sobre a temporada de Vênus em Leão
5 de junho a 8 de outubro de 2023 | edição exclusiva de apoiadores
Vênus entrou em Leão nessa última segunda-feira e talvez vocês estejam se perguntando porque esse ingresso ganhou tanta pauta no conteúdo astrológico dessa semana. Com a licença da piadinha com o signo, a explicação desse destaque todo não é porque a Vênus em Leão chama a atenção, e sim porque esse será mesmo um trânsito bem importante no contexto atual.
A primeira razão para essa relevância tem a ver com o alcance temporal: Vênus, que costuma ficar pouco menos de um mês em cada signo, vai passar cerca de quatro meses em Leão, até 8 de outubro. O período estendido se deve à sua retrogradação, que também será longa: de 22 de julho a 3 de setembro. A essa altura vocês já sabem que todos os planetas passam um tempo considerável de seu percurso celeste em movimento retrógrado, mas aqui também cabe sublinhar esse diferencial: Vênus é o planeta que mais raramente entra em retrogradação, o que ocorre a cada 19 meses, aproximadamente. Não chega a ser um evento astrológico raro, mas tem sua distinção. Além disso, temos a importância atual de Vênus para nós, já que ela é a regente do ascendente do mapa anual para o Brasil e, por isso, ocupa atualmente uma função expressiva sobre o estado geral da nossa coletividade. Por último, um dado fundamental que nem todo mundo sabe é que o Brasil tem a Vênus em Leão no seu mapa de fundação, o que faz esse retorno de Vênus do país ser ainda mais significativo.
Pensando nisso tudo, decidi escrever essa edição, que virou um verdadeiro dossiê da temporada de Vênus em Leão: tem interpretação de significados práticos e poéticos, mapeamento de aspectos e previsões para cada ascendente. (Vai ter até uma playlist temática apenas com músicas de artistas nascides desse posicionamento, mas essa vai ser lançada semana que vem.) Como de costume, a primeira parte do texto está livre para leitura, mas essa é uma edição exclusiva para apoiadores da Meio do Céu; para acessar na íntegra, basta atualizar o status da sua assinatura nas configurações da sua conta do Substack. Espero que gostem, e desejo uma boa leitura!
Vênus à disposição do Sol: viver em autenticidade
Na astrologia, a trajetória e comportamento dos planetas são o que simbolizam ações e eventos; os signos, de forma mais secundária, qualificam esses acontecimentos. Em outras palavras: Vênus é como uma atriz que performa; o signo em que ela está são as vestes que ela usa e os recursos que tem a seu dispor em cena; a casa em que ela aparece, num mapa, seria o palco e cenário que ela ocupa.
Leão é um signo regido pelo Sol, que expressa e viabiliza ações de autoridade, solenidade e influência. Quando um planeta qualquer ocupa o signo de Leão, é como se ele pegasse emprestado para si essas qualidades solares — na nossa analogia teatral, é como se um ator recebesse vestes e ferramentas da realeza para usar por um tempinho. Pra alguns deles, o empréstimo até serve bem, embora seja uma combinação menos usual (para Júpiter, por exemplo); para outros, carregar as roupas e instrumentos solares é de um estranhamento tão grande que beira à caricatura e à incapacidade de se portar dentro das próprias convenções (é o caso de Saturno). Cada ator — isto é, cada planeta — têm um tipo de relação específica com o figurino e o signo que precisa se vestir e ocupar.
Vênus não tem a aversão com Leão que Saturno tem, mas ela também não fica exatamente confortável ocupando esse signo. Para ela, é uma vestimenta meio desproporcional, meio formal demais, que a põe numa certa posição de soberania que é absolutamente incomum para ela. Não é tão difícil compreender o porquê de tal desconforto: Vênus é o planeta da afetividade, da agrabilidade, da união e conciliação. É o planeta dos encontros e relacionamentos, da vida em fruição e abertura ao outro. Também trata de beleza, prazer e estética, o que nem sempre envolve outras pessoas; mas o domínio de Vênus é, sobretudo, sobre as relações de afeto que estabelecemos entre nós e o que há além de nós. Seja beleza avistada em objetos e situações, ou carinho cultivado com outros seres. E a questão aqui é que se relacionar é encontro de partes distintas que, por mais gostos e histórias em comum que tenham, são sempre marcadas pela diferença. Se relacionar, portanto, exige doses generosas de negociação e concessão.
E, de repente, Vênus ocupa Leão, território solar de confiança, autoridade e comando. Nesse signo, ela se apossa de um tipo de expressão e forma de ação que são muito mais decididas e autosuficientes do que sua natureza é. Assim como o estereótipo de um imperador não é conhecido por sua receptividade, hesitação ou vulnerabilidade (e é por isso que Libra é a queda do Sol), a Vênus também se vê munida de recursos pouco usuais a si mesma, quando transita por Leão. Não chega a ser um transtorno nem uma rejeição — é mais uma posição curiosa, nova, diferente, em que ela se vê precisando desempenhar um papel com o qual não está acostumada, e de grande visibilidade. Ela precisará agir de forma solar, com domínio e convicção, mas estar ainda mais atenta ao que seus interlocutores (os outros planetas) têm a dizer; em especial, o próprio Sol, que será seu dispositor ao longo desse trânsito. Mas sobre esse e outros aspectos que ela vai fazer ao longo dessa temporada leonina, falamos daqui a pouco.
Aquilo que possui luz própria não só brilha aos olhos, como ilumina tudo o que existe à sua volta.
Essa frase eu escrevi num post do Instagram anos atrás, sobre a qualidade solar, e acho que ela nos ajuda a compreender um aspecto fundamental do trânsito da Vênus por Leão: o da autenticidade. O brilho do Sol que Vênus adquire em Leão não consegue ser domado, muito pelo contrário: é uma luz que invade todas as frestas, clareia onde não se via antes. Mostra o que é, como é, sem muita margem para disfarces e esconderijos. A Vênus em Leão, brutalmente visível, não tem muita outra escolha a não ser honrar uma posição confiante, acostumando-se a ver e ser vista. Mostrar-se como é, sem receio do que podem achar. Tampouco se trata de uma posição de indiferença — a forma como está sendo percebida pelo seu meio pode inclusive tornar-se uma certa obsessão, mas isso parte mais de vaidade e anseio de reconhecimento do que de uma urgência vital de validação.
O que quero dizer é que, ocupando um signo solar e ganhando tanta visibilidade, a Vênus em Leão acaba trazendo um aprendizado importante para as pessoas que nascem desse posicionamento, ou que estarão regidas por ela durante esse trânsito: negar a própria verdade é um suplício que não compensa. A franqueza, a espontaneidade e uma postura autêntica consigo mesme são qualidades de grande valor que podem ser desenvolvidas a partir dessa experiência.
Pesquisando artistas nascides da Vênus em Leão para comporem a playlist (a ser lançada na próxima edição), me deparei com um fato que agora parece óbvio: tem muitas, muitas artistas pop nativas desse posicionamento. Estou falando de gente grande mesmo, de ícones: Madonna, Whitney Houston, Maria Bethânia, Amy Winehouse, Michael Jackson; Dua Lipa, Selena Gomez, Solange, Fiona Apple, Shirley Manson, Charli XCX, Bonnie Tyler, Kristin Chenoweth, Rina Sawayama, Roisín Murphy. Muita gente peso pesado, entende? Que não dá pra dizer que não faz sucesso, seja do seu gosto pessoal ou não. Eu não conheço a fundo todos esses nomes, mas é inegável que são artistas que viveram ou vivem com autenticidade — o que inclui coragem de decepcionar e desagradar algumas ou várias pessoas no caminho, se esse for o preço de manter-se coerente e fiel ao que se acredita.
Nem tudo é só brilho, confiança e verdade, é claro. A projeção da luz solar faz, também, a sutileza e delicadeza venusianas ganhar contornos e sombras bem definidos. Na prática, isso pode se expressar como uma postura de superioridade ou arrogância — quando a autoconfiança cruza essa barreira, afinal? —, de inflexibilidade no trato com outras pessoas, de dominação e imposição das próprias vontades a qualquer custo. É muito bom saber o que se quer, mas o mundo não vive à nossa disposição, certo? Infelizmente, essa é a porção problemática dos recursos e possibilidades que o Sol também é capaz de produzir. Com isso, o jogo relacional tão afeito à Vênus pode se tornar um campo minado e atravessado por vaidade e controle. Os signos fixos carregam uma certa solenidade que pode acarretar numa postura de levar-se à sério demais, o que vira um peso desnecessário na própria experiência de vida; Leão, por ser um signo que expressa poder e autoridade, é ainda mais propenso à essa afetação.
Acabei com tudo
Escapei com vida
Tive as roupas e os sonhos
Rasgados na minha saída
Mas saí ferido
Sufocando meu gemido
Fui o alvo perfeito
Muitas vezes no peito atingido— Fera Ferida, cantada pela genial Maria Bethânia, nascida de Vênus em Leão (amo o valor artístico do drama, mas convenhamos que passa longe da leveza)
A ideia do amor próprio é frequentemente associada à Vênus em Leão, e acho que é um significado bem valioso para esse trânsito, porque ele está ligado à autenticidade que já mencionei. E não só: me soa, também, como uma rota de fuga para os delírios de autoimportância que essa Vênus pode manifestar. “Amor próprio” pode ser definido de muitas formas, mas gosto de pensar que se trata de saber do próprio valor e do que se é, independente de outrem. Como a Ju Machado bem lembrou, quem fala de amor próprio como ninguém é nossa querida bell hooks, incansavelmente citada nessa newsletter:
“[Seu] primeiro amor é o amor-próprio. O amor-próprio começa com aquele inventário destemido com o qual você é capaz de entrar no sótão ou no armário de si mesmo e ver o que há lá. O que você aprecia em si mesmo? Como você interage com outras pessoas? A maioria de nós [faz essa] jornada arduamente porque somos uma cultura de baixa auto-estima. As mulheres, especialmente, muitas vezes caem na armadilha da baixa auto-estima. E assim, nesse sentido, é realmente difícil confiar que a vida está boa, que você pode encontrar o amor ou que sua vida pode ser significativa sem amor, se estivermos falando de parcerias românticas.”
— bell hooks em entrevista para o Shondaland, 2017 [tradução minha]
O caminho do amor próprio é para dentro, e gosto especialmente da imagem do sótão ou do armário de si que ela evoca nessa fala, porque conversa com a ideia da Vênus em Leão portando uma fagulha emprestada do brilho solar para adentrar esses espaços, examinar as frestas e as sombras, revelar o que há ali no fundo. Não é um processo simples nem fácil, mas que envolve caminhar em busca da própria verdade. O que há para se temer aí? Talvez o luto de ter que deixar para trás comportamentos e aspectos da vida que não sirvam mais para a pessoa que se tornou.
I've got a plan, a demand and it just began
And if you're right, you'll agree
Here's coming a better version of me— Better Version of Me, da Fiona Apple, outra nascida da Vênus em Leão
Tenho pensado, por fim, que um equívoco muito internalizado entre as pessoas com que convivo é o do “servir” ou não para se relacionar — uma ideia distorcida de que existem pessoas que sabem se relacionar, como se tivessem nascido com o chip dos relacionamentos instalado, enquanto outras pessoas fossem simplesmente desprovidas dessa capacidade. Quanto mais vivo, mais percebo o quão pouco aprendemos sobre formas, cuidados e maneiras de se relacionar com outras pessoas; como essa falta segue precisando ser corrigida e melhorada na vida adulta, aos trancos e barrancos, com alguns ou muitos estragos ao longo do caminho. Diferentemente do se imagina, o mais provável é que a dificuldade de se relacionar de forma saudável não seja uma falha de caráter pessoal — embora seja, sim, responsabilidade individual empreender essa reparação.
“A maioria das pessoas que pensam não serem dignas de receber amor tem essa percepção porque, em algum momento de sua vida, foi socializada por forças fora de seu controle para se ver indigna de amor. Nós não nascemos sabendo como amar alguém, quer se trate de nós mesmos ou de outra pessoa. Contudo, nascemos capazes de reagir ao carinho. Conforme crescemos, podemos dar e receber atenção, afeição e alegria. Aprender como nos amar e como amar os outros dependerá da existência de um ambiente amoroso.”
— bell hooks, Tudo sobre o amor: novas perspectivas
E é com esse panorama de significados estabelecido que seguimos adiante para entender melhor sobre a importância desse trânsito a nível individual e coletivo, e sua interpretação para cada ascendente.
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