Como começar a primeira edição da burburinho? Não tenho certeza, mas talvez o mais lógico seja contar o caminho que me levou a criá-la, então é isso que vocês vão ler hoje.
Eu sempre tive um negócio com as palavras. Me dizem que, quando bebê, olhava as páginas nas revistinhas da Mônica e tentava decifrar o que estava nos balões, balbuciando qualquer coisa incompreensível, enquanto ainda não sabia falar. Já criança, observava as letras que via impressas em revistas e livros pela casa e as copiava, tortinhas, no papel com giz de cera. E depois, apontava pras placas nas ruas e perguntava aos meus irmãos mais velhos o que tava escrito em cada uma delas, até todo mundo cansar de me responder.
E aí veio o aprender a ler e escrever de fato. O que mudou tudo. Escrevi fanfics baseadas em Harry Potter (poisé), tirinhas autobiográficas, fichas de personagens, artigos pro jornal da escola, textinhos pro concurso de prosa e poesia de alunos. Escrevi histórias meio gênero épico, mangás sobre heroínas poderosíssimas e letras de músicas tristes em inglês — altamente influenciados por Senhor dos Anéis, Sailor Moon e Evanescence, respectivamente. Escrevi diários, vários: por muitos anos, a mão, até obter acesso a um computador e descobrir o mundo dos blogs. Aí veio o blogspot, o blogger, o .kit.net, o tabulas, o livejournal, etc. Guardo ressentimento de mim mesma por ter perdido todo esse conteúdo? Com certeza, mas isso também é assunto pra outra edição. O que restou, enfim, foi o que eu escrevi no papel — e também algumas entradas que ficaram esquecidas na minha última conta de diário virtual, e que só descobri que ainda existia por causa desse email recebido no ano passado:
Não há dúvidas de que eu fui uma jovem blogueira, gente. A questão é que, depois de todos esses anos, eu realmente não sou mais muito jovem, mas… talvez eu ainda seja blogueira. !!!!!??????!!
Essa inquietação levemente indignada começou a transitar na minha mente nesses últimos meses (sei lá como, já que não foram meses tranquilos ou com muito tempo disponível pra divagações internas). Começaram a pipocar uns pensamentos que viravam ideias, frases parciais ou inteiras, e logo seguiam se organizando mentalmente na forma de texto. E pensando mais sobre a blogueira que me habita (risos!), o que rolou foi mais do que o reconhecimento de um desejo por escrever e me comunicar, porque isso eu nunca deixei de fazer. A questão é que caiu a ficha de que eu sempre escrevi. Mas calma, esse texto não vai virar um relato emocionado com a revelação de que o meu grande chamado sempre foi esse. Como já disse em outra ocasião, me irrito um pouco com o discurso de artista que “desde que tinha 4 anos de idade fazia a coisa x e sabia que ia ser aquilo”. Pode até ser verdade pra umas pessoas, mas pra mim realmente não foi. Nada foi. Escrever sempre foi só mais uma das várias atividades que faziam parte da minha vida, de uma forma tão natural quanto corriqueira. Nunca que eu imaginaria que alguém me pagaria para escrever sobre qualquer coisa que fosse.
E daí, corta pra isso que eu tenho feito por aqui. A primeira Meio do Céu foi publicada em agosto de 2021, mas antes disso teve a newsletter “Alfa Serpente”, iniciada em outubro de 2020, que rendeu 22 edições. Em outras palavras, nos últimos anos eu escrevi pra caralho? E publiquei regularmente? Pra minha própria supresa?! Acho que comecei com esse negócio de newsletter um pouco por irritação da precariedade do Instagram como plataforma de leitura de texto (vontade de morrer um pouco a cada “continua nos comentários”), um pouco por fogo no rabo mesmo de querer experimentar um formato que achasse mais interessante. E aí eu achei razoável me botar pra escrever, editar, revisar e publicar semanalmente conteúdo astrológico. Pensei direito? Considerei a carga de trabalho envolvida? Claro que não, monas, eu estava no fim do meu retorno de Saturno, processando traumas ancestrais, trancada em casa no meio de uma pandemia. Sei lá, eu só fiz. E segui fazendo. E a essa falta de noção específica que eu tenho, sou até grata, porque ela me possibilita tentar coisas que depois eu vejo que são meio difíceis de se manter, mas pelo menos eu experimento um pouco, testo uma coisa nova. E o que publicar semanalmente ou quinzenalmente uma newsletter me mostrou, é que eu até sabia e gostava de escrever, mas que pôr isso em prática com prazo, formato e regularidade tornaram possível uma habilidade abrir caminho para outras coisas. De certa forma, começar uma newsletter me incentivou a entrar no mestrado. E o que veio, daí, foram várias mudanças importantes.
Bom, durante o hiato da Meio do Céu, nos últimos três meses, me bateu essa auto-aceitação de que eu tenho coisas pra compartilhar, que eu gosto de fazer isso e que, de certa forma, eu já faço isso aí há bastante tempo. A astrologia foi só um pretexto pra escrever sobre um tema e poder exercer isso numa certa sensação de segurança que o distanciamento pessoal proporciona, sabe? Até eu perceber que isso também é mó viagem. E não sou eu que tô dizendo, é a Donna Haraway: pra ela, a objetividade vem justamente de uma visão que está situada, não distanciada e incognoscível daquilo que observa. “O único modo de encontrar uma visão mais ampla é estando em algum lugar em particular”1. Não se escreve nem se observa de “lugar algum”, simplesmente. Essa suposta neutralidade da visão é um delírio ocidental colonizador, etc. Tudo que eu escrevo sobre a astrologia e interpreto sobre o céu é mesmo atravessado pelo meu próprio olhar sobre as coisas, pelas referências e experiências que eu carrego, pela leitura que eu faço e sigo faznedo da teoria que aprendi, que também me chegou por meio das lentes das pessoas que me ensinaram. Falando assim parece meio óbvio, mas a gente vive num tempo em que isso se perde e as coisas parecem que existem num tipo de vácuo.
E se eu já escrevia e sempre escrevi, acho que o que faltava era a coisa de de se autorizar, apenas. Sei lá de onde veio tanta insegurança (mentira, claro que sei), mas o fato é que a maturidade tem me trazido mais o ímpeto de tocar o foda-se, do vamo vendo e fazendo. Nem é exatamente confiança, é mais uma aceitação de que eu já vivi o bastante pra ficar medindo demais o que eu deveria ou não fazer. Eu hein, faz logo o que tu quer e pode fazer, mona.
No fim das contas, todo mundo precisa de um lugar pra ventilar, ser desbocada e sem censura. Esse lugar já foi meu blog, meu twitter em 2009, a hora do recreio com minhas amigas. Ele ainda é minha sessão semanal de terapia, os áudios longuíssimos que mando para amigues que moram longe, a mesa de bar com pessoas que gosto e confio. Mas a escrita também sempre foi uma via de passagem confortável pra mim — e conforto é uma coisa que eu aprendi a valorizar, quanto mais eu vivo. Daí, quando começaram a brotar ideias, pensamentos e frases querendo fluir por essa tal via, o esforço de barrar a passagem me parece não valer muito a pena. (Tenho pensado que, muitas vezes, esse esforço sem muita razão até nos adoece, mas isso é mais assunto pra outra edição.)
Enfim, escrever sobre minhas próprias experiências foi uma decisão deliberada, mas parte de mim ainda acha meio maluquice compartilhar coisas pessoais na internet (e por isso pretendo sim manter algumas edições restritas para apoiadores!), mas o lance é que
não acho saudável ficar lutando contra meus próprios impulsos criativos (só eu sei o quanto devo a eles por estar aqui bem e viva),
como uma pessoa com muitos km rodados de vida online, consigo discernir melhor o quanto ou o quê posso dividir, e como fazer isso sem me expor demais;
vamos todos morrer mesmo, não sou tão importante assim, tá tudo bem se eu passar um pouco de vergonha.
Ainda acho que uma das coisas mais doidas que as redes sociais fizeram nos últimos anos foi tornar esse hábito de dar satisfação e documentar a própria vida algo atraente ou desejável. Eu fico genuinamente encucada com isso, não por julgamento moral — até porque, em algum lugar, é um simples sintoma da necessidade de conexão e comunicação que todes têm —, mas pela perturbação que se torna viver nesse estado hipervigilante, com a inserção meio dissimulada de tarefas desnecessárias de registro e compartilhamento que roubam nosso tempo e atenção na rotina. Mas enquanto tento fugir desse extremo, também aceito que não há escapatória do ~mundo virtual~, ele é parte integrante da nossa vida, ele já molda e altera nossa cognição e percepção do mundo, não tem mais passo para trás, etc. E aí, o que eu tenho tentado fazer é valorizar e escutar mais o tempo de dentro, o meu próprio tempo, que é diferente desse que se impõe por fora. Ainda preciso elaborar mais sobre isso, porque essa noção do tempo de dentro atravessa completamente a minha perspectiva sobre astrologia, mapa natal e destino. Mas isso, também, é papo pra outro momento. No fim das contas, me parece que simplesmente chegou o tempo de compartilhar outros tipos de escritos, com quem tiver interesse em ler. Taí minha grande explicação sobre como essa seção foi criada.
“Burburinho” é uma palavra que eu gosto da melodia e do significado, que envolve som, um sentido de constância e uma certa inquietação. Me pareceu uma imagem apropriada pra o nomear alguns dos pensamentos intrusivos que se passam na minha cabeça (e que ainda são publicáveis).
Não tenho grandes pretensões com essa newsletter. Ela não vai ter periodicidade definida, embora eu já tenha alguns textos e temas em rascunho ou formação, marinando há várias semanas. Gosto, inclusive, da ideia de publicar a qualquer momento coisas de meses ou anos atrás — uma possibilidade que simplesmente não existe na Meio do Céu, por estar sempre acompanhando o ritmo dos planetas e antecipando os trânsitos astrológicos. Então o plano, aqui, é escrever como e quando eu quiser e puder, e sobre o que desejar. Acho que dá mais vontade de ler esse tipo de texto quando ele é escrito com vontade, sabe?
E por hoje, é só isso mesmo. Sejam bem-vindes, e não reparem a bagunça.
HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. In: Cadernos Pagu , (05), 1995, p. 33.
Amei amei amei ❤️
Achei incrível a foto de incentivo para 2024. A relação virtual e real é muito válida, afinal, quem não tá com sintoma deve tá morto.