Quando o seu trabalho envolve interpretar astrologicamente os trânsitos do céu, datas e prazos se tornam especialmente importantes. A questão é que, se a Terra acompanha o céu — isto é, se o que ocorre lá no alto se reflete em eventos aqui na nossa vidinha terrena —, às vezes fica difícil conciliar esse frágil equilíbrio entre observar, interpretar e viver. Eclipses costumam ser eventos turbulentos (vide aqui, aqui e também aqui). Esse último, um Eclipse Solar a 10° de Libra, parcialmente visível em algumas regiões do Brasil, não foi diferente. O fato é que a minha vida anda atribulada, e a semana do eclipse foi só mais uma um pouquinho mais caótica do que o normal. E o timing de escrever sobre o eclipse? Perdi, é claro.
Eu poderia vir aqui e falar como esse eclipse envolveu um Sol já debilitado, pois ocorreu no signo de Libra, onde a autoridade solar se enfraquece. Ou que, no mapa calculado para Brasília, o eclipse aconteceu na casa 8, um local do mapa que reforça bastante a instabilidade. Aliás, por falar em casa 8, em outras ocasiões, escrevi (e até ilustrei1) imagens representando essa casa como um tipo de abismo — um cenário em que a sensação da vulnerabilidade e o medo da perda são perenes, ainda que nem sempre verdadeiros. Em mapas natais, a depender de como esse local está configurado, podemos interpretar grandes inseguranças, crises existenciais ou, em casos mais extremos, a perda no sentido mais brutal da coisa — a morte, é claro, faz parte dos assuntos de casa 8.
O mapa desse Eclipse Solar em Libra traz como dispositora uma Vênus exilada em Escorpião, em diálogo direto apenas com Marte em Câncer e Saturno em Peixes. Quem é que comparece quando o pior acontece? Com quem dá pra contar quando a situação aperta? A Vênus, que conversa apenas com os dois maléficos, recebe um e é exaltada pelo outro. O primeiro odeia o segundo. Um triângulo amoroso daqueles de filme. Independente da imagem que a gente use para interpretar, acho que o que prevalece é o significado de vínculos fortes o suficiente para atravessar mares revoltos. Reconhecer e respeitar seus limites, pedir ajuda, saber que fardo algum precisa ser carregado sozinho. Entender que a vida é partilha e que as relações fundamentam nossa experiência de mundo — ainda que, às vezes, a vontade de lidar com qualquer pessoa seja nula. Que rede é essa que te sustenta — ou melhor, que te suporta? (Em todos os sentidos do verbo!)
Esse tem sido um ano de perdas para mim. Perdi muita coisa nos últimos meses, em sentidos tão metafóricos quanto concretos. Tem uma coisa interessante sobre as perdas, porém: quando a gente vivencia uma ou várias delas, especialmente as mais dolorosas ou significativas, outras coisas da vida se reorganizam em proporção e prioridade. Quase todo problemão vira um probleminha menor. Uma situação de potencial estresse pode ser enfrentada com calma, até indiferença. Não é que esses efeitos sejam exatamente bons, nem duradouros, mas eles acabam acontecendo.
O que é um peido para quem tá cagado? Essa notável expressão da nossa língua resume bem outro aspecto que despontou no meu cenário de crises e turbulências. Talvez tudo possa ser explicado pela ideia de que, quando estamos numa situação absolutamente fora de controle, tentamos recuperar alguma sensação de domínio e segurança a qualquer custo. Provavelmente foi isso. O que aconteceu foi que decidi dar vazão a mais mudanças. Recuperando o mínimo de previsibilidade e segurança, sim, mas também (e sabe lá por quê_, acabei caminhando em direção a pequenas experimentos de ajustes sobre a vida e a rotina que envolviam lidar com perdas e ganhos. Abrir mão de coisas e observar que tipo de benefício também poderia surgir dali. Uma coisa meio “o que escolho salvar, o que escolho destruir”. Um tanto drástico, eu sei. Mas essas foram ações mais orientadas para modificar hábitos do que para, de fato, impor disciplina ou qualquer rigidez sobre minha própria vida. Apesar de tudo que não está no nosso controle — que é quase tudo, mesmo —, todos os dias, tomamos muitas decisões, pouco ou muito relevantes, sobre como vivemos a nossa vida. Há recortes de contexto pessoal, político, socioeconômico, naturalmente, mas dentro de uma certa margem de manobra, sempre existe a mínima possibilidade de resistir ao automatismo ou à resignação.
Uma das coisas que experimentei foi desinstalar do celular os aplicativos de rede social — Instagram e Bluesky, mais especificamente. Andava me incomodando o hábito de acordar e já enfiar a cara numa tela, ainda na cama, demorando muito mais tempo para levantar do que deveria. Ou, em outros momentos do dia, gastar tantos minutos rolando feeds e timelines que nem me interessavam tanto assim. Vale dizer que foi um experimento de duas semanas, que eu já sabia que não seria sustentável de forma permanente. E, também, que estou bem longe de ser uma pessoa antitecnologia ou contra as redes sociais, pelo contrário — mas considerei esse um teste para rever e pesar a posição que essas coisas têm na minha rotina, e ter uma melhor noção do valor delas para mim hoje. Bom, é claro que meu tempo de tela no celular caiu para um terço do que era antes, e apareceram brechas que eu não vinha tendo. Voltei a ler por prazer. Organizei meu material de colagem para retomar as práticas. Descansei mais e melhor. Fiquei fazendo nada, admirando a minha gata, observando minhas plantas ou a rua. E em alguns momentos, bem pontuais, me senti inundada de presença — como quando acordei espontaneamente umas 5 da manhã, e me detive a ficar observando a luz suave do sol chegando nas folhinhas das árvores que enxergo da minha janela. A noite, pouco a pouco, virando dia. Silêncio. Plenitude. Presença absoluta.
Talvez eu tenha começado a testar e experimentar outras formas de fazer as coisas na expectativa de recuperar algum controle sobre a minha vida. O que aconteceu, no lugar disso, é que eu ganhei espaço para perceber como prefiro e desejo viver. Entendi, por exemplo, que estou cada vez menos interessada em fazer ou manter coisas por obrigação, coisas que não me proporcionem um mínimo de prazer — entendendo, aqui, esse termo no sentido mais amplo possível. Aliás, não por acaso, esse entendimento surgiu num período de estados de maior presença. É porque prazer requer inteireza. E daí, foi ficando fácil perceber que tinha (e ainda tem) muita coisa sendo mantida na minha vida a troco de nada; coisas que eu não tinha mais vontade de sustentar, e que poderia escolher seguir de outra forma. A vida já traz desafios e dificuldades, de uma forma ou de outra. No que eu puder escolher, vou fazer apenas o que eu quero mesmo, porque eu vivo e até aprendo melhor desse jeito. A ideia de que a gente tem que sofrer pra ganhar experiência ou sabedoria é uma ideia bem torta.
A Meio do Céu nasceu em 2021, em plena pandemia de COVID-19, no meio do governo Bolsonaro, aquela época que só quem viveu sabe. A edição #1, publicada em 1 de agosto daquele ano, foi intitulada de “uma ode ao desapego” porque, na época, foi o retorno da newsletter que eu já publicava, agora então com um novo nome. De lá pra cá, são mais de três anos de newsletter e 152 edições. Conquistei um alcance e uma audiência que jamais tive em outra plataforma, e pude desenvolver uma forma de estudo e escrita que mudou a forma como eu trabalho (e não só na astrologia).
A grande pegadinha é que as coisas estão, como de costume, em constante movimento. E, com isso, algumas mudanças se fazem necessárias. Nos últimos 5 anos, estive estudando e escrevendo sobre astrologia mundana de muito perto, observando trânsitos e acontecimentos a curto prazo, prevendo eventos no mês a mês, às vezes até semana a semana. Isso envolveu uma dedicação imensa em termos de estudo e consumo de conteúdo que apoiasse a análise dos mapas, uma atenção permanente nas notícias e acontecimentos. Atualmente, porém, analisar e interpretar esses mapas de lunações é algo que me interessa menos. Ainda gosto de observar o mapa do ano de um país (ou no plural, quando existem mapas de semestre e trimestre), por exemplo, pensando numa interpretação mais ampla sobre o tempo abordado. Também tenho a curiosidade de estudar a astrologia mundana de um ponto de vista mais distante: pensando trânsitos mais longos, ciclos planetários, etc. Em resumo, como bem elaborado na seçãozinha ali de cima, eu quero escrever sobre o que eu tenho vontade, não apenas cumprir uma obrigação. Eu não criei essa newsletter para isso, e nem quero que ela se torne isso.
Em termos práticos, portanto, a Meio do Céu passa a ter publicações trimestrais, sempre nos solstícios e equinócios, trazendo uma visão geral para o período à frente e principais trânsitos, bem como foi a edição #109, sobre o Ingresso Solar em Libra. Gosto da ideia de pensar nesse formato de uma edição mais robusta, como um dossiê de astrologia mundana a cada mudança de estação. A próxima dessas, portanto, será publicada no dia 21 de dezembro, junto ao Ingresso do Sol em Capricórnio. Dentro dessas edições, vou preparar também um conteúdo extra para os apoiadores não ficarem sem o deles.
Isso significa que vocês não vão ouvir falar de mim até quase o Natal? Na realidade, não. A ideia aqui é justamente dar vazão aos ofícios que me dão prazer, e eu adoro escrever sobre astrologia. Então certamente, até lá, teremos algumas edições de burburinho, sem periodicidade fixa. Assunto não falta, já que eu tenho quase 20 rascunhos iniciados, mas os textos têm o tempo deles de sair. Melhor que seja assim.
Aproveito pra anunciar que comecei o agendamento de novembro e dezembro para consultas de mapa do destino, que é como eu chamo a leitura do mapa natal pela perspectiva da metáfora náutica. Para solicitar uma vaga de atendimento, é só acessar esse formulário.
um beijo e até!
é isso, querida! os textos sempre refletem nossa cota de desejo. siga o seu ritmo (não aquele que você se impôs ou o ritmo das redes) que os teus textos virão mais fortes porque você vai estar fazendo com leveza. adoro te ler ❤️ beijo imenso.
Sair da ideia de que para adquirir experiência, é preciso sofrer. Me identifico muito com seu texto Ísis. Adaptando a vida, mas também experimentando novas formas de viver melhor e com mais presença....