brasil de 2013. Durante esse último trânsito de Júpiter por Câncer, os protestos de junho tomaram as ruas do país com demandas inicialmente motivadas por transporte público, uma causa de direito e cuidado coletivo (inclusive centrada no deslocamento, coisa bem lunar). Mas rapidamente essas mobilizações pluripartidárias se ampliaram em causas e prioridades, se tornando terreno fértil também para as disputas em torno da representação política e da ideia mesma de “nação”. A ascensão de um nacionalismo de viés autoritário e excludente, como o bolsonarismo, pode ser rastreada até esse momento.
Isso nos leva a pensar: quem é incluído nas estruturas de cuidado? Quem merece proteção? E quem é deixado do lado de fora do “lar coletivo”? É nesse ponto que o trânsito de Júpiter em Câncer nos convida a imaginar e construir formas de coletividade desviantes, que não exijam pureza de origem ou pertencimento hereditário. Antônio Bispo dos Santos evoca a imagem de um rio para explicar a noção de confluência, que me parece bem pertinente para as questões de pertencimento e formação de vínculo que o trânsito de Júpiter em Câncer propõe.
“Um rio não deixa de ser um rio porque conflui com outro rio, ao contrário, ele passa a ser ele mesmo e outros rios, ele se fortalece. Quando a gente confluencia, a gente não deixa de ser a gente, a gente passa a ser a gente e outra gente – a gente rende” (Santos, 2023, p. 04).1
Um exemplo importante de mobilização coletiva foi a Argentina em 2001, quando, sob o mesmo trânsito de Júpiter, uma profunda crise econômica e institucional levou à eclosão de uma série de revoltas populares. Com saques, panelaços e ocupações, a população tomou as ruas ao grito de “¡Que se vayan todos!”, rejeitando não apenas o governo, mas o sistema político como um todo. Foi um momento de ruptura, mas também de invenção: surgiram redes de solidariedade, assembleias de bairro, cozinhas coletivas, moedas alternativas. A crítica ao sistema veio acompanhada de uma tentativa concreta de reorganizar a vida coletiva a partir do cuidado mútuo e da autogestão. Porém, como aponta David Harvey,
“o movimento se diluiu rapidamente, mas deixou atrás de si o sentido de uma rede global urbana prenhe de possibilidades políticas que ainda não foram aproveitadas pelos movimentos progressistas” (Harvey, 2014, p. 211).2
Há muitos exemplos passados do trânsito de Júpiter em Câncer que mostram experiências de crescimento baseado em vínculo e segurança comunitários: a Comuna de Paris de 1871, a Comuna de Xangai de 1967 e a Greve Geral de Seattle em 1919 (primeira greve geral nos EUA, que gerou temores de revolução comunista) foram momentos históricos que coincidiram com o trânsito de Júpiter em Câncer e mostram como essa configuração pode expressar a vontade de autogoverno, de cuidado mútuo e de reorganização coletiva da vida cotidiana. Esses experimentos nascem muitas vezes como alternativas radicais às formas dominantes de viver — e, por isso mesmo, correm o risco constante de serem reprimidos, absorvidos ou neutralizados pelas estruturas capitalistas.
Júpiter em Câncer também tende a favorecer a expansão de políticas públicas voltadas à proteção social: segurança alimentar, habitação, saúde, direitos reprodutivos, apoio a famílias e grupos minorizados. É um período propício para fortalecer a noção de cuidado como responsabilidade coletiva, bem como de ampliar os sentidos possíveis de cuidado. Que políticas de cuidado podem emergir em meio ao colapso global? Como imaginar prosperidade sem dominação? É possível, enfim, desejar sem acumular?
Vale também lembrar que Câncer é signo da memória. Com Júpiter ali, a memória coletiva também ganha potência política. Amplificam-se os debates sobre história, trauma, colonialismo e justiça. A memória pode se tornar campo de disputa e ferramenta de transformação; transformar memória em imaginação política talvez seja uma das tarefas mais urgentes deste tempo: revisitar narrativas históricas para que novos futuros se tornem pensáveis. Retomando o que escrevi lá na introdução, só se pode querer aquilo que se imagina.
Por fim, reforço que Júpiter está exaltado em Câncer, e isso significa um potencial não só de conter, mas de reparar danos. É um voto de confiança. Ele não dissolve os conflitos, mas oferece meios de contê-los, digeri-los, atravessá-los; nem tudo será salvo, mas há muito o que cuidar. E talvez cuidar seja, hoje, o gesto mais radical.
Termino com a imagem da pintura “Fartura e Escassez”, do talentoso Matheus Ribs, desse atualíssimo ano de 2025. Assim como a obra de Klimt que abre esta edição, acho que ela evoca essa estranha convivência simultânea entre morte e vida, miséria e abundância, fim e recomeço. Que a gente consiga navegar bem por essas dissonâncias, em relação, confluindo juntes.
um abraço e até a próxima!
Ísis
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SANTOS, Antônio Bispo dos. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora, 2023.
HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
Adoro quando a astrologia é usada para discutir o nosso tempo. É bonito. Acordei cedo preocupada com o futuro por coisas pessoais e também mundanas...O texto não traz uma esperança ingênua, mas factível. Um afago possivel.
Mulher, se for pra voltar com um texto maravilhoso desse, pode sumir outras vezes, viu? hehehehehe Amei!!!!!