edição #111, Saturno em Peixes: um balanço até agora
Faz quase dois anos que Saturno transita em Peixes. Esse ingresso ocorreu no dia 7 de março de 2023 e, desde então, entre períodos de movimento direto e retrógrado, Saturno permaneceu no mesmo signo. Agora em 2025, Saturno continuará em Peixes na maior parte do tempo, percorrendo o decanato final deste signo, mas com um pequeno twist: entre 25 de maio e 31 de agosto, ele entrará em Áries. Esses três meses de Saturno em Áries são como um gostinho do que poderemos esperar desse longo futuro trânsito, que promete abalar (talvez literalmente) algumas estruturas. Porém, este ainda é um ano bastante marcado pelo atual ciclo de Saturno em Peixes. E com o tanto de coisa que aconteceu desde tal ingresso, me parece o momento adequado para fazermos um pequeno balanço sobre os simbolismos e significados desse posicionamento, observando como eles se mostraram até aqui.
Saturno se contrapõe à Júpiter no sentido de que ele expressa a concentração, a manutenção ou o enraizamento, ações opostas à expansividade jupiteriana. Saturno representa restrições e escasseamento — mas também moderação e resiliência. [trecho dessa edição]
O trânsito de Saturno em Peixes é curioso justamente por compor uma combinação curiosa: o planeta que é o “grande maléfico” ocupando o signo que é domicílio de Júpiter e exaltação da Vênus, os dois planetas benéficos. Na prática, o que temos visto são diferentes eventos restritivos se manifestando em cenários frequentemente ligados ao que é comunitário ou lúdico — em astrologuês, condições saturninas com um tom jupiterial e venusiano. Mas pra explicar isso direito, só fazendo uma retrospectiva. Bora?
Na edição publicada em 2023 com interpretação e previsão sobre Saturno em Peixes, escrevi bastante sobre como esse trânsito acentuaria aspectos da crise climática e ambiental, especialmente no que envolve o elemento água. Em 2024, tivemos enchentes no Rio Grande do Sul1 em abril2 e maio — com regiões registrando em poucos dias um terço da média anual de precipitação — e tempestades violentas pontuais em outras localidades, como a ocorrida em São Paulo em outubro, que resultou na interrupção no fornecimento de energia elétrica na cidade por vários dias. Contrastando com esse cenário, o segundo semestre de 2023 marcou o início de uma das piores secas da história na região Norte do Brasil, atribuída ao fenômeno El Niño, ao aquecimento do Oceano Atlântico Norte e a crimes ambientais. A seca no Norte inclusive revelou sítios arqueológicos, incluindo registros rupestres e artefatos históricos anteriormente submersos. Nesses dois anos, pudemos observar que Saturno em Peixes enfatizou um desequilíbrio entre cheias e secas, exprimindo bem o fundamento astrológico de contraste entre Saturno (planeta de natureza seca) e Peixes (signo de natureza úmida).
Na esfera socioeconômica, um dos significados mais gritantes de Saturno em Peixes no Brasil tem a ver com esse signo ser a exaltação de Vênus. Isso porque Vênus, como planeta associado ao lazer, é regente de atividades como jogos. Tudo que é prazeroso, porém, carrega o potencial de tornar-se vício, e é por isso que Vênus também está relacionada à dependência ou adicção, quando configurada negativamente. Pois sim, a epidemia de apostas e jogos de azar é a epítome do trânsito de Saturno em Peixes, esse signo que exalta Vênus. Veja bem: não é que essas coisas não existissem antes, como se o problema não existisse. Trânsito planetário não inventa nem causa nada, apenas exprime a qualidade do tempo em que a gente vive — então o ganho de popularidade e visibilidade dessas atividades é algo diretamente refletido pela passagem de Saturno por Peixes. É especialmente ilustrativo pensar que tais práticas facilmente ocasionam em dependência e isolamento (Saturno-Vênus) provocados pelo vício, mas que são motivadas pela promessa de "dinheiro fácil", sem esforço de trabalho, divulgados por influencers e subcelebridades (o tom Júpiter-Vênus da coisa toda).
Por falar em “esforço de trabalho”, também escrevi lá em março de 2023 que
essa relação complicada e abusiva com o trabalho e o descanso pode vir a ser melhorada durante a passagem de Saturno por Peixes, que deve afrouxar um tanto a autocobrança por disciplina e favorecer o bom e velho ócio, em detrimento de uma cultura de punição e esgotamento.
O burnoutinho esteve muito em alta na temporada de Saturno em Aquário e, felizmente, a crítica ao excesso de trabalho ganhou bastante tração política nos últimos anos. A visibilidade do movimento VAT (Vida Além do Trabalho), fundado pelo vereador Rick Azevedo (eleito no Rio de Janeiro em 2024) e a defesa do fim da escala de trabalho 6x1 a nível nacional são bons exemplos da relevância dessa pauta na coletividade. Culturalmente, o debate em torno da importância do descanso e do ócio cresceu, inclusive pela popularização de livros publicados anos antes, mas que ganharam projeção nos anos recentes, como “A Sociedade do Cansaço”, do Byung-Chul Han, “Descansar é resistir: um manifesto”, de Tricia Hersey e o já clássico “A vida não é útil”, do Ailton Krenak. A segunda autora, inclusive, é fundadora do movimento que chama de Nap Ministry, o “Ministério do Cochilo”, e defende a ideia de que cochilar e descansar são atos políticos, especialmente para comunidades marginalizadas. Em alguma medida, é possível ver uma mudança de discurso e de mentalidade em relação ao trabalho que destoa bastante de alguns anos atrás.
Saturno é popularmente visto como aquele que “cobra” e “pune”, né? Tem algum fundo de verdade aí, especialmente quando a gente considera que seu trânsito num signo traz à tona problemas relativos ao que o tal signo diz respeito. A passagem de Saturno por Sagitário entre 2014 e 2017, por exemplo, foi bem marcada pela exposição de crimes e polêmicas envolvendo organizações e líderes religiosos, algo atribuído ao fato de Sagitário ser um território de Júpiter, planeta regente desses assuntos. Havia expectativa de que algo parecido poderia ocorrer nesse trânsito de Saturno em Peixes (pois Júpiter também rege Peixes). O que eu tenho observado, porém, é muito mais controvérsia e denúncias envolvendo figuras públicas do entretenimento. Aqui no Brasil, dá pra perceber uma postura vexatória a celebridades e influenciadores que fazem publicidade dos jogos de azar e casas de apostas, coisa que não ocorria há anos atrás. Um certo desinteresse e crítica à cultura de celebridade (“ninguém se importa”) também me parece coisa de Saturno em Peixes. Há casos específicos de figuras públicas do meio como do Marcius Melhem, ex-diretor de humor da TV Globo, que tornou-se réu por assédio sexual contra três mulheres em agosto de 2023; o do cantor sertanejo Gusttavo Lima, que enfrentou um pedido de prisão em agosto de 2024 por conta da investigação de supostas irregularidades fiscais; a condenação do apresentador de TV Sikêra Júnior, por declarações discriminatórias contra a comunidade LGBT+. Novamente, não se trata de ineditismo nesses casos, mas de uma ênfase observada e de mudanças culturais a nível coletivo.
Nos Estados Unidos, país da maior indústria de entrenimento do mundo, 2024 foi um ano agitado nesse sentido: o documentário Quiet on Set, lançado em março, expôs uma série de assédios e abusos contra crianças que trabalhavam em programas de TV da Nickelodeon. Outro documentário, Child Star, de setembro, também levou ao centro do debate as problemáticas da indústria do entretenimento sob a perspectiva do trabalho infantil — codirigido pela cantora Demi Lovato, com participações de outras artistas que experimentaram o estrelato mirim, como Drew Barrymore, Raven-Symoné e Christina Ricci. O caso mais notório por lá, no entanto, foi o do P. Diddy (codinome de Sean Combs), conhecido rapper que foi preso em Nova York em setembro, sob acusações de tráfico sexual, extorsão, agressão e outras. Embora aparente ser um caso centrado da figura de um indivíduo, a influência e poder de Diddy na indústria musical se estende por décadas, incluindo uma rede de relacionamentos e empreendimentos que envolvem vários outros artistas. Como eu costumo repetir, Peixes é o signo que melhor evoca a ideia de coletividade, porque tem o nome de um bicho no plural: tudo o que ganha forma nesse signo, se amplia e se mistura numa grande rede em que é difícil distinguir onde algo começa ou termina. É signo de cardume, não de um peixe só.
Essa é uma boa deixa para mencionar o ganho de relevância de associações e uniões. No ano de 2023, me marcou especialmente a greve iniciada pelo Sindicato dos Roteiristas de Hollywood (WGA), seguida pelo sindicato de atores, que reivindicava melhores salários, regulamentação do uso de inteligência artificial e revisão dos royalties das plataformas de streaming. No âmbito político, também em 2023, durante a 15ª cúpula do BRICS na África do Sul, foi anunciada a inclusão de seis novos países: Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã, ampliando a influência econômica e política do bloco. (Por outro lado, em 2024, a presença de Júpiter em Gêmeos parece ter dificultado mais a manutenção de coesão e união nesse sentido.)
Como escrevi lá em março de 2023, a relação de Saturno em Peixes com conservadorismo e democracia é um tanto quanto ambígua. Esse é um trânsito que, historicamente, já testemunhou tanto golpes militares (o de 1964, no Brasil), quanto revoluções populares (a Inconfidência Mineira e a Revolução Francesa) e massacres étnicos (o genocídio de Ruanda e o atual, em curso, em Gaza). A ambiguidade se acentua com fato de que também é um trânsito marcado por avanços e conquistas relevantes no que tange os direitos humanos e a organização civil. Para citar algumas: em 2024, no Japão, tribunais declararam inconstitucionais as leis que proibiam o casamento entre pessoas do mesmo sexo; na Tailândia e na Grécia, foram aprovadas leis permitindo de fato esse tipo de matrimônia. A Colômbia e Serra Leoa implementaram leis que proíbem o casamento infantil; a Gâmbia, manteve a criminalização da mutilação genital feminina; a Polônia alterou seu código penal para definir o crime de estupro com base na ausência de consentimento, fortalecendo a proteção às vítimas de violência sexual. A França se tornou o primeiro país do mundo a garantir o direito ao aborto na Constituição. Nos Estados Unidos, Biden comutou as sentenças de pena de morte de 37 condenados. O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, também foi libertado em 2024, após anos de detenção, em um caso amplamente debatido em termos de liberdade de imprensa e direitos humanos. Em 2023 o Brasil teve o maior número, em 14 anos, de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. No mesmo ano, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania lançou o ObservaDH, uma plataforma virtual pública destinada a consolidar e analisar informações estratégicas sobre a situação dos direitos humanos no país. Certamente há muito trabalho a ser feito e os avanços conservadores na esfera política preocupam, mas há de se reconhecer certos avanços no debate e garantias em outras esferas da coletividade. (É o mínimo? É o mínimo. Mas, frequentemente, nem com ele dá pra contar.)
As vitórias de Milei e Trump parecem demarcar o avanço do conservadorismo — e, já adiantando, a temporada de Saturno em Áries certamente lança foco especificamente sobre figuras autoritárias como eles —, mas, astrologicamente, complexificando esse cenário, me parece que a temporada de Saturno em Peixes consolida o poder destrutivo e ameaçador que se organiza em nome de uma coletividade ou de um conjunto de valores bem estabelecidos. O apelo da fé e da religiosidade mobilizados em nome dos projetos políticos, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, a força que ideais coletivos tem de mobilizar atos inimagináveis, como o assassinato do CEO da UnitedHealthcare por Luigi Mangione, que se tornou na visão popular um tipo de herói em denúncia aos abusos dos planos de saúde nos Estados Unidos. O que eu enxergo de Saturno em Peixes em tudo isso é o poder de mobilização que a criação de um imaginário compartilhado é capaz de provocar em grupos de pessoas. Quem sabe mexer bem esses pauzinhos, sai na frente. (E a direita, diga-se de passagem, faz isso muito bem.)
Finalmente, algo que eu não esperava de Saturno em Peixes foram os avanços na inteligência artificial. O ano de 2023 foi marcado pelo avanço dessas tecnologias, com a popularização de ferramentas como o ChatGPT e outras de imagem generativa. Desde então, tudo que é aplicativo e produto digital parece ter incorporado IA em seus recursos ou mecanismos, consolidando a tecnologia no ambiente digital de milhões de usuários. Na minha perspectiva, a relação da IA com Saturno em Peixes não é tão óbvia, e foi preciso pensar um pouco mais a fundo. Para começar, estamos, contextualmente, na Era do Ar, que tem tudo a ver com o desenvolvimento tecnológico:
Desde 1980, com o primeiro passo dado nesse novo ciclo coletivo, vimos a tecnologia e a informação se desenvolverem de modo irrefreável. Até de forma literal, vimos a tecnologia diminuindo sua materialidade mais concreta e alcançando a dimensão aérea, com a substituição progressiva de cabos e hardwares pesados pelo bluetooth, o wi-fi, o comando por voz, etc. Com a ampliação do acesso à internet a partir dali, a comunicação nunca mais foi a mesma. Faz algumas décadas que vivemos a era da informação, da abstração e da volatilidade típicos do elemento ar, e já estamos bem familiarizados com essa realidade.
Se a temporada de Saturno em Aquário (que estabeleceu o início definitivo dessa Era do Ar) ficou marcada pelas pautas de algoritmo, fake news e exército de robôs, parece que Saturno em Peixes vem contribuindo com a chegada de ferramentas que simulam um tipo de mistura e amálgama no campo da informação. Explico melhor: o ChatGPT e o Midjourney, por exemplo, são ferramentas inteligentes de redação de texto e geração de imagens a partir de um acervo imenso de dados (coletados, frequentemente, de modo duvidoso ou antiético); a combinação desses milhões de dados é entregue ao usuário numa forma misturada, amalgamada de modo a transparecer coesão e unicidade, embora sejam apenas um simulacro disso. Faz sentido? (Essa é uma brisa recente minha, em especial à IA generativa de imagens, que tem bastante a ver com a minha pesquisa de doutorado.) Enfim, inteligência artificial é fenômeno indiscutivelmente inserido nesse ciclo de Saturno em Peixes, e que me parece render bastante pano pra manga — inclusive em relação ao próximo trânsito de Saturno, em Áries.
Vocês conseguem pensar no que mais rolou nos últimos dois anos que dá pra relacionar ao trânsito de Saturno em Peixes? Como tudo em astrologia, é muito mais fácil perceber os significados e os símbolos ativamente presentes depois que o tempo passa. Me contem aí nos comentários o que eu deixei de fora.
um abraço e até a próxima,
Ísis
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Patrícia Nardelli, astróloga e moradora de Porto Alegre, escreveu edição especial na Meio do Céu analisando em comparação os mapas das enchentes de 1941 e 2024 na sua cidade.
Também ocorreram em abril de 2024 chuvas intensas no Golfo Pérsico, que resultaram em inundações repentinas. Países como Omã, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iêmen, Arábia Saudita, Bahrein e Catar registraram volumes de chuva equivalentes a quase um ano em um único dia.
Nessa questão da IA eu acredito que exista uma relação bastante forte com Peixes e Jupíter. Eu atendi um cliente que trabalhava com computação e fazia mestrado em Computacao Quantica e Aprendizado de Maquina e ele tinha Mercúrio e Vênus em Peixes colados no Ascendente em sextil mt proximo com Júpiter (regente da c10). E eu tenho uma tia que tem Júpiter em Câncer júbilado em quadratura quase exata com Mercúrio (regente da c10) e ela enriqueceu muito na vida porque abriu uma empresa que desenvolve software, onde ela e o marido trabalham.
O que eu tirei dessas leituras é que computação/dados/software, além da questão da multiplicidade das informações que você cita, tem muito haver com serem dados profundos e extremamente voláteis, existe uma certa não linearidade pra ler e manusear eles, já que a partir deles dá pra fazer qualquer coisa, o que também acho algo bastante jupiterial também por ser expansivo, sem fronteiras/limites etc. Quando você citou a questão da IA no texto me veio na hora a imagem do pessoal de ruptura fazendo refinamento de macrodados, uma imagem inclusive extremamente psiciana kk (a segunda temporada lançou, inclusive, com Vênus colada em Saturno em sextil com Mercúrio)
Um último comentário, é que acho que existe uma relação bastante presente do Júpiter em Gêmeos nessa questão da IA, nos dois mapas que eu li tem essa relação presente de Mercúrio-Júpiter, acho curioso que o DeepSeek surgiu próximo do fim da retrogradação de Júpiter e ele é uma IA que usou os hardware da NVIDIA — mesma empresa que o chatgpt usou — uma coisa bem Gêmeos que nascem do mesmo lugar
Que news maravilhosa! Texto bom de ler e ver esses acontecimentos (alguns terríveis) inseridos num contexto é interessante. Obrigada 💚